Justiça: o que não se lê no mapa (10)*
Do Alto Alentejo ao Alentejo Central: a Justiça em Castelo de Vide e em Portel
O presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide, o social-democrata António Pita, declara que “o novo mapa judiciário veio dificultar, e muito, o acesso da população do município à oferta essencial da justiça, na medida em que a sua grande maioria é idosa e carenciada”. Para o autarca, essa decisão do Ministério da Justiça “intensificou a desertificação do interior, pois qualquer serviço estatal – seja qual for a sua natureza – que encerre no interior do país, promove o despovoamento dessa região e tem como consequência o êxodo rural, o qual se vem verificando ao longo de décadas”.
Para José Manuel Grilo, autarca socialista em Portel, os impactos locais mais directos na comunidade, durante o período em que o tribunal esteve fechado, verificaram-se a nível da mobilidade das pessoas que, enquanto participantes num processo judicial “simples”, teriam de se deslocar a Évora, não dispondo de uma adequada rede de transportes públicos.
Na óptica do presidente da Câmara de Portel, mesmo admitindo o decréscimo demográfico, “o argumento da população para encerrar qualquer serviço público não é aceitável”.
No distrito de Portalegre e cingindo-nos ao território da que não chegou a ser a circunscrição do Alto Alentejo (no âmbito da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ou Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), Castelo de Vide é o menos populoso dos municípios abrangidos na nossa investigação jornalística. Com efeito, os dados demográficos de 2001 e de 2011 são, respectivamente, de 3.872 e de 3.376 indivíduos (todavia, os dados definitivos do INE referem 3.407 residentes). Assim, a diferença populacional foi de menos 496 habitantes, o que se ajusta à evolução percentual negativa de 12,81%. Ao consultarmos os dados da Pordata, apercebemo-nos que, entre 2010 e 2019, Castelo de Vide perde ainda 515 munícipes, considerando os registos de 3.450 e de 2.935 indivíduos.
Os resultados preliminares do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação (Censos 2021), divulgados em 28 de Julho de 2021, apontavam para uma variação negativa da população residente, entre 2011 e 2021, de 8,4%, o que evidencia um abrandamento na tendência do decréscimo populacional, apesar de o município de Castelo de Vide ter perdido 286 indivíduos na última década. Um acerto posterior dos dados, por parte do INE, indica 3.116 habitantes e um decréscimo populacional de 8,5% neste concelho do Alto Alentejo.
Ao termos em conta o distrito de Portalegre e o contexto da Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (CIMAA), bem como a circunscrição judicial homónima (uma das 39 circunscrições do território nacional, no alcance da anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ou Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), sublinhamos que a Comarca de Portalegre assentava no próprio distrito administrativo e que compreendia as comarcas de Avis, de Castelo de Vide (incluindo Marvão), de Elvas (abrangendo Campo Maior), de Fronteira (estendendo-se aos concelhos de Alter do Chão e de Monforte), de Nisa (abarcando o município de Gavião), de Portalegre (envolvendo Arronches, Crato e Monforte) e de Ponte de Sor (alcançando ainda o município de Alter do Chão).
Esclareça-se que, ao abrigo da Portaria n.º 412-D/99, de 7 de Junho, as comarcas de Castelo de Vide e de Nisa estavam agregadas. Assim, os respectivos tribunais de competência genérica tinham apenas um juiz no quadro legal conjunto, o qual também era único no exercício de funções em ambos os tribunais. O mesmo acontecia a nível do quadro legal integrado para os magistrados do Ministério Público, igualmente com um só elemento em exercício nos tribunais locais.
Todavia, como informava a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), a comarca do Castelo de Vide abrangia quatro oficiais de justiça no seu quadro legal, todos ali a desempenharem funções. Por seu lado, o quadro legal do tribunal de competência genérica de Nisa comportava seis oficiais de justiça, estando então cinco desses profissionais a exercer funções localmente.
No que se relaciona com o movimento processual e a média das entradas na comarca de Castelo de Vide, entre 2008 e 2010, a DGAJ anotava, por ordem decrescente, o registo de 69 execuções, de 34 processos de média instância criminal (envolvendo a preparação, o julgamento e os termos subsequentes das causas do crime), de 25 processos de pequena instância criminal, de 24 processos em matéria da Família e Menores (FM), de 24 processos de média instância cível e de 14 processos de pequena instância cível, bem como de oito processos de grande instância cível, de três processos de instrução criminal, de um processo no foro do Comércio e, ainda, de um processo de grande instância criminal. Ao todo, foram considerados 203 processos (média dos que entraram entre 2008 e 2010) na então comarca de Castelo de Vide. De acordo com os elementos e argumentos apresentados pelo município, em resposta ao MJ – segundo informação do secretário judicial do Tribunal da Comarca de Castelo de Vide, “o movimento processual[,] entre 2008 e 2010,apresenta uma grande disparidade em relação aos números do Governo”. Concretamente, em 2008, regista 566 processos; em 2009, 521 processos; e, em 2010, 435 processos. Por conseguinte, a “média é mais do dobro de processos”, em relação à indicação da DGAJ.
A resposta forense em Castelo de Vide
Aquando da publicação do Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária (a que sucederia, em 15 de Junho de 2012, o documento Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária), a resposta forense no município de Castelo de Vide, nas áreas Cível e Penal, bem como no domínio da FM e em matéria do Comércio, era cumprida no tribunal da comarca local, enquanto os casos no foro do Trabalho eram resolvidos no Tribunal do Trabalho de Portalegre.
Na instância central do Tribunal Judicial do Distrito de Portalegre (TJDP), a DGAJ propunha a localização da Secção Cível e da Secção Criminal na própria capital de distrito, ambas de competência territorial distrital.
Ao considerar as secções de competência especializada, o Ministério da Justiça sugeria, na esteira do TJDP, a presença da Secção do Trabalho em Portalegre, com área de competência territorial no próprio distrito.
No domínio das instâncias locais do TJDP, o volume processual expectável e subsistente à especialização então ditada pela DGAJ apontava, designadamente na comarca de Castelo de Vide, 132 processos em matéria cível (considerando a soma de 69 execuções com 63 outros processos) e 59 processos em matéria criminal, totalizando 191 processos nas duas áreas. O “volume processual reduzido” na comarca de Castelo de Vide, como observou a Direcção-Geral da Administração da Justiça, foi ainda notado nas comarcas de Avis e de Nisa, respectivamente, com 267 e 209 processos conjecturados, atendendo aos somatórios das áreas cível e criminal.
Nessa circunstância, o MJ (através da Direcção-Geral da Administração da Justiça) salientava que a população residente neste distrito “sofreu uma redução de 6,35% nos últimos 10 anos”, com base nos dados preliminares dos Censos 2011. Ou seja, confirmava-se “uma diminuição da população em praticamente todos os municípios”, exceptuando no concelho de Campo Maior.
Fundamentada na análise de alguns factores como o movimento processual, a evolução demográfica e a existência (ou não) de instalações adequadas, a DGAJ justificava a extinção dos tribunais de Avis e de Castelo de Vide. Todavia, este último não foi efectivamente encerrado (apesar de desapossado de quase todas as suas funções judiciais) com a reforma implementada a 1 de Setembro de 2014, ao abrigo da Lei da Organização do Sistema Judiciário, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março.
Recorde-se que a proposta de extinção da comarca de Castelo de Vide assentou na argumentação de que mostrava valores, “quer de movimento processual quer de população, inferiores relativamente à comarca de Nisa”. Concretamente, no que diz respeito à evolução demográfica, “nos últimos 10 anos (Censos 2011 Preliminares), a comarca de Castelo de Vide apresenta uma diminuição da população em 12,81%, enquanto Nisa apresenta uma diminuição de 14,39%”.
Ao comparar as instalações, a DGAJ entende que “o Tribunal de Castelo de Vide está instalado em edifício da propriedade da Câmara Municipal e o Tribunal de Nisa está instalado em edifício da propriedade do Instituto de Gestão Financeira e Infraestruturas da Justiça” (actual IGFEJ – Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça). Para o MJ, ambos os tribunais “se encontram em condições adequadas para o seu funcionamento, no entanto o edifício de Nisa dispõe de melhores instalações”. Nessa reflexão, era então reconhecida a existência de “bons acessos rodoviários entre os dois municípios”. Tendo como fonte o site www.viamichelin.com, o Ministério da Justiça mencionava que a distância de 28 quilómetros entre essas comarcas alentejanas é, supostamente, percorrida em 26 minutos.
No que se referia às instalações, o MJ verificava algumas incongruências que serviam de fundamento à proposta de execução. Todavia, os responsáveis autárquicos contrapunham que o Tribunal de Castelo de Vide se encontrava “a funcionar em instalações adequadas e capazes, cujo imóvel [inaugurado em Janeiro de 1950] é propriedade do Município, sem acarretar quaisquer despesas para o Ministério da Justiça”. Foi igualmente considerado que “o instrumento jurídico utilizado para regulamentar esta relação jurídica é o contrato de comodato”. Ou seja, as instalações eram “cedidas pela Câmara Municipal a título gratuito, situação que liberta[va] os cofres do Ministério da Justiça, quer no respeitante à manutenção do espaço quer no respeitante à renda”. A edilidade informava ainda que, nessa época, o orçamento do Tribunal da Comarca de Castelo de Vide era de 11.290 euros.
Como mera curiosidade, se observarmos o anexo do documento Indicadores de A[c]tividade nos Arquivos dos Tribunais 2014, publicado pela DGAJ, em Março de 2015, verificamos que, na Comarca de Portalegre, ao ser extinta a instância de Castelo de Vide, o seu arquivo, referente ao ano de 2014, foi transferido para o Núcleo de Nisa, e que – atendendo aos valores então actualizados pelos técnicos da Divisão de Apoio à Gestão Documental (DAGD) – apresentava uma extensão de 208 metros de prateleiras e uma extensão documental com 165 metros, o que constitui um saldo positivo de 43 metros. No mesmo documento, é assinalado que o total de processos eliminados e remetidos para o arquivo distrital, entre 2003 e 2014, foi de 3.175 conjuntos processuais.
Conforme também noticiara a Rádio Nova Antena, em 10 de Fevereiro de 2014, o Governo (chefiado por Pedro Passos Coelho, que negociou e estabeleceu um acordo de governação com o CDS – Partido Popular, liderado por Paulo Portas) tinha anunciado que iria fechar 20 tribunais e converter 27 em secções de proximidade, de acordo com o diploma regulamentar da Reorganização Judiciária, então aprovado em Conselho de Ministros. Estava, assim, prevista a extinção de três tribunais no Alentejo (os de Castelo de Vide, de Portel e de Sines), enquanto cinco outros deixariam “de ser tribunais”, porque seriam “convertidos em secções de proximidade”, “despromoções” que aconteceriam em Nisa, em Avis, em Arraiolos, em Alcácer do Sal e em Mértola.
Tribunais com “esvaziamento de capacidades”
Como explicava esta rádio “online”, sediada em Montemor-o-Novo, o país dispunha de 331 tribunais, mas, segundo a nova versão da Lei de Organização do Sistema Judiciário, iria ficar dividido em 23 comarcas, a que correspondem 23 grandes tribunais judiciais distribuídos pelas 18 capitais de distrito. Consequentemente, no Alentejo, “ganham importância” os tribunais de Portalegre, de Évora e de Beja, “havendo para os restantes um esvaziamento das suas a[c]tuais capacidades, sendo de admitir uma redução do número de funcionários”, considerava ainda Rádio Nova Antena.
Politicamente, este município raiano no distrito de Portalegre e na sub-região do Alto Alentejo contraria a maioria socialista a nível distrital, com seis presidentes de câmara municipal eleitos pelo PS. A edilidade de Castelo de Vide foi, nas eleições de 26 de Setembro de 2021, novamente retomada pelo social-democrata António Pita, cuja lista candidata obteve a maioria absoluta (com 50,40% dos votos úteis) e manteve três vereadores, entre os cinco atribuídos à autarquia.
Tanto nas eleições autárquicas realizadas a 29 de Setembro de 2013 como nas que ocorreram quatro anos depois (no dia 1 de Outubro de 2017), António Pita liderou a lista do PSD, tendo conseguido ser eleito por maiorias absolutas mais expressivas, respectivamente, com 59,21% e 57,05% dos votos. O seu antecessor, o também social-democrata António Ribeiro, cumpriu três mandatos na presidência do executivo castelo-vidense, tendo sido o vencedor das eleições locais em 2001 (com 44,2% dos votos validados), em 2005 (com a maioria absoluta de 55,1% dos votos) e em 19 de Outubro de 2009 (igualmente com maioria absoluta, alcançando 53,23% dos votos).
Refira-se que, desde as eleições autárquicas de 12 de Dezembro de 1976 até às eleições locais de 14 de Dezembro de 1997, a edilidade foi liderada pelos socialistas (José Casal-Ribeiro, Carolino Tapadejo, Fernando Soares e Joaquim Canário), tendo Carolino Tapadejo presidido durante três mandatos (ao alcançar as maiorias absolutas de 54,78%, de 65,2% e de 76,8% dos votos nas eleições de 1979, de 1982 e de1985). Por sua vez, Joaquim Canário presidiu à Camara Municipal de Castelo Vide nos mandatos iniciados em 1993 e em 1997, resultantes das maiorias relativas de 43,3% e de 44,4% dos votos válidos.
No final da manhã de 26 de Agosto de 2021, quando faltava precisamente um mês para as eleições autárquicas, o autarca social-democrata António Manuel das Neves Nobre Pita acedeu em ser entrevistado pelo jornal sinalAberto, com a presença da jurista Ana Júlia Duarte da Rocha.
Com o à-vontade de quem assimilou a experiência de dois mandatos na liderança política do município, já depois de ter sucedido ao falecido António Manuel Grincho Ribeiro – que presidiu à Câmara Municipal de Castelo de Vide durante os mandatos autárquicos entre 2001 e 2013, e com o qual integrou o executivo como vice-presidente, em dois mandatos –, António Pita começou por declarar que “o novo mapa judiciário veio dificultar, e muito, o acesso da população do município à oferta essencial da justiça, na medida em que a sua grande maioria é idosa e carenciada”.
“Quando se fez a reforma judiciária, advogava-se que as populações destes municípios não iriam ser prejudicadas. Esta é a questão essencial, na minha opinião”, sustenta o edil castelo-vidense. “A argumentação política foi a de que nenhuma destas comunidades seria lesada, porque continuavam a ter o mesmo acesso à justiça. Obviamente, sim, mas com outros problemas adicionais”, repara o presidente do executivo camarário, explicando: “Um deles é que passa a ser mais caro [aceder aos tribunais], apesar de, entretanto, ter havido algumas correcções. No início, em 2014, as pessoas teriam de ir a Nisa, a cerca de 20 quilómetros, para serem ouvidas. Quantos transportes públicos temos para Nisa? Zero! Há um conjunto de factores que nos mostra que o, então, novo mapa judiciário lesou o cidadão.”
Como consta na Acta n.º 3/2012, relativa à reunião ordinária da Câmara Municipal realizada a 1 de Fevereiro, ainda presidida pelo social-democrata Grincho Ribeiro, este político local deu conhecimento de que, “enquanto representante do Município de Castelo de Vide, não foi informado, institucionalmente, do projecto de encerramento dos tribunais, [em que] se inclui o Tribunal Judicial de Castelo de Vide”. O edil adiantou que “não foi recebida qualquer informação oficial sobre o encerramento do Tribunal”, pelo que aguardava “algum contacto a nível superior, até porque não faz sentido Castelo de Vide deixar de ter este serviço público”.
O anterior presidente da autarquia castelo-vidense também disse “ter ouvido o discurso” da então ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), em que a mesma declarou que sobre essa matéria ainda nada tinha sido deduzido, pois encontrava-se “em fase de discussão pública”.
Na mesma reunião do executivo, Grincho Ribeiro manifestou que estava “contra a proposta de reorganização do mapa judiciário”, que previa a extinção do tribunal local, “por considerar que a medida agrava[va] a desertificação desta região, até porque, conforme consta dos últimos censos [de 2011] o concelho de Castelo de Vide perdeu menos população do que o concelho de Nisa. O ex-líder camarário informou, igualmente, que, “nos [então] últimos três anos, deram, por ano, mais de duzentos e cinquenta processos e que não se encontra[va] assegurada a rede de transportes públicos entre Castelo de Vide e Nisa”, além de que quatro trabalhadores “iriam deixar de trabalhar em Castelo de Vide, três deles ali residentes.
