Há argilas e argilas

 Há argilas e argilas

(ebanataw.com.br)

Na linguagem dos geólogos que, como eu, se envolveram mais intensamente com os sedimentos e as rochas sedimentares, o termo “argila” (do grego argilós, a partir do étimo “argos” que significa branco, tendo chegado até nós através do latim “argila”) ocorre, geralmente, em três contextos diferentes.

  • Espécie mineral (silicato hidratado de alumínio e/ou magnésio, do grupo dos filossilicatos) que podemos especificar usando o termo “argilomineral” como, por exemplo, a caulinite, a ilite, a montmorilonite, a palygorskite e outras. Componente essencial dos argilitos, dos xistos argilosos e das margas, faz parte do cimento dos arenitos ditos argilosos; é essencial na composição mineral dos solos e na dos produtos de alteração das rochas, como são o saibro ou arena e a terra rossa. As partículas cristalinas dos argilominerais são extremamente pequenas, no geral, inferiores a 0,004 milímetros (mm), só visíveis ao microscópio electrónico. Quando puros, os argilominerais são brancos.
Argila quaternária na Estónia (400 mil anos). (pt.wikipedia.org)
  • A respeito do sinónimo de “argilito”, refira-se que é nome de rocha sedimentar argilosa que, além de argilominerais, contém quase sempre partículas muito finas de outros minerais (comummente, quartzo associado a quantidades menores ou vestigiais de mica e de feldspato), pulverizados durante o transporte entre o local de origem e o de deposição ou sedimentação. O argilito é um material coerente, quando seco, friável e facilmente riscado pela unha; e plástico quando humedecido, tornando-se moldável. Desagrega-se em excesso de água, formando suspensões (barbotinas) cuja estabilidade depende das dimensões das partículas e das características físico-químicas do meio. Endurece pela secagem e consolida por acção do fogo, características que determinaram o seu uso em cerâmica, em todas as latitudes e ao longo de todos os tempos.

A expressão “argila comum” é usada para referir a matéria-prima da cerâmica industrial do barro vermelho (telhas, tijolos) e na loiça de barro artesanal. Nesta expressão, o qualificativo “comum” marca a diferença com outras matérias-primas argilosas, como são o caulino, a bentonite e a argila refractária.

“Barro” ou argilito impuro é o termo popular dado a esta argila comum. Neste contexto, entende-se por impurezas os detritos, mais ou menos finos, de quartzo, de feldspato, de micas, de óxidos e de hidróxidos ferro e, ainda, de matéria orgânica, que lhe conferem colorações, respectivamente, avermelhada (hematite), amarelo-acastanhada (goethite) e entre o castanho-escura e o negro (húmus). O termo tem origem no latim hispânico barrum, e é equivalente ou próximo de outros como greda e mataca.

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Na indústria extractiva, “caulino” é o nome dado ao argilito branco, essencialmente constituído por caulinite, praticamente destituído de óxidos de ferro, o que lhe permite permanecer branco após cozedura e ser usado como matéria-prima no fabrico de porcelanas. Conhecido e utilizado na China, desde a Antiguidade, o seu nome provém de Kao Ling, que significa montanha alta. Os Ingleses chamam-lhe China clay, numa alusão nítida à importância desta matéria-prima no país do Sol Nascente.

  • Classe granulométrica usada na classificação dos sedimentos terrígenos de diâmetro inferior a 0,004 mm. É nesta medida que, via de regra, esta componente detrítica acompanha os argilominerais, formando com eles os argilitos. Tal acontece por razões de hidrodinamismo. Em resultado da alteração e da erosão das rochas em terra, nas regiões onde a chuva é um dos factores dominantes (de climas temperados-húmidos e quentes-húmidos), os materiais resultantes dessa erosão (calhaus, areias e argilas) são arrastados, pela escorrência, para os cursos de água que os transportam muitas vezes até ao mar. Os calhaus vão rolando no fundo, as areias saltitando e as argilas, lado a lado com o quartzo e outros minerais pulverizados, permanecem em suspensão. À medida que os cursos de água vão perdendo força (capacidade de transporte ou competência) os calhaus vão ficando pelo caminho, as areias conseguem ir mais longe e as argilas, bem como as ditas partículas muito finas, avançam ainda para muito mais longe, acabando por se depositar conjuntamente.
Peças de cerâmica figurativa de artistas goianenses. (Créditos fotográficos: Charles Marinho / Divulgação – revistacontinente.com.br)

Já foi dito anteriormente, mas não é demais repetir que, na sistemática de Avicena (980-1037), a argila, no sentido de argilito, era classificada entre as terras, ao lado de outras classes (pedras, sais, metais, minerais fusíveis). Este critério manteve-se até finais do século XVIII, estando bem exemplificado na sistemática de Bergman (1735-1884). É com base nesta classificação obsoleta que os Ingleses a designam por earth (e os Franceses por terre) e que nós ainda usemos o termo “terra”, com o significado de argila, em expressões como “terra rossa”, “terracota”, “terra sigilata”, “terra fulónica”, etc.

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Notas:

Alteração deutérica – ou hipogénica, é a alteração ocorrente no interior da crosta, exercida sobre os minerais das rochas, por acção de: 1) águas magmáticas residuais muito quentes (hidrotermais), dos vapores e dos voláteis associados; 2) águas residuais do metamorfismo regional; 3) águas meteóricas penetradas na crosta e, aí, aquecidas por efeito do grau geotérmico. O qualificativo deutérico (do grego deuterós, ulterior, secundário) alude à posterioridade dos minerais resultantes desse tipo de alteração, secundários relativamente aos minerais da rocha magmática, entendidos como primários. É exemplo deste tipo de alteração, a caulinização.

Depósitos de argilas refractárias. Pedreira grande com argila de cores diferentes. (Créditos fotográficos: @richardnazaretyan – br.freepik.com)

Argila refractária – Argila usada no fabrico de tijolos e outras cerâmicas resistentes ao calor.

Marga – Rocha sedimentar resultante da sedimentação conjunta de uma componente carbonatada (calcária) e de uma outra argilosa, em partes sensivelmente iguais. É a matéria-prima essencial do cimento com que se faz o betão.

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30/10/2023

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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