Heróis em vias de extinção
O Mundial de 2022 foi a última competição internacional para Cristiano Ronaldo, futebolista de maior sucesso na história de Portugal. Golos, títulos, prémios: esteja onde estiver, Ronaldo será o português mais conhecido no Mundo. Vindo de um país com limitada expressão global, tudo o que ele conseguiu, combinando o seu esforço e talentos, é heroico. Apesar disso, o rapaz começa a fase final da carreira debaixo de uma chuva de críticas.
Parte disso deve-se ao declínio desportivo do atleta. Quando se está no topo tanto tempo, é complicado admitir que já não se está ao mesmo nível que antes, o que, no seu caso, o levou a assinar por um clube desconhecido. Contudo, o grande problema são as atitudes arrogantes de sempre. Todos nos lembramos dele a atirar braçadeiras de capitão ao chão ou a responder mal quando vaiado. Atitudes fáceis de ignorar enquanto o sucesso continua, menos fáceis de defender quando se entra em declínio. Perguntem a José Mourinho que fez da arrogância um escudo nas conferências de imprensa. Aceitável, até engraçado, enquanto ganhava tudo, perde a piada quando os sucessos já não se repetem.
Falo deles, mas os astros do desporto não têm culpa de que o mundo moderno lhes tenha atribuído o papel de heróis e de exemplos a seguir, nem de que os campos de batalha onde hoje se defende a nação sejam os desportivos. Mesmo assim, nota-se a diferença. Eu cresci com Maldini, Figo e Rui Costa. Todos senhores, embora Figo tenha deixado claro – com a sua mudança de Barcelona para Madrid – que inocência era uma coisa do passado. Apesar disso, ver Rui Costa voltar ao Benfica como jogador é uma dessas coisas que fazem uma pessoa acreditar que ainda existem valores que vão além do dinheiro, nesta época moderna, embora as novas realidades sejam também parte do problema.
Antes de ciclos noticiosos de 24 horas ou das redes sociais, o escrutínio não era tão grande. Mourinho nunca pediu o direto que fez com que Pedro Santana Lopes abandonasse uma entrevista, porque “critérios editoriais” forçaram uma interrupção para mostrar imagens do treinador a chegar a um aeroporto. Ronaldo nunca pediu a cobertura noticiosa da sua vida pessoal que o fez atirar o microfone de um jornalista para um lago. As “celebridades” são pessoas que lidam com a realidade e com o stress da vida como podem.
Contudo, fiquei com estas perguntas na cabeça: quem serão os heróis de hoje? Quem nos inspira e cujo exemplo nos merece a pena seguir? Antes do futebol, Portugal vivia de glórias do passado. No romance A Ilustre Casa de Ramires, Eça de Queiroz dizia – com o seu humor de sempre – que Portugal era um “torrão augusto, trilhado heroicamente pelos Gamas, os Ataídes, os Castros”. Nomes que hoje já nada significam, em particular, numa realidade onde a cultura nacional teve de ceder espaço a outras.
Sobram poucos heróis fora dos que nos são impingidos pela globalização, figuras como Elon Musk, Jeff Bezos ou Mark Zuckerberg. Ídolos na Internet, num mundo onde dinheiro é a marca de sucesso e a ética tem pouca relevância. Em Portugal, nem os mais ricos têm visibilidade. Então, fora do desporto, quem fica como exemplo? Cristina Ferreira, se calhar, com a sua imagem de rapariga simples que conseguiu chegar ao topo da televisão sem perder a sua essência. Uma história que vale o que vale, mas que, pelo menos, é apresentada consistentemente.
Este é um problema generalizado: é cada vez mais complicado que apareçam figuras dignas de admiração. No campo da política, por exemplo, já não vemos duelos de titãs como os debates entre Mário Soares e Álvaro Cunhal. Aliás, nenhuma bancada parlamentar parece capaz de produzir um líder carismático cujo modelo valha a pena seguir. É um vazio triste, não só porque pode ser ocupado por oportunistas populistas, como Donald Trump, mas também porque a melhor maneira de incutir bons exemplos é através de quem aparece nos media. Não deveríamos precisar de uma guerra para alguém notável aparecer. Pessoas que vivem valores mais altos fazem sempre falta.
05/01/2023