O anterior presidente da edilidade observou, por fim, que tudo iria fazer para que Castelo de Vide não ficasse sem o Tribunal Judicial, “até porque não abdica desse princípio fundamental que é o de ser ouvido, enquanto representante do Município”.
De seguida, no uso da palavra, o então vice-presidente da Câmara Municipal (António Pita) observou, quanto ao projecto de encerramento dos tribunais judiciais, incluindo o de Castelo de Vide, já se ter “manifestado, através da imprensa, contra a reorganização do mapa judiciário, que prevê a extinção do tribunal local, por considerar que a medida agrava a desertificação de toda esta região”. Como regista a Acta n.º 2, correspondente à reunião ordinária do executivo realizada a 1 de Fevereiro de 2012, este social-democrata reconhecia tratar-se “de uma medida apenas economicista, que só vem agravar a vida já tão difícil da nossa população com fracos recursos financeiros”.
“Retrocesso da autonomia municipal”
“É mais um sinal de retrocesso da autonomia municipal, que iremos pagar de forma muito cara no futuro”, expressava o autarca castelo-vidense, acrescentando: “Estas medidas economicistas[,] que têm como principal objectivo a diminuição da despesa pública, nada beneficiam a coesão do território.” Na mesma sessão camarária, António Pita relembrou que “o trabalho que vinha a ser desenvolvido, desde os tempos da Monarquia, no que se refere à consolidação do território, está agora a ser destruído”.
“Nessa altura[,] povoaram-se as regiões do interior recorrendo a coutos de homiziados [isto é, de indivíduos que andavam fugidos à acção da justiça ou foragidos], muitas vezes contra a vontade dos próprios povoadores, sempre no intuito de fixar pessoas e criar riqueza, agora está a inverter-se a situação, porque[,] ao acabarem os serviços públicos, estamos a liquidar o principal património que é o humano e a empurrar a população activa para as grandes áreas metropolitanas e para o litoral”, criticava o vice-presidente da edilidade de Castelo de Vide.
O edil mencionou, igualmente, que “o desenvolvimento territorial é feito com recursos endógenos, da responsabilidade da Administração Central”. E adiantou, nessa ocasião, que a proposta relacionada com o projecto de encerramento dos tribunais judiciais já constava no “site” do Ministério da Justiça.
De seguida, o então presidente da Câmara Municipal – como assinala a Acta n.º 2/2012 – “deu uso da palavra ao vereador Daniel Carreiras da Silva” (político social-democrata que viria a ser nomeado vice-presidente do executivo liderado por António Pita, no mandato de 2013-2017), a propósito da extinção, no interior do País, de serviços da Administração Central: “[…] temos [de] olhar para Espanha como uma oportunidade e não como uma ameaça.”
Ao intervir na sessão camarária de 1 de Fevereiro de 2012, Daniel Silva aludiu que começou por “depositar muita esperança” no Governo vigente (XIX Governo Constitucional, liderado por Pedro Passos Coelho), pelo que se sentia “muito desapontado com todas estas medidas”. A acta daquela reunião ordinária da edilidade castelo-vidense indica que o vereador social-democrata criticava um Governo que “continua a apostar apenas nas zonas do litoral e a desinteressar-se pelo interior do País”. “Cada vez mais” – acentuou –,”as empresas privadas se estão a instalar nas três grandes cidades (Lisboa, Porto e Oeiras)”.
Em réplica a um ofício da ANMP (com a referência Of._409_2012_PB), o ex-presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide (António Grincho Ribeiro) dirigiu ao, então, secretário-geral da ANMP (Artur Trindade) uma exposição comparativa dos elementos do Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária relativos a este município alentejano, considerando os elementos e argumentos apresentados pela edilidade em resposta ao Ministério da Justiça (MJ).
Assim, o ex-autarca informava que “Castelo de Vide, vila situada no interior do País, mais concretamente no Alto Alentejo, é um dos concelhos pertencente à ‘quase destruída’ capital de distrito, Portalegre”. “Capital de distrito que os sucessivos Governos têm teimosamente condenado à desertificação, por via das suas políticas de penteado de risco ao lado”, acusava o social-democrata António Grincho Ribeiro, adiantando: “O litoral, ao longo destes anos, tem vindo a albergar população que migra em busca de ofertas e oportunidades, só possível, porque as políticas governamentais de investimento, as proporciona.”
“Nesta linha de raciocínio, e de acordo com as práticas governativas implementadas[,] verificou-se não só uma desertificação, com uma queda acentuada nos índices demográficos, do interior do País, muito concretamente do Alto Alentejo, como também um aumento dos índices de envelhecimento e das taxas de desemprego”, sublinhava o presidente da edilidade, acentuando que, não obstante esta caracterização social, Castelo de Vide acreditava que era “possível inverter esta situação”, pelo que tinha procurado, em concertação territorial, “promover políticas regionalmente capazes de incrementar/sedimentar o crescimento territorial, quer material ou imaterialmente”.
Ao reflectir sobre os “números” expostos pelo Ensaio para a Reorganização da Estrutura Judiciária, o mesmo edil contestava a proposta, ali avançada pelo MJ, de extinguir a Comarca de Castelo de Vide, apresentando “como fundamento, quer o movimento processual quer populacional, inferiores, relativamente à Comarca de Nisa”. “É no mínimo estranho, já que relativamente à informação disponível[,] o concelho de Castelo de Vide sofreu uma diminuição da população na ordem dos 12,81% enquanto Nisa perdeu 14,39%”, reiterava António Grincho Ribeiro, confirmando os dados já registados nesta reportagem.
Outro fundamento invocado por este político local teve a ver “com os acessos rodoviários e meios de transporte disponíveis”. Na oportunidade, o líder autárquico castelo-vidense notava que os acessos eram “razoáveis”, apesar de o “percurso se fazer por estradas nacionais (EN246 – Castelo de Vide/Alpalhão e EN18 – Alpalhão/Nisa”, então, com “um custo aproximado” de seis euros em transporte particular, ou de 30 euros em táxi. “Importa salientar que não existem transportes alternativos”, expunha o anterior presidente da câmara municipal, observando que, com excepção do “transporte feito em táxi ou particular, Castelo de Vide não dispõe de transportes públicos até Nisa”.
“Acesso à Justiça mais caro, menos célere e mais distante”
Na sua resposta ao ofício da ANMP, o município castelo-vidense fez notar que era “notório que os fundamentos e motivos apresentados” no Ensaio para a Reorganização da Estrutura Judiciária eram “falaciosos”. Ao considerar que os fundamentos avançados pela Câmara Municipal “advêm de fonte privilegiada, como sendo o próprio Tribunal, o que pressupõe a a[c]tualidade e veracidade dos respe[c]ivos dados”, o ex-presidente da edilidade expressava: “Não se percebe o porquê do encerramento deste Serviço em Castelo de Vide, e muito menos a sua transferência para a comarca de Nisa, quando todos os marcadores e indicadores apontam Castelo de Vide como Comarca a manter. [sic]”
António Grincho Ribeiro explicitava ainda que “Nisa perdeu quase 15% de população, contra os 12% em Castelo de Vide” e que não existiam (em 2012) transportes públicos para Nisa, pressupondo que “a população de Castelo de Vide e Marvão vejam o acesso à Justiça mais caro, menos célere e mais distante”, não esquecendo que, então, a Comarca de Castelo de Vide abrangia os concelhos de Marvão e de Castelo de Vide, “que distam 14 Km, contrariamente ao que sucede com Nisa[,] que fica a 21 Km de Castelo de Vide e [a] 35 Km de Marvão”.
Para além destes argumentos factuais, o anterior presidente da Câmara Municipal reconhecia existirem “argumentos sociais”, que, perante esta realidade sócio-económica “se afiguram, salvo melhor opinião, bem mais importantes e com um peso estrutural bem maior”.
Crítico, o antigo autarca castelo-vidense afirmava: “Somos a crer que os estudos ora apresentados pelo Ministério da Justiça ignoram a realidade do nosso país, e muito concretamente do interior alentejano. Lamentamos profundamente os estudos, ensaios e relatórios apresentados com base em estatística, em muitos casos falaciosa, levada a cabo por técnicos, cuja competência não pomos em causa, mas[,] já no que respeita à operacionalidade[,] deixam muito a desejar.” Por conseguinte, o social-democrata António Grincho Ribeiro, em nome de Castelo de Vide, do Norte Alentejano e do interior do País, convidava “os responsáveis por este estudo a vivenciar o quotidiano desta comunidade, para que possam[,] com rigor exa[c]tidão e, fundamentalmente, equidade[,] avaliar as necessidades reais do nosso território”.
Com a publicação da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário, o MJ daria conhecimento do projecto de decreto-lei sobre o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciários (ROFTJ), em que se previa o encerramento definitivo do Tribunal Judicial de Castelo de Vide. Sendo este um dos quinze concelhos de Portalegre, capital de distrito que, como acentuava o novo executivo camarário (então, já liderado por António Pita), “o litoral tem vindo a ‘engolir’, precisamente devido às políticas e medidas tomadas no litoral (Lisboa)”. Em 22 de Novembro de 2013, a recém-eleita equipa autárquica local dirigiu uma carta à ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz) em que denunciava que, durante vários anos, “várias” tinham “sido as políticas governamentais a ditar regras, orientações e decisões que têm prejudicado a vitalidade [e a] continuidade do Interior Alentejano”. “Exemplo disso é o encerramento do Tribunal Judicial de Castelo de Vide”, como anteviam os responsáveis autárquicos, frisando que “a estatística apresentada pelo Tribunal em questão contraria a premissa essencial da Reorganização Judiciária”.
Em Novembro de 2013, o referido tribunal encontrava-se agregado à Comarca de Nisa, sendo que os magistrados, quer judiciais quer do Ministério Público, desempenhavam funções nas duas comarcas. Subsistia a dúvida, por parte da edilidade, “relativamente à escolha da Comarca de Nisa”, onde se previa “a instalação de uma Secção de Proximidade, em detrimento da sua instalação em Castelo de Vide”.
A propósito, os recém-eleitos responsáveis autárquicos (representados pelo social-democrata António Pita) – na sequência da tomada de conhecimento do anteprojecto do decreto-lei do ROFTJ –, ao diligenciarem junto do MJ para agendar uma audiência na intenção de complementar e/ou esclarecer a exposição escrita que também, “oportunamente”, já tinha seguido para a ANMP, com a posição fundamentada acerca do eventual fecho do tribunal local –, argumentavam recorrendo aos “marcadores e indicadores dos [então] últimos Censos de 2011, de onde resulta uma perda de 15% da população em Nisa, contra 12% em Castelo de Vide”, reiterando a apreciação do anterior presidente camarário, António Grincho Ribeiro.
“Falamos de concelhos com uma população, maioritariamente, envelhecida e de parcos recursos financeiros”, acentuava o executivo municipal castelo-vidense, antevendo que o encerramento de serviços – neste caso, o tribunal local – acarretaria “um maior prejuízo socioeconómico à comunidade”, cominando na “sentença de morte” de mais um concelho do interior do País.
Ao considerar “contraditório” o “levantamento da média dos processos que deram entrada no Tribunal de Castelo de Vide”, o recém-eleito (a 29 de Setembro de 2013) presidente da Câmara Municipal também concluía que “o movimento processual entre 2011 e 2013 (dados fornecidos pelo Tribunal Judicial) apresenta uma disparidade relativa aos dados do Governo [chefiado por Passos Coelho], já que a média difere em mais do dobro dos processos”.
Nessa altura, o Tribunal Judicial de Castelo de Vide dispunha de quatro funcionários judiciais, de um secretário de justiça (que aguardava a respectiva aposentação), uma escrivã adjunta, uma escrivã auxiliar e uma técnica de justiça adjunta, dos quais três residiam no concelho, “tendo a seu cargo filhos em idade escolar a frequentar o ensino público” nesta vila, “percebendo-se de imediato”, segundo a edilidade, que o referido encerramento implicaria “profundas alterações nos hábitos familiares”, o que, “inevitavelmente” traria “prejuízos no seio familiar”.
“Gestão assente em fundamentos falaciosos”
Atendendo às circunstâncias e às expectativas, o executivo camarário castelo-vidense, não obstante defender “uma gestão parcimoniosa por parte do Governo”, manifestava não poder “aceitar que tal gestão assente em fundamentos falaciosos”, os quais – como sublinhava – “na maioria dos casos”, “demonstram um total e inequívoco desconhecimento da realidade do País”.
“E a realidade é que o interior do País pode ter mais para ‘oferecer’ do que o litoral”, sugeria a edilidade alentejana, notando que “basta”, para isso, “não ignorar” nem “desperdiçar os recursos que ao longo de décadas demoraram a consolidar”. Na óptica dos autarcas locais, “basta”, também para isso, “recuar nalgumas decisões cujo obje[c]o é meramente economicista, pondo em causa o básico e elementar desígnio das comunidades, o Serviço Público de Proximidade”. Esta opinião foi partilhada pelo representante da delegação local da Ordem dos Advogados (Pedro Mendonça), bem como pelo presidente da Câmara Municipal de Marvão (Victor Martins Frutuoso, em exercício desde 2005) e pelo secretário judicial do Tribunal da Comarca de Castelo de Vide.
Por conseguinte, a decisão de encerramento do Tribunal de Castelo de Vide – que, na realidade, não se concretizou – parecia constituir um “erro”, para os responsáveis autárquicos locais, proveniente “de uma escolha demasiado racional entre alternativas imperfeitas, resultando o risco de decidir num contexto onde a informação foi imperfeita e incompleta”. Daí o apelo: “No entanto, e tendo havido uma corre[c]ção e complementaridade a essa informação, não existe razão para subsistir no erro…”
Perante a Reforma do Mapa Judicial, então recentemente aprovada, que avançava com a extinção do Tribunal Judicial de Castelo de Vide, e no seguimento de várias manifestações contra a intenção de a tutela fechar o tribunal, esta autarquia alentejana objectava “com as negativas e irreversíveis consequências” que tal decisão provocaria no concelho, considerando que a população local seria “extremamente prejudicada, não só a nível social, mas também economicamente”.
Na reunião camarária de 19 de Fevereiro de 2014 foi deliberado, por unanimidade dos membros presentes, vir a apresentar uma providência cautelar e atribuir ao advogado António Canêdo Berenguel poderes para o efeito. A dita proposta de providência cautelar, “de forma a evitar a inconstitucionalidade de uma decisão” do Governo de Passos Coelho, correspondeu à reacção do município castelo-vidense que, através da Câmara Municipal, despoletou os mecanismos legais para “suster os efeitos da decisão do encerramento do Tribunal de Castelo de Vide”
Ao pretender “assegurar à população o direito de acesso à Justiça, constitucionalmente consagrado”, a edilidade local (presidida por António Nobre Pita) sublinhava as palavras do Governo: “Proximidade, Qualidade, Quantidade e Serviço Público são valores obje[c]tivos de referência na implementação do novo Mapa Judiciário agora apresentado.” Palavras que “contradizem claramente com a factualidade e a realidade legal local”, como afirmou António Pita, na proposta de providência cautelar com a data de 12 de Fevereiro, remetendo para o documento anexo que registava “dados contraditórios relativamente aos dados do Governo”. Apesar de ter sido “oportunamente” dado conhecimento disso à ministra da Justiça, esta autarquia alentejana queixava-se de que, até então, tal “nunca foi tido em consideração, demonstrando clara e inequivocamente o desrespeito e a vontade de ‘matar’ o Interior do País”.
Recorde-se que, no dia anterior (11 de Fevereiro de 2014), a Câmara Municipal de Castelo de Vide dirigiu uma carta ao presidente do Conselho Intermunicipal da CIMAA (Armando Varela), no sentido de esta comunidade intermunicipal diligenciar “no sentido de proceder aos esclarecimentos e repor a verdade dos factos, de forma a evitar o anunciado encerramento” do Tribunal Judicial local.
Ao observar que, segundo o Governo, “estariam na base da reorganização do Sistema Judiciário obje[c]tivos e requisitos estratégicos tais como proximidade, qualidade, quantidade e Serviço Público”, o executivo camarário castelo-vidense declarava que “os factos reais contrariam, ao caso de Castelo de Vide, tais valores implementados no novo Mapa Judiciário”, admitindo perceber-se, então, que os argumentos do XIX Governo Constitucional eram “falaciosos, relativamente à média dos processos que deram entrada no Tribunal Judicial de Castelo de Vide”.
