Intercâmbios linguísticos

 Intercâmbios linguísticos

(© Marco Roque)

Tal como no ano passado, agosto pede uma crónica mais ligeira. Para festejar o pico do verão e em jeito de homenagem a Espanha, decidi escolher algumas palavras e expressões em Castelhano que seriam boas adições ao Português, dando ainda mais flexibilidade à nossa língua. O idioma é sempre reflexo de uma cultura. E um intercâmbio linguístico sabe sempre bem, em particular, com estas ondas de calor. Assim, ¡adelante!

Ahorita = “agora mesmo” ou “num futuro indeterminado”.

Mais comum no Espanhol mexicano, esta palavra é uma espécie de “Gato de Schrödinger” (uma experiência mental considerada um paradoxo e que foi desenvolvida pelo físico Erwin Schrödinger), já que pode significar duas coisas diametralmente opostas. Quem pede algo e ouve um ahorita nunca sabe se o vai receber nesse momento ou se terá de esperar meses até ver alguma evolução. Em momentos de aperto perante um prazo, um ahorita pode fazer muita diferença.

Hombre(eeee) = “pá”.

Falando estritamente, hombre significa “homem”, uma palavra que já temos. Apesar disso, a versão espanhola é mais útil porque se utiliza como um amortecedorverbal. Chega alguém e pergunta algo para o qual não há uma resposta imediata? “Hombreeeee”, começam vocês. Quanto mais “eee” no final, mais tempo para pensar na resposta. Encontram um/a amigo/a que não veem há muito e não sabem o que dizer: “Hombreeeee”. Não se lembram do nome. Mais útil ainda.

Lio/liar(se) = “problema”, “confusão”, “desordem”.

Palavra utilizada para falar de problemas complicados e sem uma solução simples. Contudo, o seu verdadeiro valor chega na forma verbal: liarse. Quem a lia, criou ou está envolvido numa tremenda confusão. Ainda mais poético, quando alguém se lia com outra pessoa. Isso significa que se envolveu romanticamente de maneira passageira. Neste caso, a confusão ainda não chegou, mas lá chegará.

Créditos: Jacquie Boyd / Getty Images / Ikon Images

Ligar(se) = Flirtear ou,na expressão de Português do Brasil, “paquerar”.

Ligar é o ato de indicar interesse para uma ligação romântica. Visível em bares nas sextas-feiras à noite e nas festas de Natal da empresa. Por exemplo: “Estavas a tentar ligar com a moça da contabilidade?” O ato de ligar pode acabar de três maneiras: não se consegue nada; acontece algo sem grande futuro ou pode criar confusão (ver lío). Ou adia-se o tema para um encontro noutra ocasião e, quem sabe, sai uma bonita história de amor.

Pichichi = melhor marcador de uma liga de futebol.

Pichichi era a alcunha de Rafael Moreno Aranzadi, goleador lendário do Athletic Bilbao. Um ídolo das massas que morreu com apenas 30 anos, em 1922, mas já reformado da carreira de futebolista. Hoje, o termo é usado para falar de avançados com veia goleadora e nome para troféus de melhor marcador. Não digo que em Portugal utilizemos o termo pichichi, mas devíamos escolher um nosso. Digam lá que prémio “Matateu” (o futebolista Sebastião da Fonseca Lucas, que foi o melhor marcador da Liga em 1952/53 e em 1954/55, e o 2.º melhor em 1955/56) não soa muito melhor que Bola de Prata?

Que más da = “mas o que é que isso interessa?”.

Em Portugal, temos problemas em esquecer as coisas. Somos culturalmente intensos, com a tendência de nos focarmos nos aspectos ou acontecimento negativos e no passado. Se não acreditam em mim, pensem: Porque é que o Fernando Pessoa escrevia sobre D. Sebastião no século XX? Que más da (ou o muito parecido, da igual) é um grito de liberdade para deixar para trás as frustrações do momento e seguir em frente.

(© O Terceiro Ato)

Que putada = “que chatice” até “é lixado” ou “porra!”.

A primeira vez que ouvi esta expressão foi da boca de uma idosa numa estação de Metro, quando estava há menos de um mês a viver em Espanha. Como podem entender, não esperava palavras assim, mas, afinal, em Espanhol não é tão forte. Dependendo do contexto, pode significar desde um “poça” até algo muito forte. Por isso, é uma expressão útil em várias situações. É ideal quando nos queixamos ou mostramos solidariedade.

Hostia = diretamente, significa “hóstia”, como o pão consagrado da Igreja.

Em Espanhol, é a base de muitas expressões, incluindo levar/dar porrada. Se uma pessoa tem pressa, vai cagando hostias; se queremos que alguém se deixe de conversa fiada, tem de dejarse de hóstias; se alguém está de mau-humor está de mala hostia. Para mim, a melhor aplicação do termo é quando se utiliza como interjeição para “algo do caraças”. Ou seja, é uma boa expressão para indicar que o que nos dizem é muito interessante.

Vale = “O.K.” (é uma palavra do Inglês americano que equivale à expressão “Está bem!”), “Sim” e, até, “Tá bem!”.

É útil porque, numa só palavra, se concentram todos os possíveis elementos para concordar com alguém; ou, melhor ainda, para interromper a outra pessoa, concordando com ela e, ao mesmo tempo, começarmos nós a falar. Também é um bom termo para usarmos quando não entendemos o que a outra pessoa disse e não queremos dar parte de fracos; ou quando queremos discordar e já não temos paciência para dizer que não.

Vaya = expressão de surpresa, positiva ou negativa (nalguns casos, é parecido com “a sério?”). Na hora de falar outra língua, existem dinâmicas que vão além das palavras. No caso do Espanhol, importa saber que a maneira de mostrar a alguém que lhes estamos a prestar atenção é a de interromper com interjeições como vaya ou vale. Por conseguinte, atirar um vaya no meio da conversa indica que estamos espantados com o que o interlocutor está a dizer. Não precisam de se preocupar se é positivo ou negativo, pois a pessoa com quem estão a falar saberá.

Sendo assim, aproveitem o verão que ahorita acaba e, quando derem por ela, a putada do trabalho estará de volta. Contudo, até lá, que más da?

04/08/2022

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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