Informação policial não partilhada prejudica a investigação criminal
O diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, alertou para o facto de a informação policial não partilhada prejudicar a investigação criminal, ao participar na audição parlamentar dos chefes das polícias sobre a extinção ou reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a 21 de junho de 2022 (terça-feira). Nessa oportunidade, todos disseram estar preparados para receber as novas competências e os inspetores do serviço a extinguir, mas sem nada saberem, em concreto, quando ocorrerá, nem sobre quantos agentes, nem em que condições, nem acerca de quem transitará. Os chefes das polícias foram ouvidos na primeira comissão parlamentar, a dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a requerimento do Partido Social Democrata (PSD), a propósito do processo de reestruturação do SEF.
Diga-se que a proposta do Governo que definia a passagem das competências policiais do SEF para a PSP, para a GNR e para a Polícia Judiciária, no âmbito da reestruturação do SEF, foi aprovada no Parlamento, a 8 de Julho de 2021.
A extinção ou reestruturação do SEF foi estabelecida pela Lei n.º 73/71, de 12 de novembro, nos termos da qual, as atribuições de natureza policial passam para a Guarda Nacional Republicana (GNR), para a Polícia de Segurança Pública (PSP) e para a Polícia Judiciária (PJ), sendo as atribuições de natureza administrativa confiadas à Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA), a criar por decreto-lei, a publicar no prazo de 60 dias a contar da publicação da lei em referência, e ao Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN), no que respeita aos cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência, nos termos a definir em diploma próprio a aprovar pelo Governo, bem como no que se refere à emissão de passaportes, aplicando-se, com as devidas adaptações, as normas em vigor.
Entretanto, a Lei n.º 89/2021, de 16 de dezembro, prorroga o prazo de entrada em vigor da lei que aprova a reestruturação do sistema de controlo de fronteiras, procedendo esta primeira alteração à lei em referência, à reformulação do regime das forças e serviços que exercem a atividade de segurança interna e fixando outras regras de reafetação de competências e recursos do SEF. A justificação dada, ao tempo, prendia-se com o recrudescimento da covid-19.
Em maio, a Lei n.º 11/2022, de 6 de maio, altera o prazo de produção de efeitos e constitui a segunda alteração à Lei n.º 73/71, de 12 de novembro, que aprova a reestruturação do sistema português de controlo de fronteiras, procedendo à reformulação do regime das forças e serviços que exercem a atividade de segurança interna e fixando outras regras de reafetação de competências e recursos do SEF, alterada pela Lei n.º 89/2021, de 16 de dezembro. Um dos fatores que pesou foi o excessivo tempo que decorreu para a entrada em funções na nova Assembleia da República, por virtude das eleições antecipadas, e a repetição do ato eleitoral num dos círculos eleitorais da emigração, imposto pelo Tribunal Constitucional (TC).
Agora, não havendo pretexto para mais prorrogações e sendo já pacífica a reestruturação, tanto o Governo como o Parlamento mostram querer a concretização da reforma em tempos discutida e decretada.
O diretor nacional da PJ, sustentando que a reestruturação “é uma vantagem para a justiça, para a investigação criminal, para a materialização da justiça e para o país”, aponta o dedo ao SEF, que tem, alegadamente, 23 bases de dados com informações de nacionais e estrangeiros a que a PJ não tem acesso para as suas investigações criminais. Por isso, esta polícia tem de andar a pedir, o que se torna dramático pelo tempo, pela burocracia e pela demora. E Luís Neves adverte que “é a investigação criminal que fica em causa quando a informação não é partilhada rapidamente”.
O diretor nacional da PJ respondia ao deputado social-democrata André Coelho Lima e falava das vantagens que via na concentração na sua polícia da investigação criminal relacionada com a imigração, que agora está com o SEF. E um dos pontos positivos que indicou foi, precisamente, o facto de estar previsto que estas bases de dados passem a estar à disposição das outras polícias (através do Sistema de Segurança Interna – SSI).
Como exemplo do problema da falta de informação, Luís Neves apontou que, se a PJ tiver “interceções telefónicas numa investigação em curso e se quiser saber se determinado cidadão está numa pensão ou num hotel, ou se esteve alojado, para saber onde o pode procurar, a Polícia Judiciária não tem acesso a essa base de dados”. Referia-se ao Sistema de Informação de Boletins de Alojamento (SIBA), no qual está o registo de todos os hóspedes, portugueses e estrangeiros.
Outras bases de dados que estão com o SEF e cuja informação as forças de segurança só têm acesso mediante pedido formal (o que nem sempre se coaduna com a urgência da investigação), são, entre outras, o VIS – Sistema de Informação de Vistos da União Europeia (UE); o SNV – Sistema Nacional de Vistos; o Eurodac, onde estão todos os registos de impressões digitais partilhadas com as polícias da UE; o APIS – Sistema de Informação Antecipada de Passageiros, que regista as informações que as transportadoras aéreas facultam ao SEF sobre os estrangeiros que transportam para território nacional; o Passe-Rapid, que regista as entradas e saídas de estrangeiros em postos de fronteira; e o Sistema de Passaportes, que regista todos os dados destes documentos. E o diretor nacional da PJ não tem dúvidas sobre os benefícios em toda a linha da centralização da investigação criminal numa só polícia. Não se trata de uma vantagem para a PJ, mas “para a justiça, para a investigação criminal, para a materialização da justiça e para o país”. E aduziu: “Não somos um país rico, temos de viver com os recursos que temos e, naturalmente, havendo a concentração da informação e o acesso às bases de dados, as questões ficam facilitadas, sobretudo perde-se a questão das sobreposições”.