Em jeito de curiosidade, o autarca António Pita recordou que “o anúncio da confirmação da reforma judiciária foi feito em Castelo de Vide, no âmbito da Universidade de Verão 2014 do PSD”. Como foi noticiado, o então número dois do Partido Social Democrata (Marco António Costa) elogiou a reorganização do mapa judiciário e, durante do discurso de abertura daquela edição da “Universidade de Verão do PSD”, considerou que “a reforma responde aos anseios do país e deixa os agentes judiciários e os funcionários judiciais mobilizados”.
Como também informava a TSF Rádio Notícias, a 1 de Setembro de 2014, dia em que “o novo desenho judiciário” entrou em vigor, o país ficou “dividido em 23 comarcas, cuja sede coincide com os distritos administrativos existentes e regiões autónomas da Madeira e Açores”, exceptuando o distrito de Lisboa, que se subdivide em três comarcas, e o do Porto, em duas.
Queixa-crime contra membros do Governo
Nessa mesma data, a Ordem dos Advogados (OA) apresentou, na Procuradoria-Geral da República, “uma queixa-crime contra os membros do Governo presentes das reuniões do Conselho de Ministros que aprovaram a reorganização judiciária” que passou a vigorar naquela segunda-feira. A TSF dava ainda conta de que a ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz) observou que “a queixa não faz sentido”, lamentando que a OA “nunca tenha apresentado uma solução”.
Na oportunidade, em comunicado, a OA fundamentou a aludida queixa-crime com o que disse ser um “atentado ao Estado de Direito”. Nesse documento, a entidade representativa dos advogados concluiu existir “flagrante desvio das funções que a cada um dos denunciados estão confiadas como membros do Governo português, dada a evidente violação e desprezo pelos direitos fundamentais de acesso ao Direito, à Justiça e à tutela jurisdicional efe[c]tiva”.
Por conseguinte, segundo referia a TSF, a dita associação profissional dos advogados entendeu que, “aos membros de um Governo português, atentas as elevadas funções de que estão investidos, exige-se que conheçam perfeitamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos previstos na Constituição”. No entanto, com a aprovação do mapa judiciário, a 27 de março de 2014, os ministros do Governo PSD-CDS/PP “desprezaram o critério da proximidade do cidadão no acesso ao Direito e à Justiça”, adiantava a OA.
A propósito, lembramos que, três anos antes, no programa eleitoral do PSD às eleições legislativas de 2011 (realizadas a 5 de Junho) – intitulado “Recuperar a credibilidade e desenvolver Portugal” –, os sociais-democratas prometiam um modelo que, no plano político, assentava “na criação de condições para assegurar, em concreto, o primado da Democracia, com respeito pelo valor central da dignidade da pessoa humana, dele retirando as indispensáveis ilações, nomeadamente no que concerne à ideia de pôr o Estado ao serviço dos cidadãos e não ver nestes, apenas, um objecto de actuação daquele” (sic). Sob o lema de campanha “Mudar Portugal”, o PSD propunha-se “a uma reflexão profunda e à tomada de medidas assentes num conjunto de princípios para a mudança” no sistema político, a nível da descentralização administrativa, no campo da Justiça, no combate à corrupção e à informalidade, bem como nos domínios da Regulação e da Segurança Nacional.
No contexto da Justiça, o PSD pretendia a sua realização “atempada como um dever fundamental do Estado, um direito de todos”. Nessa altura, e atendendo aos desafios da mudança, os sociais-democratas caracterizaram os anteriores seis anos como de “grande falhanço nas reformas que pretendiam garantir uma melhoria de eficiência do sistema, mas também por medidas tomadas de uma forma desgarrada e não inseridas num plano de actuação coerente”.
Apercebendo-se de “uma grande inacção estrutural” e da “falta de um programa de actuação arquitectado numa visão estratégica para o sector [da Justiça] e que desenvolvesse acções sobre os factores de bloqueio existentes”, o PSD, nesse período pré-eleitoral, apontava o dedo ao Governo socialista acusando-o de, “no domínio do sistema de justiça”, ter contribuído para “um verdadeiro desastre nacional”. E explicitava que o PS, enquanto força política governante, “não conseguiu criar um ambiente de cooperação estratégica com os operadores judiciários e instalou mesmo um ambiente negativo, pouco propício à acção positiva”.
Nesse conjunto de aspectos, sob o seu ponto de vista, criticáveis na governação socialista, os sociais-democratas notavam, em 2011, que tinha sido concebido “um novo mapa judiciário de forma deficiente, construído à revelia do acordado com o PSD, o que contrasta, por exemplo, com a excelente reforma do mapa judiciário britânico, efectuada em seis meses, ou com a reforma da ‘oficina judicial’ espanhola, levada a cabo em dois anos”. Denotando “absoluta incapacidade de reformar o Ministério Público, os Conselhos Superiores e o Centro de Estudos Judiciários”, por parte da acção governativa socialista, o PSD considerava que não tinha sido melhorado o sistema de organização e gestão dos tribunais, “tendo apenas tomado medidas pontuais de descongestionamento que não resolvem nada a médio prazo”.
Ao considerar, no seu programa eleitoral, que “o sistema de Justiça é um pilar do Estado de Direito e, também, um factor de eficiência da economia”, o PSD verificava que a importância deste sistema é “transversal a várias dimensões da vida pública e social”. Por isso, acusava os socialistas de terem feito “uma reforma precipitada da legislação penal e processual penal” e falhado “rotundamente na chamada reforma da acção executiva”, havendo (em 2011) “quase dois milhões de pendências”.
Todavia, para o actual presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide, a decisão de o XIX Governo Constitucional (liderado pelo social-democrata Pedro Passos Coelho, coadjuvado pelo centrista Paulo Portas) avançar com o novo mapa judiciário “intensificou a desertificação do interior, pois qualquer serviço estatal – seja qual for a sua natureza – que encerre no interior do país, promove o despovoamento dessa região e tem como consequência o êxodo rural, o qual se vem verificando ao longo de décadas”.
Com base no Instituto Nacional de Estatística (INE) e num trabalho elaborado na Escola Básica 2/3 Padre Joaquim Flores (do Agrupamento de Escolas de Montelongo, no concelho de Fafe), refira-se que os municípios com aumento (em %) da população dos 0-4 anos em relação à população dos 5-9 anos (em 2018) são, principalmente, os mais envelhecidos e reflectem os efeitos da adopção de incentivos à natalidade pelas autarquias. Castelo de Vide é um desses concelhos em que se nota a tentativa de rejuvenescimento, o mesmo sucedendo em Arronches (outro município raiano do distrito de Portalegre) e em Vila Velha de Ródão (um município também raiano, mas no distrito de Castelo Branco).
Em entrevista ao sinalAberto, o actual presidente do executivo camarário castelo-vidense, tendo em conta os, então, ainda recentes dados preliminares dos Censos 2021 (que foram divulgados a 28 de Julho), observou: “Estávamos com uma perda de 12% da população e recuperámos bastante. Mais de metade! Contrariamente, Nisa estava com uma queda demográfica de 15% e agora regista uma queda de mais de 20%.” “No distrito de Portalegre, em termos absolutos, Castelo de Vide foi o concelho que menos população perdeu”, acentua António Pita, argumentando que os dados avançados pela Pordata (que, por exemplo, indicava 2935 residentes neste município alentejano, no ano de 2019) “estavam equivocados, por se apoiarem numa estimativa”.
Ao reconhecer os tribunais “como órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” – nos termos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – o autarca castelo-vidense considera que, com a reactivação, em 2014, das instalações encerradas no território nacional – as quais passaram a ser juízos de proximidade –, foram repostas as competências das antigas comarcas: “Sim, os juízos de proximidade possuem as mesmas competências.”
A subjectividade dos conceitos num modelo judiciário
Para o edil, os conceitos de “eficiente”, de “justo” e de “equitativo” são muito subjectivos, quando nos focamos num modelo judiciário e quando somos confrontados com a justiça praticada localmente, em face das necessidades de cidadania e das que dizem respeito aos vários agentes económicos. “Por um lado, sim, tornou-se eficiente. Mas, por outro lado, a população residente em Castelo de Vide, na maioria das vezes, tem de se deslocar até à localidade de Nisa ou à cidade de Portalegre para as audiências de discussão e julgamento”, declara António Pita ao sinalAberto.
“A título de exemplo, na Comarca de Portalegre, os cidadãos, para comparecerem numa diligência às 14h00, têm de almoçar antes das 12h00, a fim de se deslocarem em transporte público. E só voltam a comer, cerca das 19h00, quando retornam a casa, também através de transporte público”, observa o autarca castelo-vidense, referindo ainda: “Outras vezes, são obrigados a pedir boleia aos patronos e/ou defensores oficiosos, o que – só por si – não constitui qualquer problema, caso os mesmos tenham essa possibilidade, o que nem sempre acontece, por terem outros afazeres, o que obriga as pessoas a contratarem serviços de táxi.”
Ao perguntarmos se, no município de Castelo de Vide, faltam mecanismos que permitam à sociedade identificar o papel primordial do poder judicial e judiciário, reforçando a sua confiança, o presidente da Câmara frisa que “a distância e as despesas desencorajam a população a recorrer à Justiça”. “Os cidadãos, confrontados com casos que, há uns anos, os levariam a recorrer aos tribunais para ali intentarem acções judiciais na resolução dos seus problemas, não o fazem neste momento, considerando as despesas judiciais e também as despesas acrescidas com que se deparam, porque foram transferidas do Estado para aquelas pessoas”, regista o autarca, notando que, “quem se vê constrangido a não recorrer ao tribunal, para a defesa dos seus interesses”, acaba por contribuir para que a Justiça não cumpre a sua missão. “Esta é a parte mais triste e objectiva que se verifica”, salienta.
Na reunião ordinária da Câmara Municipal de Castelo de Vide, em 6 de Novembro de 2013, foi apresentado um ofício da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) convidando a edilidade a participar numa reunião sobre o anteprojecto de decreto-lei Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a realizar no dia seguinte (7 de Novembro), em Coimbra.
Sobre este assunto, como regista a Acta n.º 21/2013, “foi ainda presente uma análise obje[c]tiva e proposta concreta de Reformulação Administrativa, emanada pela Delegação de Castelo de Vide da Ordem dos Advogados, o testemunho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Marvão e um memorando emitido pelo funcionário [j]udicial Francisco da Pena Roque Carapeto, os quais[,] pela sua relativa extensão[,] se dão nesta a[c]ta por integralmente reproduzidos”, ficando em anexo ao respectivo livro de actas.
Na mesma sessão camarária, o então recém-eleito presidente da edilidade (António Pita) confirmou que, no dia seguinte (7 de Novembro), iria estar presente numa reunião, na sede da ANMP, onde seria tratado “um conjunto de matérias relacionadas com o ante-projecto de decreto-lei sobre o regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
Por sua vez, o vereador socialista Tiago Malato também reiterou “a sua discordância face à nova proposta da reorganização do mapa judiciário, porque se trata de uma medida claramente lesiva para os cidadãos que vão ter dificuldades acrescidas no acesso à justiça”.
“Não há democracia sem justiça”
“Não há democracia sem justiça. Quanto mais se afastarem os serviços de justiça da população servida[,] pior será para a justiça e para a democracia. Se é consensual que a justiça é morosa em Portugal, não será, à falta de melhor opinião, com a sua centralização e poupança à custa, que esta se agilizará, muito pelo contrário. As despesas inerentes às deslocações[,] dificultarão o seu trato, bem assim como a disponibilidade [de o] cidadão vulgar aceder ou contribuir para a sua viabilização, como por exemplo enquanto testemunha”, considerou o aludido vereador castelo-vidense.
O mesmo político local do PS referiu, igualmente, que “o Tribunal, o serviço de Finanças e as Conservatórias não devem ser vistos apenas uma lógica de poupança cega, não atendendo ao que realmente as populações servidas perdem com a sua ‘otimização’”. “Ainda para mais quando falamos no interior português, que nunca conseguiu sobrepujar à lógica centralizadora tanto mais visível quanto maior[es] são as crises”, observou Tiago Malato.
“A [H]istória dita que a migração destes serviços de proximidade leva à migração de população e consequente abandono dos centros urbanos do interior”, notava o vereador da oposição, sugerindo: “Esta questão deverá ser diminuída em todas as oportunidades defendendo uma posição de consenso amplo entre todos os elementos do Executivo.”
Para esse político local, “sendo o assunto de uma seriedade inolvidável e não devendo ser este tratado de forma pontual ou ligeira, os vereadores eleitos pelo Partido Socialista, convictos [de] que essa também é a vontade de todos os elementos deste Executivo, propõem que este assunto seja aberto à discussão junto da população, um momento promovido por todo o Executivo Municipal, convidando a estar presentes os diversos a[c]tores interessados para tomada de consciência e posição estratégica”. De acordo com o registo na acta daquela sessão, a Câmara de Castelo de Vide “tomou conhecimento”.
Na reunião camarária de 20 de Novembro de 2013, o presidente da edilidade “deu conhecimento da carta que lhe foi enviada” pelo bastonário da Ordem dos Advogados (AO), António Marinho e Pinto, “convidando-o a estar presente numa reunião”, no dia 14 de Dezembro, na sede da OA, em Lisboa, “e que tem a ver com o agendamento do protesto nacional”.
Por sua vez a Acta n.º 23/2013, relativa à reunião camarária de 4 de Dezembro, regista que o presidente da autarquia castelo-vidense informou que, nos dias 23 e 24 de Novembro, participou no congresso da ANMP, “o qual, na sua opinião, ficou aquém do que esperava tanto de participação como de debate, com todas a[s] situações difíceis em que se encontra o Poder Local”.
“No que concerne ao possível encerramento dos serviços”, como assinala a acta dessa reunião ordinária do executivo de Castelo de Vide, o social-democrata António Pita “referiu que se verificou uma postura de solidariedade de todos os [m]unicípios, mesmo os de maior dimensão”. “Estas questões que para os municípios de pequena dimensão são grandes questões, como o exemplo do encerramento de um Tribunal ou de uma Repartição de Finanças, são questões que não se colocam nos grandes [m]unicípios, sendo para eles questões menores”, salientou o edil alentejano, adiantando: “Os pequenos juntaram-se e fizeram ver aos de grande dimensão que precisavam do seu apoio e solidariedade institucional para a elaboração do documento que foi produzido, o qual foi consensual.”
A Acta n.º 23/2013 menciona ainda que, atendendo ao facto de o “documento ter sido aprovado por unanimidade dos membros dos vários quadrantes políticos, o documento foi consensual”, tal como se pretendia, sendo “válido para os [então] próximos quatro anos”.
Em entrevista ao sinalAberto, no final da manhã de 26 de Agosto de 2021, o presidente desta edilidade alentejana diz que a reforma do mapa judiciário foi “uma má opção política” do Governo de Passos Coelho. “À luz da nossa História, é uma reforma incompreensível. A resposta terá de ser mais abrangente e não apenas segundo os critérios das reformas do Estado”, verifica o autarca, argumentando que Castelo de Vide é uma terra que tem a sua fundação (com foral de 1276) próxima do início da nacionalidade portuguesa.
“Temos uma História bastante sedimentada e que teve, aqui, um crescimento bastante interessante, quando a comunidade judaica foi expulsa pelos Reis Católicos, em 1492”, esclarece António Pita, referindo-se a Isabel (de Castela) e Fernando II (de Aragão), que concretizaram a união dinástica entre os dois reinos ibéricos, dando origem à Monarquia Católica. Estes monarcas foram responsáveis pela expulsão dos muçulmanos e dos judeus do seu território, pelo que Castelo de Vide se transformou, em 1492, num campo de refugiados. A propósito, regista o estudioso Carolino Tapadejo: “De repente, uma terra de 800 habitantes recebe o pedido para alojar quatro mil almas em fuga.” Porém, as primeiras famílias judaicas terão sabido da terra fértil e da “abundância de água” desta vila raiana, onde se fixaram em 1320, dedicando-se à tinturaria e, mais tarde, à alfaiataria, à carpintaria e a outras profissões como as de ferreiro e de sapateiro.
