José Afonso deu os dois últimos concertos há 40 anos

 José Afonso deu os dois últimos concertos há 40 anos

José Afonso (Créditos fotográficos: Global Imagens)

“Águas das fontes calai / Ó ribeiras chorai / Que eu não volto a cantar”

Fez ontem (29 de Janeiro de 2023) 40 anos que José Afonso (1929-1987) subiu ao palco do Coliseu dos Recreios. Ali, já minado pela esclerose lateral amiotrófica que o mataria quatro anos depois, Zeca foi recebido de pé e aplaudido demoradamente pelo público. A seu lado, muitos dos seus companheiros de estrada: Fausto Bordalo Dias, Rui Pato, Júlio Pereira, Janita Salomé, Francisco Fanhais e muitos outros. O espectáculo prolongou-se por duas horas e culminou com “Grândola, Vila Morena” – o hino do Portugal fraterno e solidário. Não houve uma só garganta em silêncio e todos tinham os olhos rasos de água.

A preparação do concerto prolongou-se por dois anos. E José Afonso chegou mesmo a admitir que não se realizaria. Tal era a gravidade da doença que atacava o seu corpo. Todavia, o espectáculo aconteceu e a histórica sala de Lisboa acolheu uma multidão. Otelo Saraiva de Carvalho (1036-2021), Vasco Lourenço e António Rosa Coutinho (1926-2010) foram os militares de Abril que Zeca convidou para esse concerto, que muitos assumiram como a derradeira homenagem ao cantautor.

Zeca Afonso no concerto no Coliseu dos Recreio, a 29 de Janeiro de 1983. (Créditos fotográficos: Alexandre Carvalho – antena1.rtp.pt)

Zeca apresentou-se em palco sem a sua guitarra e foi obrigado a sentar-se entre as canções. O espectáculo percorreu todas as fases e facetas da sua vida e obra. Arrancou com a “Balada do Mondego” e “Do Choupal até à Lapa”, sendo que a “Balada do Outono” logrou registar o primeiro arrepio da noite. Não admira: “Águas das fontes calai / Ó ribeiras chorai / Que eu não volto a cantar”

(Direitos reservados)

Mas voltou a cantar. Escassos meses depois. No Coliseu do Porto, a 25 de Maio de 1983. Por iniciativa de Avelino Tavares da mítica revista Mundo da Canção. Os bilhetes para o espectáculo esgotaram dois meses antes e todos foram postos à venda ao mesmo preço: 500 escudos. Tal como acontecera na sala das “Portas de Santo Antão”, também a sala da Rua de Passos Manuel foi invadida por uma “atmosfera emocional intensa”. Como em Lisboa, o concerto terminou com a “Grândola, Vila Morena”, cantada, a plenos pulmões, por todos os presentes. Este, sim, foi o último concerto de José Afonso – “Amigo / maior que o pensamento” (recordando os versos iniciais da sua canção “Traz Outro Amigo Também”).

Reveja o espectáculo do Coliseu dos Recreios, o único gravado pela RTP.

29/01/2023

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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