Depois, frisou que, havendo “matérias de concorrências, a investigação e o combate aos fenómenos ficam a perder e é relevante que se procure concentrar a questão dos indícios, da informação e da prova”. Revelando que havia, até ao momento, 735 investigações em curso no SEF, Luís Neves disse aos deputados que a PJ “conhece as pessoas que trabalham na área da investigação”, sem, no entanto, saber indicar (por não ter essa informação) o número certo de inspetores que iria receber do SEF. E garantiu que a Polícia Judiciária está “preparada para receber bem estas pessoas, que vêm, certamente, traumatizadas”, assegurando que as vai manter a trabalhar perto dos seus locais de residência, “contanto que a PJ tenha instalações nesses locais”.
Antes do diretor nacional da PJ, também o diretor nacional da PSP e o comandante-geral da GNR disseram estar preparados para receber os inspetores do SEF e as novas competências.
Aliás, o superintendente-chefe Manuel Augusto Magina da Silva lembrou que, em 2006, um estudo feito a pedido de António Costa, então ministro da Administração Interna, indicava como um dos cenários para a reorganização das polícias, a integração do SEF na PSP. E anunciou que a PSP vai criar uma unidade orgânica de segurança aeroportuária e de controlo fronteiriço, já que pretende que “todos os polícias que trabalham em ambiente aéreo portuário estejam igualmente capacitados para desenvolver, [quer] funções de segurança aeroportuária, quer funções de controlo fronteiriço”, o que “vai trazer uma capacidade de gestão e mobilização de recursos humanos”. E realçou que a PSP precisa “da integração de pessoal do SEF que traga conhecimento acumulado”.
Onde não esteve bem, foi quando assegurou que os inspetores mantinham todos os seus direitos, incluindo o direito à greve. Com efeito, o artigo 270.º da Constituição da República Portuguesa não admite que os militares e os elementos das forças de segurança exerçam o direito à greve.
Por seu turno, o general Rui Clero, que logrou sensibilizar a tutela para incluir no seu controlo das fronteiras marítimas os terminais de cruzeiros, que o diploma de restruturação do SEF atribui à PSP, também se mostrou otimista, considerando que não se identificaram “problemas de maior com o agregar destas responsabilidades”, em termos de meios ou de pessoal, pelo que a GNR está em condições de dizer “presente” e de “responder afirmativamente a esta nova responsabilidade”.
E Fernando Silva, diretor nacional do SEF, não soube adiantar pormenores sobre “a definição de para onde vão os inspetores do SEF”, afirmando estarem “ainda a aguardar as peças legislativas que são importantes para a definição de como é que todo este modelo se vai encaixar”. Todavia, também assinalou que “não se coloca a questão” da perda de conhecimento dos profissionais do SEF, com esta reestruturação, porque tais inspetores “não vão desaparecer” e “vão transportar consigo esse conhecimento para as entidades para onde vão ser transferidos”.
Entretanto, foi contestada a Portaria n.º 560/2022, de 22 de junho, por estabelecer a autorização ao SEF para assumir os encargos orçamentais relativos à execução docontrato de aquisição de serviços (financiados por fundos europeus, no âmbito do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência) para o desenvolvimento e implementação de alterações Recast e NextGen no sistema nacional SIS II – Sistema de Informação Schengen de Segunda Geração, para os anos de 2022 e de 2023, com base no facto de o SEF estar em processo de extinção. Porém, o Ministério da Administração Interna veio a terreiro esclarecer que o SEF, apesar da reestruturação (distinta das modalidades de extinção ou de fusão, porque altera a sua natureza jurídica), tem investimentos a fazer e que as verbas em causa que sobrevierem à conclusão do processo e os respetivos investimentos transitarão para uma dessas entidades, não sendo o seu usufruto exclusivo ao atual SEF.
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Pelos vistos, a reestruturação do SEF, que parecia, antes, tão problemática e era contestada (Não me digam que era por ser conduzida pelo ex-ministro Cabrita!), agora vai de vento em popa. Amadureceram as ideias, modificaram-se os humores, foi o medo da maioria absoluta?
É verdade que informação que não passe entre as polícias depaupera a investigação e a ação penal, mas, para ser partilhada, não devia ser necessária uma reestruturação de serviços deste calibre. A partilha de informação e a reserva devem ser apanágio dos operadores e as ações não podem ser estanques nem concorrenciais. Porém, as polícias não estarão muito inocentes. Quem não se lembra da questão policial da restituição espontânea (?) do material furtado de Tancos: PJ, PJM e GNR? E a trica da GNR e da PSP no transporte de vacinas? O trabalho conjunto é o remédio.
22/08/2022