Política de “acolhimento” dos judeus fugitivos
“Na verdade, nós recebemos muito bem a comunidade judaica expulsa pelos Reis Católicos, os sogros do rei D. Manuel I que, na altura, governava Portugal”, recorda António Pita, destacando que este monarca, ao assumir a coroa após a morte do seu primo e protector D. João II, prosseguiu a política de “acolhimento” dos judeus fugitivos. No reinado de D. João II, eram autorizados a ficar só por oito meses, a não ser que pagassem um imposto difícil de liquidar. Ou seja, os pobres ficaram “entalados” entre Castela e o oceano Atlântico, sujeitos a serem vendidos como escravos. Sabe-se que D. Manuel I começou o seu reinado com a libertação dos judeus da escravatura, mas acabaria por ceder às pressões e à intolerância religiosa de Isabel e de Fernando II, para lhe concederem a “mão” de Isabel de Aragão, em 1496.
“Entretanto, veio a perceber-se que os judeus, não só em Castelo de Vide [mas também nas terras em volta, como Alpalhão e Nisa], foram fundamentais para o desenvolvimento científico, económico e social do País”, confirma o actual presidente da Câmara Municipal, atendendo à influência que muitos indivíduos da comunidade hebraica ganharam na corte real, graças aos seus conhecimentos de cartografia, de boticária e de medicina, a exemplo de Garcia de Orta (nascido nesta vila raiana, em 1500), amigo de Camões e autor da original obra Colóquios dos simples e drogas he cousas medicinais da Índia.
Em tom afável e procurando contextualizar com o tema da justiça, o actual presidente do executivo camarário castelo-vidense lembra que os Judeus têm uma expressão que os define e que está inscrita na fachada da sinagoga local: “Povo que não conhece a sua História está condenado a comprometer o futuro.” Por conseguinte, considerando “esta expressão que o povo judaico gosta muito de usar, seria bom que todos os povos e civilizações percebessem para que serve a História”, frisa António Pita, convicto da importância e da finalidade da memória colectiva e nacional.
“A História ensina-nos que o País teve sempre muito mais coesão social e territorial quanto maior foi a proximidade da Coroa, dos monarcas e dos governos com o Interior. Por isso, sempre que se reduzem serviços e sempre que a Administração Central recua, há perda de soberania, bem como de coesão social e territorial”, argumenta o político local social-democrata.
No decurso da entrevista com o sinalAberto, António Pita realça que “a última grande reforma administrativa foi feita no século XIX por Mouzinho da Silveira”, nascido em Castelo de Vide, a 12 de Julho de 1780, e que morreu em Lisboa, a 4 de Abril de 1849. Apontando para um retrato deste jurisconsulto e político liberal reconhecido pela sua obra de legislador responsável por profundas modificações institucionais nos domínios da fiscalidade e da justiça (alicerçando a base jurídica do Portugal contemporâneo), o autarca social-democrata castelo-vidense lembra a importância local dos forais manuelinos, também chamados “forais nobres”.
Nesse contexto, António Pita recorda o político e académico Diogo Freitas do Amaral, assumindo que, na nossa contemporaneidade, “a forma de governação, a pressão dos assuntos externos e aquilo que é o mundo global, não deixam, muitas vezes, espaço para os governantes – os quais, estando no Governo em períodos muito curtos, não têm tempo nem a profundidade para pensarem no País e nas suas grandes reformas”. No entanto, o autarca alega: “No século XVI, estava-se com o pensamento na Pérsia, na Índia e no Brasil, mas, ao mesmo tempo, pensava-se em conseguir colocar mais gente no interior [do território continental] e em como se poderia cuidar melhor das terras e dos nossos rios.”
“Como poderemos ser mais ricos num território onde o Estado chega menos?”, questiona este político local. “Confirmam as cartas de foral manuelinas que isso é possível com mais funcionários”, acentua o nosso entrevistado. Sejam eles agentes da burocracia régia ou os actuais funcionários públicos, “isso, naturalmente, tem custos”. “E quais são os custos de o País não ter esses custos? Já alguém contabilizou tal situação? Os censos mostram quais são esses custos. A prova dos nove está nos censos”, salienta António Pita.
Por outro lado, o presidente do executivo advoga “a presença do Estado com respostas a três níveis”: municipal, administração intermédia – “ou seja, a administração desconcentrada de Lisboa, que vemos nas CCDR [comissões de coordenação e desenvolvimento regional]” – e administração central. Na perspectiva deste edil, “a resposta tem de ser procurada com soluções”, a exemplo das “cidades de média dimensão, como a Covilhã e Braga, que conseguiram afirmar-se através de pólos de descentralização na área dos estabelecimentos de ensino superior, no território”. Assim, António Pita indaga: “O Instituto Superior de Agronomia tem de estar em Lisboa? Não poderia localizar-se em Portalegre ou em Évora, ou no campo?”
Antes de abordar as questões jurídicas, o autarca insiste na necessidade de “transmitir o pensamento de alguém – enquanto presidente da Câmara Municipal e cidadão que optou por ficar no interior do País – que foi lesado” por determinada “leitura dos números”, os quais contestou publicamente e pelas vias oficiais. “Ainda numa leitura abstracta da Administração Pública, temos de perceber através dos números, com rigor e não como pura questão política, a razão de o interior estar a perder população. Cada vez que há censos, os dados demográficos vêm a pique! Estamos a agudizar uma situação, porque os modelos não estão a funcionar”, expressa ao sinalAberto.
Durante a entrevista, de conversa serena e franca, António Pita, que vê o tribunal como “uma casa de cidadania”, falou também da importância da Segurança Social e de quaisquer outros serviços públicos que sirvam e que agreguem as populações. “O que é que temos? Temos a História que nos diz que, ao longo dos séculos, as opções políticas foram, precisamente, as de levar maior proximidade junto dos cidadãos, descentralizando um conjunto de órgãos e de serviços, no sentido de trazer a Administração Pública até às pessoas”, reflecte o edil. “Há respostas, há ganhos, há aqui maior eficiência e mais eficácia quando a Administração vem para junto das comunidades, sobretudo daquelas que estão mais distantes”, reconhece o autarca social-democrata.
Sob esse ponto de vista, o presidente do executivo camarário de Castelo de Vide reitera a ideia de que, no contexto forense, deva ser “o juiz a deslocar-se” ao tribunal local, “em vez de serem os cidadãos a fazê-lo”. “Temos um processo com a lógica invertida, relativamente àquilo que a História nos diz!”, realça António Pita, esclarecendo: “Quando digo serviços administrativos, estou a falar de um conjunto de serviços públicos que acabam por criar dinâmicas económicas e sociais que o território perdeu. Quando se fazia um julgamento em Castelo de Vide, não era só o juiz que vinha cá. Tínhamos, todos os dias, um funcionário no tribunal. Agora, é só um funcionário do quadro da Câmara Municipal, que não pode ter acesso aos processos.”
Funcionário municipal cedido ao tribunal
Na oportunidade, a jurista Ana Júlia Rocha confirma que o funcionário municipal cedido para ter exercício meramente administrativo no tribunal “não pode ter acesso aos dados considerados sigilosos e pessoais dos processos”. “Este trabalhador municipal foi afectado ou alocado ao tribunal por via de um protocolo estabelecido, na altura, entre o Município de Castelo de Vide e a Direcção-Geral da Administração da Justiça”, explica a técnica superior jurista que, há uns anos, trocou Cantanhede (no distrito de Coimbra), de onde é natural, para se estabelecer nesta vila raiana do distrito de Portalegre. “Isso para quê?”, interpela Ana Júlia Rocha (técnica cooptada com valência técnica em Direito, na área jurídica, entre Agosto de 2006 e Agosto de 2014, na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco de Castelo de Vide), notando que a cessão do funcionário municipal visava “assegurar que o tribunal não fosse encerrado por completo”.
“Presentemente, o nosso tribunal funciona já como juízo de proximidade. Voltámos, praticamente, à situação inicial”, informa a jurista municipal, garantindo que “o tribunal de Castelo de Vide nunca encerrou”. “Nunca encerrou, por via da pressão que, então, o poder político local – neste caso, a Câmara Municipal – fez para que não fechasse, incluindo a assinatura do protocolo para a alocação de um trabalhador, o qual não tem acesso a qualquer tipo de documento. Aliás, está ali de corpo presente!”, menciona Ana Júlia Rocha, aludindo ao conjunto de ofícios enviados pelo executivo camarário castelo-vidense à tutela da Justiça, “mostrando o seu desagrado pela situação”, e à exposição comparativa dos elementos contidos no Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária dirigida à ANMP.
Como afirma a técnica superior jurista (que desempenhou as funções de vereadora e de deputada municipal nas listas do PSD, a cujos órgãos locais e distritais pertenceu, tendo sido vogal da Comissão Política Permanente da Distrital de Portalegre e presidido ao Conselho de Jurisdição distrital do partido), de facto, a instituição judicial nunca fechou as portas à comunidade castelo-vidense. “Funcionava como um núcleo onde, eventualmente, se poderia entregar alguns documentos e no qual se fazia algum tipo de diligências, quando os juízes de outras comarcas, nomeadamente de Nisa (que era um juízo de proximidade) e de Portalegre, assim decidiam”, recorda Ana Júlia Rocha, que possui o Curso de Estudos e Formação para Altos Cargos Dirigentes da Administração Local, tendo a sua experiência profissional sido iniciada com um estágio de jurista na Câmara Municipal de Castelo de Vide, entre Janeiro e Outubro de 2005.
Refira-se que, por despacho de António Pita, proferido em 1 de Julho de 2022, Ana Júlia Rocha foi designada, em comissão de serviço, pelo período de três anos, para o cargo de dirigente intermédio de 3.º grau (chefe de serviços administrativos). Atendendo ao encerramento das instalações do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, para “obras que ainda não foram iniciadas, passando a funcionar nas acomodações da antiga Junta Autónoma de Estradas, muito precárias”, a jurista insiste na ideia de que o Tribunal de Castelo de Vide, cujas instalações são do próprio município, dispõe de “uma grande e boa sala de audiências, com condições”. “Todavia, foi desclassificado. Passou a ser um núcleo. Efectivamente, com um funcionário afecto, pouco poderíamos fazer, além de requerer um registo criminal ou pedir informações. Nada mais do que isso!”, manifesta ao sinalAberto.
Entre Setembro de 2014 (quando foi aplicada a nova organização judiciária do território nacional) e Janeiro de 2017 (quando o mapa judiciário foi remodelado), “houve algumas diligências, só quando eram pedidas”, verifica a jurista, na qualidade de técnica superior municipal. “Lembro-me de ter havido a inquirição de umas testemunhas relativamente a um processo criminal. De resto, eram actos esporádicos”, anota, sustentando que, em 2017, o tribunal castelo-vidense é reactivado enquanto juízo de proximidade.
Questionada sobre a alteração de funções deste órgão judicial, Ana Júlia Rocha assegura que, “neste momento, é diferente”. “Na qualidade de advogado ou de mandatário constituído, já posso, eventualmente, requerer – embora não seja líquido que tal venha a ser sempre acolhido pelo juiz – uma diligência para ser feita aqui, com inquirição de testemunhas”, assinala a nossa entrevistada, dando conta do que isso representa para a “população envelhecida e economicamente carenciada” de Castelo de Vide.
A economia familiar local está muito ligada à “pequena agricultura” é, “praticamente, de subsistência”. “Por outro lado, não temos transportes públicos que possam assegurar uma regular e atempada deslocação, como sucede numa grande cidade. Se uma pessoa vai a Portalegre, de manhã, só regressa quase à noite”, elucida a jurista, confirmando que, quando são precisas várias testemunhas, isso é muito complicado. “A vantagem do juízo de proximidade é a de, enquanto advogados, podermos requerer para que se façam aqui as diligências ou para que também aqui seja entregue uma peça processual. E ainda para que, através deste tribunal, possamos pedir informação acerca de processos que estão a correr termo nos tribunais”, clarifica a jurista Ana Júlia Rocha.
Como divulgou a agência noticiosa Lusa, na tarde de 24 de Maio de 2016, o autarca de Castelo de Vide, António Pita (PSD), disse, nessa terça-feira, que iria “pedir esclarecimentos” ao Governo (assumindo Francisca Van Dunem a pasta da Justiça) sobre os motivos que o levavam a reactivar 19 dos 20 tribunais encerrados, excluindo o deste município alentejano. “Estamos a pedir esclarecimentos à tutela. Ainda tenho esperança [de] que o tribunal possa ser reaberto, quero acreditar que não haja uma exce[p]ção feita”, afirmava o edil à agência Lusa, surpreendido com a decisão (que não se concretizou) de deixar de fora o tribunal de Castelo de Vide, num território “rural e envelhecido”. Na realidade, este tribunal nunca chegou a fechar, embora tenha sido esvaziado de competências.
No documento apresentado pela ministra da Justiça e entregue aos deputados da comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias – como se confirmava –, era divulgado que a secção de proximidade de Nisa passaria a Instância Local, cuja competência territorial abrangeria o concelho vizinho de Castelo de Vide.
O presidente do executivo camarário divulgava, na mesma ocasião, aos jornalistas que, cerca de dois meses antes, o Ministério da Justiça havia realizado “uma inspecção ao edifício do tribunal da vila” e que, até essa altura ainda não tinha havido “por parte da tutela nenhum feedback sobre o resultado”. Segundo António Pita, “quando foi feita a inspecção, a sensação que ficou, em relação à sala de audiências, é que causou boa impressão às pessoas que fizeram essa verificação”.
Francisca Van Dunem avança com remodelação do mapa judiciário
Mais de dois anos depois de estabelecida a nova organização judiciária do território nacional (entre 1 de Setembro de 2014 e 2 de Janeiro de 2017, data da sua alteração), a ex-ministra Francisca Van Dunem avançou com um outro mapa judiciário que possibilitou a reabertura dos aludidos tribunais. Assim, o social-democrata António Pita reconhece que “foram corrigidas” algumas situações regionais e locais, considerando a realidade e as especificidades do município de Castelo de Vide, mas denota uma actuação judiciária “cada vez mais longe e mais impessoal”.
Criticando uma Justiça afastada das pessoas e elogiando as decisões governativas que activem a coesão territorial, o social-democrata António Pita pensa que “existe um melhor Estado quando este se aproxima dos cidadãos”. Por conseguinte, “em tese, há menos Estado quando está longe dos munícipes”.
“Perdemos um conjunto de dinâmicas próprias de serviços estatais, como os ligados à Justiça, que funcionavam com proximidade. Havia todo um movimento económico e social que, naturalmente, beneficiava o concelho, incluindo os advogados e outros intervenientes que vinham aos julgamentos. Isso tem a ver, como diria Salgueiro Maia [na madrugada de 25 de Abril de 1974], com estado a que isto chegou”, critica este autarca alentejano, chamando a atenção para a necessária recuperação da Casa dos Magistrados, “um símbolo de poder que se encontra numa situação deplorável”. “Tenho a certeza de que, se esse património estivesse na alçada municipal, não estaria naquele estado, completamente ao abandono”, assevera o edil.
A 13 de Fevereiro de 2012, o jornal Notícias de Castelo de Vide informava que o Estado iria vender em hasta pública a Casa dos Magistrados (integrada por duas habitações independentes) na Rua Luís de Camões, naquela vila alentejana, tendo a dita hasta sido marcada para 12 de Março, na Repartição de Finanças local. Nessa altura, António Pita era vice-presidente da Câmara Municipal e sinalizou a “utilização indevida” do edifício. “Está a ser alvo de entrada abusiva de intrusos sinalizados por terem problemas sociais”, disse o autarca social-democrata na reunião do executivo camarário de 18 de Janeiro de 2012, apelando ao então presidente da edilidade, António Ribeiro, para que tomasse “as convenientes diligências, pois trata-se de património do Estado que pode estar em risco ou a ser vandalizado, sem conhecimento da tutela”.
Recordando as declarações da anterior ministra da Justiça, em 23 de Janeiro de 2017, após a visita a dois tribunais reactivados (no Bombarral e no Cadaval), Francisca Van Dunem esclareceu que tinha a percepção, relativamente ao que observava localmente, de que “as coisas” estavam “a funcionar bem”. Na ocasião, esta governante (que integrou os XXI e XXII governos constitucionais, liderados pelo socialista António Costa) disse existirem tribunais onde não existiam ainda julgamentos agendados “porque não fazia sentido adiar audiências já agendadas para as remarcar para estes espaços”, apontando para meados de Fevereiro desse ano a marcação das audiências nos tribunais entretanto reabertos. O Diário de Notícias informava também que os campeões de actos praticados eram, nessa altura, os tribunais de Penela (no distrito de Coimbra), de Murça (no distrito de Vila Real) e em Castelo de Vide.
Convidado a caracterizar este concelho alentejano, sob os aspectos sociodemográficos, económicos e culturais, o mesmo dirigente político local diz que o território “possui uma população idosa, na sua maioria”, cuja “economia assenta, sobretudo, no turismo”. Castelo de Vide “não possui indústrias” e “tem pouco a oferecer às camadas jovens”. “A nível escolar, como a maioria dos concelhos pequenos do interior do país”, este município – que é limitado a nordeste por Espanha, a leste pelo concelho de Marvão e a sul pelo de Portalegre – dispõe de “um agrupamento de escolas que abrange o pré-escolar, o primeiro ciclo e o segundo ciclo do ensino básico”.
Sobre as marcas ou impactos do quase encerramento do tribunal local deste município – que, a sudoeste, também faz fronteira com o concelho do Crato e, a oeste e noroeste, com o município de Nisa –, o que obrigou os munícipes e as empresas a deslocar-se às instâncias centrais na capital de distrito ou a outros tribunais da região, onde foram instaladas as diferentes instâncias especializadas, o edil castelo-vidense destaca, “objectivamente, o maior volume de despesas que os cidadãos têm de suportar do seu bolso nas relações que mantêm com a Justiça”. “Do mesmo ‘mal’ sofrem os advogados inseridos no sistema de protecção jurídica, considerando as deslocações que se vêm obrigadas a fazer”, anota António Pita, mencionando que, “por outro lado, em serviço de escala à chamada, muitas vezes, não é possível assegurar a comparência em tempo útil dos advogados ao tribunal”.
Quanto aos balanços económicos anuais ou saldos financeiros da Câmara Municipal, o autarca diz que não são perceptíveis na sequência dessa situação de despejamento de competências do tribunal local, embora admita que isso se tenha reflectido na qualidade de vida dos munícipes. “O [quase] encerramento do tribunal não teve impacto significativo na economia do concelho”, reforça o autarca social-democrata.
Se considerarmos o “Rating de Qualidade de Vida” elaborado pelo Grupo Marktest – conjunto de métricas criadas, desde 2014, para observar “os principais pontos fortes e fracas de cada concelho” –, uma análise do rating de qualidade de vida, para a edição de 2021, “permite verificar que o concelho de Castelo de Vide é o que regista um valor mais elevado”. Ou seja, numa escala de 1 a 20, obtém 15,1.
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“Por norma, os cidadãos acabam por desistir de intentar acções cíveis”
Pedro Mendonça, na qualidade de delegado da Ordem dos Advogados (OA) em Castelo de Vide não defende que a metodologia utilizada para o encerramento de tribunais, em 2014, no âmbito do dito novo mapa judiciário, tenha sido a mais correcta. “Entendo que não, porque o, então, Tribunal Judicial da Comarca de Castelo de Vide [que, na realidade, não chegou a fechar as suas portas], não só em termos de estatística, tinha mais processos que outros tribunais de comarca que se mantiveram abertos e que não encerraram, bem como o tipo de acções judiciais, sobretudo as cíveis, envolviam matéria de natureza factual e jurídica mais complexa, incluindo tribunais do distrito de Portalegre, os quais não pretendo identificar, terá sido uma decisão de natureza, unicamente, política”, declara o causídico ao sinalAberto.
Antes da perda de funções que o levou ao quase encerramento, “o Tribunal de Castelo de Vide estava agregado ao Tribunal da Comarca de Nisa, deslocando-se o juiz entre estas duas comarcas”, recorda o advogado Pedro Mendonça, embora considere que o magistrado “sempre” desse “mais tempo a Nisa do que a Castelo de Vide, por ali ser a sede da comarca e, eventualmente, haver um maior volume de serviço”.
“O Tribunal de Castelo de Vide tinha uma circunscrição territorial do concelho de Castelo de Vide e do concelho de Marvão, servindo à volta de sete mil pessoas”, informa o nosso entrevistado, adiantando que, “neste momento, o concelho de Castelo de Vide passou a ser servido pelo Tribunal de Nisa e o concelho de Marvão pelo Tribunal de Portalegre”. Todavia, “nem um nem outro concelho são servidos por transportes públicos compatíveis com a marcação de julgamentos, posto que, os transportes públicos são praticamente utilizados por estudantes”. “Da ponta do concelho de Marvão a Portalegre são cerca de 30 quilómetros, implicando para as pessoas um maior gasto em combustível e de tempo. Como a população é bastante envelhecida, por norma, os cidadãos acabam por desistir de intentar acções cíveis, com todas as consequências negativas de um sistema de justiça que pretende ser justo e não à medida de quem tenha dinheiro e capacidade financeira para ali se dirigir”, considera o advogado castelo-vidense.
“Quem perdeu foram os cidadãos e perde o próprio país por os mesmos não verem realizado o ensejo de uma justiça justa e de proximidade”, salienta o causídico, a propósito dos impactos socioeconómicos e simbólicos que, por causa da reforma do mapa judiciário, se verificaram no município de Castelo de Vide, corrigindo a ideia de que as antigas comarcas eram só concelhias, pois “o Tribunal da Comarca de Castelo de Vide tinha a sua circunscrição territorial determinada pelos concelhos de Castelo de Vide e de Marvão”.
Embora não estabeleça uma relação directa com a estatística da criminalidade (ou de um eventual maior número de crimes) nos municípios que ficaram sem tribunal, entre Setembro de 2014 e Janeiro de 2017, o delegado da OA em Castelo de Vide – ao reafirmar a falta de resposta “à pergunta sobre a diminuição ou aumento da criminalidade ligada ao encerramento ou não dos vários tribunais de comarca” – diz que não se deve “esquecer que muito ligado à notícia da criminalidade está o serviço da Guarda Nacional Republicana [GNR], especialmente, a autoridade que actua no espaço rural e a falta de efectivos”.
Na óptica de Pedro Mendonça, o Estado pretende “fazer com os postos locais a mesma coisa que fez com as escolas, ou seja, criar agrupamento de postos da GNR, em que, ao contrário do que se passava antes, cada posto é competente para uma determinada circunscrição territorial determinada ao concelho, para terem dois ou três concelhos para circunscrição territorial”. O que, segundo o advogado castelo-vidense, aumentará “e muito a quilometragem das patrulhas, com a inerente diminuição da falta de fiscalização da pequena criminalidade, aquela que habitualmente existe em concelhos rurais, a exemplo da condução sob o efeito do álcool, do tráfico de estupefacientes, da pártica do crime de violência doméstica e da prevenção, no que diz respeito ao aparecimento físico de elementos dos órgãos de polícia criminal”. O representante local da OA adianta que “a própria fiscalização ao trânsito se encontra diminuída por parte de efectivos policiais”.
O jurista Pedro Mendonça assegura que “o recurso aos juízos de proximidade da região não existe, a não ser por motivos excepcionais, quando nalguma ocasião é requerido pelas partes, alegando serem residentes no concelho de Castelo de Vide e que não dispõem de meios de transporte para se deslocarem para a sede do Juízo de Competência Genérica de Nisa”.
Na perspectiva do causídico castelo-vidense, “o encerramento dos tribunais contrariou e muito as políticas de proximidade e de coesão territorial, sobretudo em matéria cível”, verificando-se “os cidadãos continuarem a ter conflitos uns com os outros e assim se aguentarem, por serem pobres e por anteverem dificuldades na deslocação ao Juízo de Competência Genérica de Nisa”.
Pedro Mendonça concorda com a reactivação ou reabertura dos tribunais, “por entender que nem tão-pouco existe qualquer justificação da perda de tempo em viagens dos senhores magistrados ou da existência de mais funcionários judiciais”. “Até se concentrou a parte relacionada com a contabilidade própria do tribunal de comarca antigo no novo tribunal de comarca, distrital, eliminando-se praticamente a figura do secretário judicial, que constituía o topo da carreira dos funcionários judiciais, existindo um para cada tribunal de comarca, não se mostrando neste sistema haver essa necessidade”, expressa o delegado local da AO, acrescentando: “A Secção de Proximidade de Castelo de Vide, em nada previa que fosse transformada no Juízo de Competência Genérica de Castelo de Vide, agregado ao Juízo de Competência Genérica de Nisa.”
Ao ser questionado sobre a inoperância ou a inadequação das políticas de proximidade, Pedro Mendonça expressa que “não há políticas de proximidade para os concelhos que se situam fora da orla marítima do país, onde vivem cerca de sete milhões de pessoas, ao passo que no restante país vivem apenas três milhões”.
Segundo o advogado, “à semelhança dos tribunais, constata-se também falta de qualidade em outros serviços públicos”, a exemplo da “falta de titulares de cargo no Instituto dos Registos e Notariado, especialmente em Portalegre”. O delegado da OA denuncia igualmente que, na circunstância de “um cidadão que tenha um enfarte, não dispõe o hospital distrital de um serviço que lhe permita fazer um cateterismo urgente, estando o hospital de referência em Évora, a cerca de 100 quilómetros de distância”.
Ao ser questionado sobre a inoperância ou a inadequação das políticas de proximidade, o advogado Pedro Mendonça verifica que “não há políticas de proximidade para os concelhos que se situam fora da orla marítima do país”.
O delegado local da OA considera que “a reforma operada em 2014 apresenta aspectos positivos”. Contudo, ao referir-se à “eliminação de um secretário de justiça por tribunal de comarca, concentrando-se os serviços desse secretário de justiça apenas na sede do Tribunal de Comarca de Portalegre”, Pedro Mendonça não descortina outras razões, além da “excepção da vantagem da poupança e da perspectiva economicista”.
Como insiste o causídico, “a concentração de alguns serviços e a criação na sede do distrito do Tribunal de Comarca trouxe algumas vantagens”. No entanto, pensa que, “embora se tenha justificado a reorganização do mapa judiciário por intervenção da troika, mesmo que se podendo aceitar essa perspectiva, com a consolidação da nova estrutura, já o Estado teria de ter chegado à conclusão de que a reabertura daquelas 20 comarcas não implicaria uma maior despesa, ficando pelo contrário a população a ter um ganho real”.
Para o advogado castelo-vidense, o avanço do novo mapa judiciário, em Setembro de 2014, “foi precipitado por corresponder a um histerismo colectivo, constatando-se também – não obstante as afirmações do Governo – que, a seguir, não houve melhoria da prestação de serviços por parte do Estado”. “Tal realidade não é verdadeira!”, sublinha.
Ao procurarmos relacionar a desertificação nos municípios com as situações de encerramento (mesmo que temporário) ou da perda de funções dos tribunais, o delegado local da OA responde-nos que, “naturalmente, a falta de utilização das instalações da agora denominada Secção de Proximidade de Castelo de Vide é bem patente, porque apenas utilizadas nas circunstâncias já aludidas, gerando um menor fluxo da movimentação de pessoas, com reflexos negativos e muito concretos na economia do concelho”.
Por outro lado, o causídico castelo-vidense reconhece que a tutela ministerial (no mandato de Paula Teixeira da Cruz) ao ter forçado a aplicação da reforma judiciária, em 2014, não fazia ideia do que era preciso para organizar um mapa judiciário. “Não fazia qualquer ideia, porquanto, o que se veio a apurar nas discussões que precederam a reforma do mapa judiciário, todas elas foram feitas a partir de uma anarquia completa, bem como do exacerbar de paixões e do exercício de influências, em que o Tribunal X não poderia fechar porque o Sr. Ministro Y era natural daquele concelho. Isso acabou por ditar uma completa desorganização no resultado”, expõe Pedro Mendonça.
“Neste momento, o que de positivo se faz notar é alguma uniformização de procedimentos e algum diálogo através do conselho consultivo, composto por elementos do tribunal de comarca, da Ordem dos Advogados e, por vezes, de outros serviços, com a emissão de opiniões que podem ter como consequência a criação da aplicação da justiça com critérios mais objectivos”, verifica o nosso entrevistado.
Para este causídico alentejano, “não existe qualquer fundamentação entre uma tentativa de justificação da deslocação dos senhores magistrados entre tribunais e a perda de tempo inerente a essas deslocações, quando se denota, em muitas outras ocasiões, a marcação excessiva de diligências para uns dias e a falta de cumprimento e de pontualidade no horário das mesmas, na medida em que a mudança mais radical se deu na Reforma do Código de Processo Civil de 2008”.
Perante a redefinição do mapa judiciário, indagamos se foram atingidos os objectivos então apontados pelo Governo e pelo Ministério da Justiça. O que está ainda por fazer? O advogado Pedro Mendonça, além de defender “a reabertura de todas as comarcas que se encontravam totalmente encerradas ou que passaram para secções de proximidade, tal como aconteceu em Castelo de Vide”, não aceita a existência de “processos que entopem sistematicamente os tribunais, sendo necessário e imperioso criar-se, no Tribunal da Comarca de Portalegre, um Juízo de Família e Menores, que não existe”. Para o representante castelo-vidense da OA, “sendo aquele tipo de processos tramitados pelos juízos locais cíveis, perdem em qualidade e em celeridade, especialmente na parte cível, os processos de outra natureza”.
“Entendo também que se deveria criar outros juízos genéricos de competência cível, especializada, tendo, no entanto, de se alterar o Código de Processo Civil”, prossegue o causídico, “dando como exemplo um senhorio que intente acção de despejo contra um arrendatário que não paga a renda, sendo o arrendatário quem está em falta, da necessidade de se intentar uma acção com prazos para contestar iguais e uniformes a todo o outro tipo de acções judiciais, beneficiando-se desta forma quem está em falta, prejudicando-se o cumpridor, tendo ainda este que dar iniciativa ao processo judicial, bem como pagar a taxa de justiça e, por vezes, aguardar o tempo necessário para que o réu faltoso recorra ao apoio judiciário, quando em muitas ocasiões tem a consciência de que está em falta, continuando a não cumprir um contrato e a beneficiar do locado”.
Quanto a processos de natureza criminal, Pedro Mendonça pretende “um sistema muito mais ágil e prático, que já existe, mas de modo imperfeito, que é para a pequena criminalidade do instituto da suspensão provisória do processo, passível de ser bastante melhorado, desde que haja intervenção de todos os agentes da justiça, incluindo a Ordem dos Advogados”.
“O actual sistema – atendendo à ainda existente morosidade processual – não cumpre os desígnios da aplicação da justiça, o qual se poderia melhorar com as sugestões que faço, bem como algumas outras”, confirma o delegado da OA em Castelo de Vide ao sinalAberto.
“A título de exemplo e sem pretender beliscar a susceptibilidade dos agentes judiciários”, o jurisconsulto Pedro Mendonça acrescenta: “Enquanto, por norma, o prazo corrente para o cumprimento de uma notificação feita ao advogado de uma das partes seja de 10 dias, com mais três dias úteis com multa, sendo do meu conhecimento que os senhores funcionários judiciais cumprem o seu papel, atenta a falta de magistrados judiciais, não têm estes, muitas vezes, qualquer hipótese de cumprir o que se encontra processualmente estipulado quanto à prática de prazos processuais por parte dos senhores magistrados.”
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A DGAJ fecha Tribunal de Portel por ter “volume processual muito reduzido”
Ao consultarmos o estudo Diagnóstico Social (de 2018), que consiste num levantamento dos dados das respostas sociais existentes no município de Portel, lemos que o espaço correspondente a este concelho alentejano “é o resultado de um processo de evolução histórica com raízes concretas na segunda metade do século XIII”.
E que, anteriormente a esta data, “desconhece-se” a ocupação efectiva deste espaço, considerando que “estudos históricos arqueológicos ainda não realizados impedem o conhecimento específico dos períodos compreendidos entre a Pré-História e o início da Reconquista Cristã”.
Como regista o mesmo documento, apresentado como “um instrumento de trabalho de cará[c]ter dinâmico que estimule a intervenção integrada”, um dos desafios que “é colocado pela globalização às regiões periféricas – e se Portugal já é em relação à Europa, mais será um concelho do seu interior – consiste na sua capacidade de gerar riqueza, a partir da potenciação das suas características e condições específicas, que constituem uma das mais-valias no quadro global, condição sine qua non para inverter a situação de assimetria que os caracteriza”.
Nessa acepção, “o município de Portel pretende, da melhor forma possível, investir no processo de potenciação das suas especificidades locais”, tendo em conta os próprios recursos naturais, patrimoniais, culturais, humanos e as possibilidades inerentes ao empreendimento do Alqueva. Todavia, o contexto demográfico é um factor fundamental para que a estratégia ponderada para o desenvolvimento do município possa vingar.
No distrito de Évora, a população residente do município de Portel era, em 2001, de 7.109 indivíduos. Todavia, os Censos 2011 contabilizam uma diminuição de 689 pessoas, o que equivale a menos 9,69% numa década. Seguindo a Pordata, entre 2010 e 2019, há também uma redução populacional de 6.488 para 5.840 residentes.
Ao consultarmos os resultados preliminares dos Censos 2021, vemos que há uma variação negativa de 10,6% entre os habitantes registados em 2011 (6.428, segundo o INE) e os apurados em 2021 (5.745 residentes). Um acerto posterior assinala a existência de 5.747 indivíduos, não tendo havido alteração na aludida variação negativa (-10,6%) dos residentes na última década.
No que concerne à economia local, seguindo ainda o documento Diagnóstico Social (2018), da responsabilidade da Câmara Municipal, verificamos que a estrutura socioeconómica do município de Portel “apresenta uma preponderância do sector terciário, que está assente nos serviços cole[c]tivos e pessoais, no qual se evidenciam os ramos da Administração Pública e Serviços Sociais sobre pessoas cole[c]tivas, nomeadamente na Função Pública, Comércio e Transportes”. Segundo o mesmo estudo,
tal “importância encontra-se relacionada com o emprego nos serviços autárquicos e nos serviços relacionados com o ensino e a saúde”, a par do ramo do comércio, restaurantes e cafés, que tem alguma relevância local.
Nas notas finais da referida publicação da edilidade portelense, afirma-se que, ao nível do número de empresas, por actividade económica, se constata que “aquela em que se encontra um crescimento mais acentuado”, até 2018, é a da agricultura, da produção animal, da caça, da floresta e da pesca.
No que respeita à justiça, lembre-se que o actual Juízo de Proximidade de Portel está integrado no Tribunal Judicial da Comarca de Évora. Historicamente, em 1932, Portel surge como Comarca de Évora. No entanto, em 1896, apresentava-se como conselho de 3.ª ordem do distrito administrativo de Évora, Comarca de Portel. Mais tarde, como constava no Código do Procedimento Administrativo (Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro), Portel continuou a ser comarca, mas do Círculo Judicial de Beja.
Já no século XXI, estaria envolvido na que viria a ser a circunscrição do Alentejo Central, no alcance da anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), se o segundo Governo liderado por José Sócrates (XVIII Governo Constitucional) não tivesse suspendido, em Maio de 2010, o alargamento desse novo mapa judiciário. A Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (ou CIMAC) foi constituída em 15 de Outubro de 2008 e corresponde a uma sub-região estatística ou NUT III (note-se que, de acordo com a Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, são 23 as entidades intermunicipais).
No ano de 2012, a Comarca de Évora – associada ao respectivo distrito administrativo – compreendia as comarcas de Arraiolos (que incluía o município de Mora), de Estremoz, de Évora (esta abrangendo o município de Viana do Alentejo), de Montemor-o-Novo (coligando o município de Vendas Novas), de Portel, do Redondo, de Reguengos de Monsaraz (que continha o município de Mourão) e a comarca de Vila Viçosa (que também servia o município do Alandroal).
Organização e recursos humanos
Relativamente à organização e aos recursos humanos, a comarca de Portel (agregada com Cuba, embora esta pertença ao distrito de Beja), na qualidade de tribunal de competência genérica, não dispunha de juízes no seu quadro legal, nem em exercício de funções. Igual situação sucedia com os magistrados do Ministério Público. Com base na mesma informação, reportada a 16 de Junho de 2011, a DGAJ dava conta de quatro oficiais de justiça a exercerem no tribunal de Portel, todos eles integrados no quadro legal.
O movimento processual e a média das entradas, no período de 2008 a 2010, na comarca de Portel era de 193 processos. Estes foram distribuídos, por ordem decrescente, da seguinte maneira: 75 execuções, 30 processos de média instância criminal, 27 processos de Família e Menores (FM), 20 de média instância cível, 18 de pequena instância criminal, 11 de pequena instância cível, nove de grande instância cível, dois processos na área do Comércio e um processo de grande instância criminal. Não foram registados quaisquer processos no domínio do Trabalho, nem de instrução criminal.
As respostas judiciárias no concelho de Portel, em 2012, associadas à comarca local, no que respeitava às causas cíveis e às causas de Direito Penal, bem como no contexto da FM e das divergências comerciais, eram todas facultadas no próprio tribunal da comarca. Todavia, as questões laborais eram tratadas no Tribunal do Trabalho de Beja.
Na sua vontade organizativa, no quadro da instância central do Tribunal Judicial do Distrito de Évora (TJDE), a DGAJ propunha as correspondentes secções de matéria cível e de matéria criminal (ambas com competência territorial distrital).
Em relação às secções de competência especializada, a DGAJ sugeria a existência da Secção do Trabalho de Évora, com uma área de competência territorial distrital. Na mesma proposta organizativa, no seio do TJDE e no quadro de FM, foi planeada a Secção de Família e Menores de Évora, com uma competência territorial que envolveria os municípios de Évora e de Viana do Alentejo. Quanto à Secção de Execução, com sede em Montemor-o-Novo, esta teria uma área de competência territorial distrital, tal como a Secção de Instrução Criminal e a Secção de Execução de Penas, ambas sediadas em Évora.
Atendendo ao volume processual expectável subsistente à especialização então proposta, a DGAJ calculou, no contexto da comarca de Portel, 60 processos da área cível e 48 da área criminal, totalizando 108 processos, o que constitui “um volume processual muito reduzido”.
Feita a análise de alguns factores como o movimento processual, a evolução demográfica e a existência de instalações adequadas, a Direcção-Geral da Administração da Justiça entendeu, em Janeiro de 2012, recomendar a extinção de duas comarcas no distrito de Évora, onde a população residente “sofreu uma redução de 3,58% nos últimos 10 anos (Censos 2011 Preliminares)”, verificando-se uma diminuição demográfica em quase todos os municípios, exceptuando nos concelhos de Évora, de Vendas Novas e de Viana do Alentejo.
Apesar de a DGAJ ter avançado com as propostas de extinção das comarcas de Arraiolos e de Portel, só este tribunal veio a ser encerrado, com a reforma implementada a 1 de Setembro de 2014, ao abrigo da Lei da Organização do Sistema Judiciário, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março.
Como argumentava a DGAJ, a comarca de “Portel apresenta valores, quer de movimento processual quer de população, inferiores relativamente à comarca de Reguengos de Monsaraz”. No respeitante à evolução demográfica, com base nos Censos 2011 (dados preliminares), “a comarca de Portel apresenta uma diminuição da população em cerca de 10%, enquanto Reguengos de Monsaraz apresenta uma diminuição de 4%”.
Assim, ao admitir que existiam “bons acessos rodoviários entre os dois municípios” e referindo-se aos edifícios dos tribunais de Portel (que é propriedade do Estado) e de Reguengos de Monsaraz (o qual pertence ao próprio município), a Direcção-Geral da Administração da Justiça disse que ambos se encontravam “em condições adequadas para o seu funcionamento, no entanto o edifício de Reguengos de Monsaraz dispõe de melhores instalações”.
Com base no anexo do documento “Indicadores de A[c]tividade nos Arquivos dos Tribunais 2014”, publicado pela Direcção-Geral da Administração da Justiça, em Março de 2015, verifica-se que, ao ser encerrada a instância de Portel, o respectivo arquivo, referente ao ano de 2014, foi transferido para o Arquivo Central da Comarca de Évora, tendo uma extensão de 396 metros de prateleiras e uma extensão documental com 103 metros, o que equivale a um saldo positivo de 293 metros. O aludido documento indica que o total de processos eliminados e remetidos para o arquivo distrital, entre 2003 e 2014, foi de 2.187 processos.
“Fazer uma luta concertada”
A 7 de Fevereiro de 2014, a Rádio Campanário (com sede em Vila Viçosa) noticiava que o presidente da Câmara Municipal de Portel, o socialista José Manuel Clemente Grilo, criticou a decisão de o Conselho de Ministros ter aprovado, no dia anterior, o diploma regulamentar da Reorganização Judiciária que, então, previa o encerramento de 20 tribunais e a conversão de 27 tribunais em secções de proximidade.
Em declarações à Rádio Campanário, o autarca portelense afirmava, na ocasião, que “não foram 20, foram 47 tribunais que fecharam”, porque, na sua perspectiva, a substituição por uma secção de proximidade também representaria “um fecho de tribunal”, acrescentando que os municípios teriam de “fazer uma luta concertada” entre si, além de considerar que as providências cautelares deveriam “ser interpostas por todos”. Para José Manuel Grilo, “não houve justificação para o fecho, por parte do Governo”. Daí que, como sublinhava nessa altura, “o município não vai aceitar”.
Cinco dias depois (em 12 de Fevereiro de 2014), o Correio da Manhã informa que a Câmara Municipal de Portel iria avançar com uma providência cautelar contra o Estado Português, procurando “evitar o encerramento do tribunal”, cuja decisão constituiu, no entendimento do presidente da edilidade, um “golpe cruel” no Interior do País.
Aquele responsável político local manifestou ao mesmo matutino que essa deliberação “só demonstra uma grande insensibilidade social do Governo”, atendendo a que, “com este encerramento, as populações [iriam] ficar mais longe da Justiça”, a exemplo de “freguesias no concelho, como Alqueva e Amieira, sem transportes públicos, que ficam a mais de 60 quilómetros do tribunal mais próximo, em Évora”.
O autarca reconhecia tratar-se de “uma situação inaceitável” para os habitantes do município de Portel. Por isso, o socialista José Manuel Grilo manifestava, ao mesmo jornal,não haver “outra alternativa senão avançar para os tribunais”.
Natália Marques, delegada da Ordem dos Advogados na Comarca de Portel, disse nessa data, ao Correio da Manhã (CM), que era uma decisão política com contornos “dramáticos”. A advogada – a qual, posteriormente, apesar da nossa insistência, declinou prestar qualquer depoimento ao sinalAberto, alegando razões pessoais e familiares – referiu, ainda ao mesmo jornal diário, que “muitos cidadãos não [iriam] comparecer nos tribunais por falta de transporte”. A causídica reiterou, igualmente, a ideia de que o tribunal local foi inaugurado em 1999 e que dispunha de “óptimas condições”.
Também na sua edição de 13 de Fevereiro de 2014, o quinzenário Correio Alentejo (com sede em Castro Verde e que dá cobertura noticiosa das zonas do Baixo Alentejo e do Litoral Alentejano) comunicava que a Câmara de Portel queria “avançar com uma providência cautelar para tentar impedir o fecho do tribunal local, previsto no novo mapa judiciário aprovado em Conselho de Ministros”. “Vamos avançar com uma providência cautelar e já estamos a ver qual o melhor advogado para conduzir o processo”, afirmou o autarca José Manuel Grilo à agência Lusa, citada por aquele quinzenário. O edil portelense justificava que uma providência cautelar, se calhar, seria “a forma mais célere de tentar impedir o fecho do tribunal”. Embora não soubesse se tal acção desencadeada pelo município teria algum resultado prático, este político alentejano julgou ser “a forma legal mais prática para impedir o fecho e tentar que a decisão do Governo não [fosse] concretizada”.
Contactado pela Lusa, nesse dia, o socialista José Manuel Grilo protestou contra o fecho do tribunal local, considerando-o “mais uma machadada no interior”, e acusou o Governo de dificultar o acesso à Justiça. Na ocasião, o autarca portelense, em representação do seu município, ainda não tinha decido avançar com uma providência cautelar. A esse respeito, adiantava: “Ainda não a aprovámos formalmente em reunião de Câmara, mas vamos fazê-lo.”
O edil José Manuel Grilo – como noticiava o quinzenário Correio Alentejo – referiu também que, independentemente, deste passo jurídico, a Câmara Municipal de Portel continuava “disponível para o diálogo com o Governo”, então liderado pelo social-democrata Passos Coelho, na expectativa de “encontrar uma solução alternativa ao fecho do tribunal”.
“Este tribunal tem muito mais do que 250 processos, pelo que não compreendemos o seu fecho. E é um edifício que ainda nem tem 15 anos e que tem todas as condições”, argumentava o presidente do executivo municipal, admitindo que a edilidade não descartava a possibilidade de promover “outras formas de luta”, contestando o encerramento do tribunal local, envolvendo a própria população.
Três dias antes, a Rádio Nova Antena (RNA), de Montemor-o-Novo, já tinha divulgado que o Governo anunciava o fecho de 20 tribunais e que queria converter outros 27 em secções de proximidade, ao abrigo do “diploma regulamentar da Reorganização Judiciária aprovado em Conselho de Ministros”. Citando a agência noticiosa Lusa, a RNA avançava, a 10 de Fevereiro de 2014, que no Alentejo iriam ser “extintos três tribunais” – Castelo de Vide, Portel e Sines – enquanto cinco deixariam “de ser tribunais” e seriam “convertidos em secções de proximidade”. Essas “despromoções”, como noticiava a RNA (online), aconteceriam em Nisa, em Avis, em Arraiolos, em Alcácer do Sal e em Mértola.
Ao concluir a mesma notícia, a Rádio Nova Antena observava: “Assim, no Alentejo, ganham importância os tribunais de Portalegre, Évora e Beja, havendo para os restantes um esvaziamento das suas a[c]tuais capacidades, sendo de admitir uma redução do número de funcionários.”
A 12 de Fevereiro de 2014, até o jornal desportivo “online” Maisfutebol (TVI24) deu, igualmente, nota de que, para o presidente da Câmara de Portel, uma providência cautelar, se calhar, seria “a forma mais célere de tentar impedir o fecho do tribunal”, então previsto no novo mapa judiciário, aprovado em Conselho de Ministros. Todavia, a ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz) tinha manifestado, a 7 de Fevereiro, ser “muito difícil” que o decreto-lei que procedeu a regulamentação da Reorganização Judiciária pudesse ser objecto de uma providência cautelar.
OA procura “sensibilizar” os autarcas
Por sua vez, o Público, na sua edição digital de 19 de Fevereiro, informava que a bastonária da Ordem dos Advogados (OA), Elina Fraga (que sucedeu a António Marinho e Pinto nessas funções), se congratulou, em Coimbra, com a tomada de posição de algumas autarquias, que avançaram ou anunciaram que pretendiam avançar “com previdências cautelares para travar medidas do novo mapa judiciário”.
Nessa quarta-feira de Fevereiro de 2014, a bastonária, à margem de uma reunião com o Conselho Distrital de Coimbra da OA, salientou que, além do fecho de 20 tribunais e da conversão de outros 27 em secções de proximidade, era necessário “sensibilizar” os autarcas de que os restantes tribunais, então, abertos poderiam “fechar”.
A representante dos advogados observou ainda que “a tónica” estava “demasiado centrada” nesses 47 tribunais, criticando o facto de os autarcas “que viram que o seu tribunal se mantinha não fizeram uma reflexão” de que iria “deixar de tramitar processos” e que essa instância local acabaria por encerrar. Na oportunidade, Elina Fraga advertia: “Está em curso a negação do direito de aceder à justiça pública.”
Nesse contexto, a bastonária da OA chamou a atenção para a eventual proliferação da “justiça privada” e relevou que a justiça pública é “um alicerce de um Estado de direito”, apresentando “garantias de imparcialidade que os demais centros de justiça não dão”.
Por conseguinte, Elina Fraga constatava que o novo mapa judiciário merecia “total repúdio” por parte dos advogados, referindo que a reforma, prestes a ser aplicada, iria obrigar as pessoas a deslocarem-se, numa altura em que estavam a ser “esmagadas pelos impostos ou por situações de desemprego”.
Nessa mesma edição “online”, o Público adiantava que os responsáveis autárquicos de Monchique, do Bombarral, de Lamego, de Murça, de Mondim de Basto e de Portel já tinham anunciado “a intenção de avançar com uma providência cautelar” e que os presidentes das 13 câmaras municipais do Médio Tejo tinham aprovado, por unanimidade, “a instauração de uma acção popular contra o novo mapa judiciário”.
No mês seguinte (a 6 de Março), o Diário de Notícias (DN) assinala, em título, que não há rede de transportes nas terras que ficam sem tribunal. E explica no desenvolvimento da peça jornalística, com base no que denunciava a OA, que as populações das 20 localidades afectadas pelo fecho de tribunais, devido ao novo mapa judiciário, “não têm rede de transportes que possam utilizar”, caso necessitem de recorrer à justiça. O DN acrescenta que, segundo a OA, “os maus acessos pelas estradas nacionais ou a grande distância entre o tribunal que fecha e aquele que vai receber o processo judicial são também falhas da nova geografia destas instituições”.
Ao ter tido acesso a uma “radiografia crítica do mapa judiciário espelhada num relatório entregue à ministra da Justiça” (Paula Teixeira da Cruz), o DN refere que esse documento “é exaustivo e analisa, em 120 páginas, a situação dos 20 tribunais a encerrar e ainda dos 27 que serão ‘despromovidos’ a secções de proximidade”.
Na peça jornalística, que seguiu o aludido relatório da responsabilidade da Ordem dos Advogados, é salientado que, com excepção dos transportes turísticos, “não há transportes públicos até ao tribunal de destino, na Povoação” (vila na ilha de São Miguel), referindo-se ao Tribunal do Nordeste, nos Açores, igualmente na expectativa de encerramento. Por sua vez, a população de Portel (no distrito de Évora) “também enfrenta o mesmo problema, sendo todos os processos deste tribunal reencaminhados para Reguengos de Monsaraz”.
“Qualquer cidadão da zona que tenha de se apresentar numa diligência no Tribunal de Reguengos de Monsaraz, às 10[h]00, terá de se deslocar no dia anterior”, explica o relatório (citado pelo DN), “já que terá de se deslocar primeiramente a Évora e só aí consegue apanhar transporte para Reguengos de Monsaraz”.
O Diário de Notícias observa ainda (a 6 de Março de 2014) que o grupo de trabalho responsável por aquele documento “destaca o facto de a maioria das freguesias que compõem o concelho de Portel estarem a mais de 50 quilómetros do Tribunal de Reguengos” e que “o presidente da Câmara de Portel, José Manuel Grilo, eleito pelo PS, já avançou com uma providência cautelar contra este encerramento”, a exemplo da “maioria das autarquias envolvidas nesta reforma”.
Meses depois (a 1 de Agosto), a RTP, na sua edição “online”, noticiava que a bastonária da Ordem dos Advogados (OA) declarara que a reforma judicial não tinha condições para avançar no dia 1 de Setembro desse ano. A representante da OA, Elina Fraga, juntou-se, naquela sexta-feira, aos eleitos da Assembleia Municipal de Portel para uma reunião de rua, como forma de protesto pelo próximo encerramento do tribunal. O que, na realidade, aconteceu.
Entretanto, na petição “Pela Reposição de Serviços Públicos no Distrito de Évora”, a que o sinalAberto teve acesso, é expresso que os “cidadãos têm, nos termos Constitucionais, o direito à Justiça, contudo a Lei 62/2013, veio alterar de forma unilateral esse direito, verificando-se isso mesmo com o encerramento do tribunal de Portel e com a diminuição substancial das competências do Tribunal de Arraiolos, bem como a concentração de todas as Comarcas na capital de Distrito Évora, facto que muito contribuiu para o afastamento dos cidadãos do direito à justiça” (sic).
Esses subscritores peticionários colectivos, “atentos aos indicadores obje[c]tivos da perda de direitos dos cidadãos”, manifestaram então, a exemplo de muitos outros em diversas circunstâncias, “a sua preocupação” e solicitaram para que, junto do Governo, fosse “assegurado o transporte aos doentes não urgentes”, assim como “reaberto o Tribunal de Portel e […] requalificado o tribunal de Arraiolos”, além de terem solicitado a reposição do “mapa das Freguesias como existia antes da lei 11-A/2013”, como “imperativo de todos pela sustentabilidade do futuro da região, sob o ponto de vista socioeconómico e em particular dos direitos previstos na Constituição da Republica” (sic).
A 2 de Janeiro de 2017, a RTP noticiava que em Portel, “após dois anos encerrado, tribunal reabre com dois funcionários judiciais e sem um juiz de permanência”.
O “site” noticioso Tribuna Alentejo, informa também, no dia seguinte, que o “Tribunal de Portel, encerrado em 2014 durante a intervenção da Troika no país, voltou a reabrir as portas ontem [2 de Janeiro de 2014], com a realização de alguns julgamentos correspondentes ao tribunal singular de natureza criminal” (sic). “Para além destes, os serviços daquele tribunal prestarão agora informações aos cidadãos sobre processos em curso, requerimentos ou petições iniciais e videoconferências referenciadas a outros tribunais”, clarifica o “site” alentejano.
Reabertura de tribunal encerra luta
O município portelense, de acordo como um comunicado recebido pelo Tribuna Alentejo, declarava que essa “medida (da reabertura) encerra[va] assim uma luta que os autarcas do concelho de Portel e a sua população assumiram desde a primeira hora, restabelecendo aquilo que consideraram ser[,] na altura, uma medida complementar abusiva e desrespeitosa por parte do anterior governo e que, em última instância[,] não faria mais do que afastar os cidadãos das freguesias do concelho de Portel de um direito constitucional, que é o direito à justiça”.
Passados vários anos, no contexto da investigação jornalística que, agora, concretiza o dossiê “Justiça: o que não se lê no mapa”, o sinalAberto entrevista o autarca socialista José Manuel Clemente Grilo, o qual nos recebe na tarde de 26 de Agosto de 2021. Estávamos a, precisamente, um mês das eleições autárquicas. Este autarca portelense, nascido a 10 de Novembro de 1960, pretendia recandidatar-se ao terceiro mandato à frente do executivo camarário, causa a que tem dedicado parte considerável da sua vida.
Refira-se que o economista José Manuel Grilo liderou, em 2013, a lista do Partido Socialista (PS), que alcançou a segunda melhor votação do PS no distrito de Évora (com 64,67% dos votos, garantindo quatro lugares, em cinco, na edilidade de Portel). Depois de ter sido vice-presidente do município durante quatro mandatos consecutivos (sob a presidência do socialista Norberto Patinho), o nosso entrevistado retomou as suas funções na edilidade, mas o PS de perdeu um lugar no executivo, atendendo a que desceu de 63,74% para 56,67%, respectivamente, nas expressões eleitorais locais de 2017 e de 2021.
Ao caracterizar Portel, José Manuel Grilo diz que “é um concelho, com cerca de seis mil habitantes, o qual, ao longo dos anos, tem vindo a ser dotado de uma série de infraestruturas que fazem com que a qualidade de vida seja melhor”.
Reconhecendo que se trata de um município “com pouca população, um concelho do Interior, mas que tem as infraestruturas necessárias para a vida em comunidade”, o autarca reafirma “serem precisas mais pessoas”. “No entanto, aqueles que cá vivem têm qualidade de vida. Esse tem sido um dos objectivos da Câmara, dotando o município das condições que garantem o bem-estar da população, além dos apoios que procura dar nas áreas social e do associativismo”, declara ao sinalAberto.
Apesar de haver períodos com “menos obras” públicas, o edil socialista refere que “convém manter as que foram feitas e colocar em actividade todas as infraestruturas disponíveis”. Nesse contexto, José Manuel Grilo releva que, segundo o rating elaborado pelo Grupo Marktest, “em 2020, Portel ficou em sétimo lugar, a nível nacional, sendo um dos concelhos com índices de melhor qualidade de vida”. Todavia, “embora não seja dos concelhos do distrito de Évora ou do Alentejo que perdeu mais população”, o decréscimo demográfico preocupa o edil portelense, o qual também estranha o facto de, por exemplo, o município de Vendas Novas, “mais próximo de Lisboa e um bom concelho”, ter perdido habitantes.
Outro dos motivos de orgulho deste político local tem a ver com o facto de o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses – tido como uma “referência na monitorização da eficiência do uso dos recursos públicos na administração local” –, com base na análise de execução orçamental dos municípios, ter “colocado a Câmara Municipal de Portel entre as que apresentam maior eficiência financeira”. “É aquilo que é. São dados”, argumenta o presidente do executivo deste concelho alentejano, apesar da sua 24.a posição nacional entre os que, em 2020, tiveram menos receitas próprias, nas receitas totais.
Acrescente-se ainda que, no mesmo ano, Portel se situa na 28.a posição, entre os municípios com menor receita cobrada de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis). A nível nacional, também no ano de 2020, este concelho do distrito de Évora ficou na 23.a posição entre aqueles que tiveram maior peso de pagamentos da despesa com pessoal nas despesas totais (com 42,1%). O que confirma a responsabilidade social do município portelense enquanto o maior empregador local, seguindo-se as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e demais associações e entidades sem fins lucrativos que constituem o terceiro sector.
Após mais de dois anos de encerramento, o tribunal de Portel acompanha a reabertura e a reactivação de todos os tribunais que tinham sido fechados, ao ter entrado em vigor, em 1 de Setembro de 2014, a nova organização judiciária do território avançada pela ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz. Todavia, subsiste a dúvida: “Justifica-se um tribunal neste concelho?”
O presidente da Câmara Municipal diz que sim. “Justifica-se por várias razões. Uma delas tem a ver com o facto de o edifício do tribunal dispor de todas as condições físicas para o seu adequado exercício. E, se houvesse vontade, poderia acolher aqui alguns outros tribunais. Isso iria desafogar, por exemplo, a área de competência territorial do Tribunal da Comarca de Évora”, argumenta o edil socialista.
Sobre a “deslocalização” do TAF de Beja
Enquanto autarca, José Manuel Grilo apercebe-se do impacto dos ajustamentos da rede de tribunais no acesso da população à justiça, mas admite que as instalações do Palácio da Justiça local (que também integram a Conservatória do Registo Predial e a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens) têm capacidade para secções especializadas em determinadas matérias judiciais. O edil portelense recordou que, pouco tempo antes do encerramento dos tribunais, se falou na eventualidade de o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja se deslocalizar para a vila de Portel.
A 6 de Junho de 2014, o Diário do Alentejo noticiava que o deputado socialista Luís Pita Ameixa, eleito pelo círculo de Beja, questionou a ministra da Justiça (a social-democrata Paula Teixeira da Cruz) sobre a possibilidade de o TAF poder “vir a ser retirado da cidade”. Na mesma edição (n.o 1676) deste semanário regionalista, afirma-se que, no requerimento enviado à governante, o parlamentar bejense menciona que “a informação que a[c]tualmente circula é a de que, face à necessidade de implementar a reforma judiciária da lei 62/2013, do chamado mapa judiciário, relativo aos tribunais cíveis e criminais, para a qual serão necessários mais espaços físicos na cidade, estaria em preparação a ocupação do edifício agora afe[c]to ao TAF para tais fins, o que implicaria a retirada deste da cidade” e a sua deslocalização “para o distrito de Évora, nomeadamente para a vila de Portel”.
Refira-se igualmente que, cerca de dois anos antes (a 6 de Setembro de 2012), o quinzenário Correio Alentejo informava que a ministra da Justiça tinha garantido, ao então presidente da Câmara Municipal bejense (Jorge Pulido Valente, eleito pelo PS, entre 2009 e 2013), a continuidade do TAF em Beja, “ao contrário do que era anunciado por algumas fontes”.
Conforme avançava este jornal, a ministra terá explicado ao autarca, via telefone, que a informação relativa à suposta transferência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja para Portel “teria sido dada por ofício, o que se deveu a um lapso de um técnico”. Como adiantava o Correio Alentejo, “as explicações de Paula Teixeira da Cruz surgiram na sequência da posição aprovada por unanimidade pelo executivo municipal bejense, que repudiava a eventual transferência para Portel do Tribunal Administrativo e Fiscal”.
Retomando a entrevista com José Manuel Grilo, o presidente da edilidade portelense lembra que essa ideia de deslocalização do TAF “foi logo chumbada”, apesar das fracas condições de instalação na cidade de Beja. Confirmando a imediata oposição política dos seus colegas de partido (do PS) em funções na Câmara Municipal de Beja, o autarca de Portel alude que “eles não viam isso com bons olhos, porque um tribunal desse género dá muito mais incremento do que, propriamente, um tribunal normal” (com competências cíveis ou criminais).
“Não sei se houve alguma proposta concreta. Contudo, houve zunzum! A mim, nunca foi feita nenhuma proposta, mas constou que, nessa altura, alguém teria vindo ver as condições do Tribunal de Portel”, comenta o nosso entrevistado, aceitando que a existência de um juízo ou secção de proximidade “representa a possibilidade de julgamentos ou, pelo menos, de iniciar localmente processos judiciais”. Embora diga desconhecer a realização de julgamentos, José Manuel Grilo encontra vantagens na utilização de equipamento de videoconferência em acções judiciais.
“Nós queremos sempre mais. Até porque o Palácio da Justiça tem condições adequadas. No mínimo, os processos são aqui colocados e têm o seu seguimento em termos jurídicos”, repara este responsável político portelense, que se manifestou em diversas ocasiões contra o encerramento do tribunal. “Na altura, fartámo-nos de reclamar. Até reunimos a Assembleia Municipal em frente do Palácio da Justiça, como forma de contestação!”, lembra o autarca, a propósito da então decisão do órgão deliberativo do concelho, em que as juntas de freguesia tiveram um papel preponderante.
Segundo o edil socialista, os impactos locais mais directos na comunidade, durante o período em que o tribunal esteve fechado, verificaram-se a nível da mobilidade das pessoas que, enquanto participantes num processo judicial “simples”, teriam de se deslocar a Évora, não dispondo de uma adequada rede de transportes públicos. “Havia transportes, mas uma pessoa, para colocar um processo ou para apresentar uma acção judicial no Tribunal de Évora, tinha de ir de manhã e voltar à tarde”, nota José Manuel Grilo.
A distância entre esta vila alentejana e a capital de distrito é de, aproximadamente, 40 quilómetros. Contudo, os residentes nas outras freguesias do município (Alqueva, Amieira, Monte do Trigo, Oriola e Santana) “tinham de se deslocar primeiro a Portel para, depois, seguirem para Évora”. “São os condicionalismos locais”, constata o presidente do executivo camarário, inferindo: “Há concelhos que não têm tribunal, não há?”
“Este tribunal chegou a ser o tribunal da comarca”, salienta o político portelense ao sinalAberto, dando conta da importância local do tribunal de primeira instância, ao qual os munícipes dirigiam o seu primeiro pedido de resolução de um conflito, abrangendo uma área geográfica concelhia (agregada com Cuba, que pertence ao distrito de Beja) sob a respectiva jurisdição ou competência territorial.
Um modelo de gestão por objectivos
Na suposta intenção de “permitir uma gestão, concentrada e autónoma” por cada um dos 23 grandes tribunais no território nacional, seguindo um modelo de gestão por objectivos, o Governo liderado por Passos Coelho, com a reorganização do mapa judiciário, procurou introduzir “uma clara agilização na distribuição e tramitação processual, uma simplificação na afe[c]tação e mobilidade dos recursos humanos e uma autonomia das estruturas de gestão dos tribunais, que permitem e implicam a ado[p]ção de práticas gestionárias por obje[c]tivos, potenciando claros ganhos de eficácia e eficiência, em benefício de uma justiça de maior qualidade e mais consentânea com a realidade local”.
Nessa perspectiva política, o Ministério da Justiça (através da DGAJ), prosseguiu a sua linha de acção com critérios alegadamente objectivos no encerramento de tribunais: “Volume processual inferior a 250 processos por ano; condições rodoviárias/transportes para as populações, face ao volume processual diminuto, que não justificam a conversão para uma secção de proximidade.”
“Naquela altura, estatisticamente, o Tribunal de Portel ultrapassaria o limite de 250 processos anuais. Tinha mais de 350 processos. Pelo que sei, era uma coisa assim!”, indica o autarca, contrariando o volume processual calculado pela Direcção-Geral da Administração da Justiça.
Na óptica do socialista José Manuel Grilo, mesmo admitindo o decréscimo demográfico, “o argumento da população para encerrar qualquer serviço público não é aceitável”. “Para mim, basta haver uma pessoa que necessite de utilizar determinado serviço para justificar a sua permanência”, diz o presidente da Câmara Municipal de Portel, cuja formação académica em Economia não o impede de criticar o pendor “economicista” da reforma judiciária avançada pela então ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz.
Com a alteração da matriz territorial das comarcas e com o encerramento de, praticamente, duas dezenas de tribunais no País, incluindo o de Portel, o nosso entrevistado afirma “não se ter poupado nada com isso”. “Se as poupanças se verificaram nos custos do Ministério da Justiça, têm de ser eles a responder. Os custos para as famílias e para a população foram, certamente, muito superiores, embora eu não os saiba contabilizar”, alega este edil alentejano, frisando que não houve ninguém que tenha pedido auxílio camarário por motivos judiciais. “As pessoas, normalmente, não vêm pedir à Câmara para colocarem uma acção contra alguém”, sublinha, assegurando que a comunidade portelense “é calma, é muito pacífica”.
“Não há aqui grandes problemas. Se calhar, existem mais processos cíveis; criminais quase não há”, expressa o autarca de Portel, notando que também “são raras as questões relacionadas com a propriedade de terras”. A seu ver, predominam os “processos cíveis de âmbito familiar e ligados a heranças, além dos que resultam das multas de estacionamento”, entre outras infracções ou contra-ordenações rodoviárias.
Para autos de inventário, autos de avaliação de bens, acções sumárias, investigação de paternidade e, por exemplo, acções especiais de despejo, José Manuel Grilo perfilha a existência de um julgado de paz no seu município. “Estamos a tratar disso, através da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central”, declara, embora acautele a existência do actual juízo de proximidade: “Os julgados de paz o que fazem é tentar que haja um entendimento antes de se recorrer ao tribunal.”
Mencione-se que, historicamente, o decreto de 16 de Maio de 1832, de Mouzinho da Silveira estipulava a reorganização e a reforma judicial, determinando “a existência, em cada vila, cabeça de julgado de um juiz ordinário, um subdelegado do procurador régio, dois escrivães e dois oficiais de diligências”. “Cada julgado podia abarcar um ou mais concelhos ou freguesias” e a nomeação dos juízes ordinários era feita pelos presidentes das relações, de entre uma lista de três indivíduos.
Entretanto, a partir de 1840, “cada julgado era constituído por distritos dos juízes de paz”.
Como lemos na página electrónica do Arquivo Distrital de Beja, ao “juiz ordinário competia o julgamento de causas de diversa natureza até determinada alçada”. E podia “também conhecer e preparar os processos cíveis e crimes para o juiz de direito”. De facto, nos julgados cabeças de comarca as suas atribuições eram “exercidas pelos juízes de direito ou seus substitutos”. Mais tarde, a “Lei de 29 de Julho de 1886 extingue definitivamente os juízes ordinários, passando as suas atribuições para os juízes de paz e para os juízes de direito ou seus substitutos”.
“Actualmente, no distrito de Évora não existe nenhum julgado de paz”, assevera o presidente da edilidade, no contexto da entrevista ao sinalAberto, clarificando: “O tribunal terá sempre outro peso, diferente dos julgados de paz. Estes serão necessários em sítios onde haja mais litígios familiares, com questões de divórcio e de partilhas, podendo facilitar o entendimento antes de se recorrer ao tribunal.”
“Com a reabertura do tribunal, mesmo como juízo de proximidade, as coisas melhoraram. Pelo menos, não consta mais a queixa das pessoas. Há, ali, dois funcionários [um escrivão adjunto e um técnico de justiça adjunto] para atenderem os munícipes”, manifesta o autarca portelense, que discorda da cedência de funcionários municipais para este tipo de serviço. “Acho que isso não pode acontecer, excepto quando há recrutamento em regime de mobilidade”, alega José Manuel Grilo, vincando a ideia de que o preenchimento de postos de trabalho “nas áreas dos tribunais ou das finanças”, exige “formação específica”.
No seu ponto de vista, esses funcionários ou assistentes operacionais “não devem estar lá só para despachar e para arquivar papéis”, além de que “é preciso manter algum sigilo”.
O presidente da Câmara Municipal de Portel certifica que não se apuraram impactos directos nem marcas no tecido empresarial local subsequentes ao encerramento do tribunal. “Se algumas empresas não se instalaram no município, não terá sido por causa do tribunal. As empresas e os investidores têm outras motivações e uma grande mobilidade. Porém, olham mais para a localização geográfica e para os acessos”, atenta o político socialista, com experiência de director financeiro de uma firma do distrito, durante uma década, sublinhando que “os processos relacionados com dívidas são, sobretudo, accionados nas áreas de residência dos clientes devedores”.
Ao consultarmos a página electrónica do Tribunal Judicial da Comarca de Évora (TJCE) – órgão de soberania que, neste distrito alentejano composto por 14 municípios, “administra a Justiça em nome do Povo, de forma independente e apenas sujeito à Lei” (artigos 202.º e 203.º da Constituição da República Portuguesa e 2.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) –, deparamos com a mensagem do presidente do TJCE, o juiz José Saruga Martins, garantindo “a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, reprimindo “a violação da legalidade democrática” e dirimindo “os conflitos de interesses públicos e privados”.
Como é explicitado na mesma mensagem, o TJCE, enquanto “Tribunal de Comarca é um Tribunal de 1.ª instância composto por um Juízo Central Misto (Cível e Criminal), Juízos Locais Cível e Criminal, Juízo de Família e Menores, Juízo de Instrução Criminal, Juízo do Trabalho, Tribunal de Execução de Penas, todos sediados na sede da Comarca, Juízo de Execuções sediado em Montemor-o-Novo e Juízos Locais de Competência Genérica em Montemor-o-Novo, Estremoz, Vila Viçosa, Redondo e Reguengos de Monsaraz, para além de Juízos de Proximidade em Arraiolos e Portel [sic]”.
Neste quadro de competências judiciais, o autarca de Portel insiste, perante a disponibilidade e as condições de instalação do Palácio da Justiça local, na proposta de “desentupir alguns tribunais da região” e de responder às necessidades dos municípios vizinhos, como o de Viana do Alentejo e da Vidigueira (no distrito de Beja). “Na prática, isso também iria agilizar o movimento processual do Tribunal de Évora”, supõe José Manuel Grilo, a um mês de ser reeleito, mas sem nenhuma promessa eleitoral no domínio da Justiça: “Não são competências minhas!”
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“O tribunal estava mais longe e implicava maiores despesas”
Já no final da tarde dessa quinta-feira de Verão (26 de Agosto de 2021), encontrámos o funcionário judicial Joaquim Rico, à saída do tribunal (juízo de proximidade) de Portel, onde cumpriu mais um dia de trabalho. Com o encerramento desta instância judicial, em Setembro de 2014, este profissional (oficial de justiça desde 16 de Novembro de 1979) passou a ter de se deslocar ao Tribunal de Évora e a perfazer, diariamente, cerca de 80 quilómetros.
Nascido há 62 anos (até à data do seu depoimento ao sinalAberto), em Portel, onde assistiu à construção e à inauguração do Palácio da Justiça, em Julho de 1999, Joaquim Rico sentiu alguma mágoa quando viu a sua “segunda casa” de portas fechadas. “Tanto eu como os demais portelenses sentimos a falta do tribunal. Eu, como cidadão e funcionário, estava em casa e passei a deslocar-me, todos os dias, para Évora. E foi uma grande diferença na minha vida”, confessa este oficial de justiça que, além do “passe para as viagens que fazia pela Rodoviária”, não teve nenhuma outra compensação profissional.
“Durante mais de dois anos, abalava daqui [da vila de Portel] às sete da manhã, no transporte público, e chegava por volta das seis e meia da tarde”, recorda Joaquim Rico, notando que, de facto, o fecho do tribunal “consternou toda a gente”.
“Nessa altura, havia várias opiniões. Uns diziam que o tribunal tinha pouco movimento [processual] e outros achavam que não”, lembra este profissional da Justiça que admite ter havido, antes do encerramento, uma actividade ou movimento processual anual, em média, superior a 250 processos. “Era capaz de ter mais do que isso, mas tínhamos poucos funcionários. O juiz vinha cá duas vezes por semana, exceptuando alguma urgência. O Tribunal de Portel estava agregado ao de Cuba e o juiz exercia nas duas comarcas”, esclarece Joaquim Rico.
Ao verem o tribunal de portas fechadas, “as pessoas estavam insatisfeitas e contestavam, como é natural numa situação destas, por terem de se deslocar a Évora”, até para obterem um certificado de registo criminal. Essa circunstância teve, supostamente, reflexos nos direitos, nas liberdades e nas garantias dos munícipes de Portel e no acesso à justiça. “Eu acho que sim. Pelo menos, o tribunal estava mais longe e implicava maiores despesas”, comenta este funcionário judicial, que não dispõe de informação suficiente quanto à estatística criminal na comunidade, durante o período de encerramento desta instância local.
Às nove da manhã de 2 de Janeiro de 2017, o tribunal de Portel (assumindo as competências de secção ou de juízo de proximidade) reabre com dois funcionários judiciais (Gracinda e Joaquim Rico) e sem um juiz de permanência, como noticia a RTP. O juiz presidente (Edgar Valente) declarava que, com a referida reactivação, já passava a ser “possível realizar julgamentos de natureza criminal em que tem intervenção o tribunal singular”. Além disso, acrescentava o juiz, “há outras valências possíveis aqui, que têm a ver com a recepção de papéis e com a prestação de informações”, contando ainda com o recurso às videoconferências.
“Desde então, já houve vários julgamentos do foro criminal, sobretudo em processos que envolvem a aplicação de penas de prisão até três anos”, assinala Joaquim Rico, frisando que, durante a pandemia, deixou de haver audiências de julgamento em Portel. “Aqui, praticamente, não são dirimidos os litígios da área cível. Todos os processos estão em Évora e só há audiências em Portel quando os juízes marcam”, esclarece o funcionário judicial.
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“Em vez de serem as pessoas a irem até ao juiz, aproxima-se o juiz dos cidadãos”
Na manhã de 19 de Outubro de 2021, conseguimos estabelecer contacto telefónico com a advogada Maria Luísa Batista Quitério, com escritório em Évora, que é consultora jurídica de diversas entidades públicas e privadas, principalmente na área do direito administrativo.
Na conversa tida a propósito do novo mapa judiciário e dos eventuais impactos socioeconómicos e culturais ou simbólicos no concelho de Portel, município onde mantém ligações profissionais há mais de três décadas, prestando assessoria na área de consultadoria jurídica na Câmara Municipal, Maria Luísa Quitério refere que quase não trabalha em processos cíveis. “O que faço neste domínio é em Évora”, esclarece, afirmando-se pouco conhecedora da realidade judicial de Portel.
“Acerca dos problemas políticos e sociológicos do fecho do tribunal de Portel, houve dificuldades a nível dos transportes, porque se teve de passar a ir ao tribunal de Reguengos de Monsaraz”, nota a jurista, observando que “se poderia ter passado logo para o de Évora”.
“Essas dificuldades não são jurídicas e sobre isso não me devo pronunciar. Não quero, nem me pronuncio!”, sublinha a advogada. “Do ponto de vista profissional, não tenho nada a opor, porque esta concentração de tribunais pode ser um princípio para a especialização”, comenta Maria Luísa Quitério, reiterando que desenvolve pouca actividade relacionada com o direito civil ou com o foro das causas cíveis.
Não obstante se dedicar, fundamentalmente, ao direito administrativo, a jurista conhece os critérios avançados pela Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) para a proposta de extinção ou de encerramento dos tribunais. “Aliás, o mapa judiciário foi dado a conhecer a todos os advogados”, salienta. “A própria contabilidade desses processos anuais não era correcta, porque havia acções que não eram contabilizadas e que, para efeito de movimento no tribunal, existiam como número de trabalho e como mais umas coisas a fazer”, adianta.
Interrogada sobre a metodologia utilizada pelo Ministério da Justiça (através da DGAJ), Maria Luísa Quitério também não quis pronunciar-se. “Nesse caso, levantaríamos a mesma questão relativamente ao encerramento das escolas e dos centros de saúde. Eu percebo que seja uma preocupação dos presidentes de câmaras, mas não sei que outros critérios poderiam ser tidos em conta”, declara ao sinalAberto.
“Sempre que se encerra um serviço público ou balcão em determinadas comunidades, já bastante abandonadas e com muito poucos serviços [ao seu dispor], a situação é complicada”, admite a jurisconsulta. “Sinceramente, na perspectiva da qualidade da prestação de serviços, não penso que tenha sido pior”, expõe a nossa entrevistada, perfilhando as supostas vantagens decorrentes do alargamento da jurisdição especializada, resultantes da maior concentração e da especialização da oferta judiciária, ao abrigo da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), cujo regime foi regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março.
“Os presidentes de câmaras municipais, quando falam e bem, vêem mais os interesses das populações, para que isto não morra por si”, anota a advogada Maria Luísa Quitério, referindo-se aos territórios de baixa densidade, às características físicas e socioeconómicas do interior do País e às respectivas acessibilidades. “Isto já é tão mau, tão mau!…”, frisa, lembrando-se de uma conversa do ex-Presidente da República Jorge Sampaio com um especialista de Saúde norte-americano, a respeito da dimensão do território nacional e da distância das populações do interior relativamente a Lisboa. Então, o mesmo perito, que pensava segundo a escala dos Estados Unidos, terá respondido: “Isso não é um problema de Saúde, mas de transportes.”
“Eu, que fui criada em África, às vezes, também tenho tendência para pensar de acordo com a escala africana”, confessa a advogada Maria Luísa Quitério, acrescentando: “50 quilómetros para as pessoas que têm de se levantar cedo para irem a um julgamento ou ao tribunal por outro motivo, e que só dispõem de uma camioneta, constitui um drama. Já para nós, que temos carro, isso não é nada!”
Sob um olhar sociológico, o encerramento de tribunais “foi dramático”. “Agora, no ponto de vista estritamente jurídico, é compreensível. Mas eu não sou a pessoa ideal para dar um depoimento sobre isto”, adverte a jurista, que não nega a finalidade economicista da decisão política do Governo de Passos Coelho. “Infelizmente, esse é o futuro, não é?”, interroga.
Convidada a expressar-se sobre a aplicação do novo mapa judiciário, que parece contrariar as políticas de proximidade e de coesão territorial, Maria Luísa Quitério responde: “A coesão territorial implica que se gaste dinheiro e recursos, não é?”
Acerca das consequências na economia local do fecho, durante mais de dois anos, do tribunal de Portel, a advogada reafirma: “Estas são questões para as quais não tenho competência, embora todos tenhamos um pouco de médico e de louco… Não estou a baldar-me, senão também não estaríamos a manter esta conversa telefónica. Acho que há gente com mais capacidade ou com mais investigação para se pronunciar sobre isso. Eu sei, principalmente, é acerca de direito administrativo.”
Ao retomarmos as características do sistema de administração judiciária, que privilegia uma resposta judicial com um elevado índice de especialização centralizada nos grandes centros (ou instâncias centrais) e que, sob o olhar jurídico “até está bem”, confrontámos a nossa entrevistada com uma realidade desajustada, por exemplo, no foro do Direito da Família e Menores em que as pessoas que precisam de tratar de questões relacionadas com obrigações e direitos decorrentes das suas relações familiares, a exemplo da tutela e da guarda dos filhos, têm de fazer diversas deslocações ao respectivo tribunal especializado (juízo de família e menores), fora do seu município.
“Sim, essas pessoas são, habitualmente, carenciadas e com recursos de mobilidade incrivelmente reduzidos. Há poucos autocarros, há falta de transportes públicos”, reconhece a jurista.
A respeito das competências dos juízos de proximidade, Maria Luísa Quitério entende que, ao assegurarem a realização das audiências de julgamento ou outras diligências processuais que sejam decididas pelo juiz competente, muitas delas operacionalizadas e acompanhadas com recurso a equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro em tempo real (videoconferência), importa retomar a figura do, antes, chamado “juiz de fora”. “Em vez de serem as pessoas a irem até ao juiz, aproxima-se o juiz dos cidadãos. A proximidade é um bocadinho isso”, alega a nossa entrevistada, convicta de que um melhor acesso à Justiça se fundamenta ainda na transparência e na informação adequada junto da comunidade.
A seu ver, “as reformas judiciais nunca são definitivas”. “Acho que as novas tecnologias da informação e comunicação vão alterar imensamente a actividade dos tribunais e a forma como trabalhamos na área do Direito”. Todavia, como destaca o Observatório sobre Crises e Alternativas do CES (Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra), os objectivos reformistas jogam-se em três dimensões: os recursos financeiros e humanos, a legislação e a organização do sistema judicial.
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20/10/2022
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A SEGUIR:
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Impactos do novo mapa judiciário em Sines e em Monchique
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(*) Nas próximas semanas, no jornal sinalAberto, continuaremos a desenvolver o dossiê com o título genérico “Justiça: o que não se lê no mapa”, no âmbito das Bolsas de Investigação Jornalística 2020, atribuídas pela Fundação Calouste Gulbenkian.