Justiça: o que não se lê no mapa (5)*

 Justiça: o que não se lê no mapa (5)*

Créditos: Mapa com base na plataforma de divulgação dos Censos 2021 – INE

A reforma da Justiça no distrito de Viseu: impactos em Armamar, Resende e Tabuaço

Quando procuramos saber das marcas que ficaram da reorganização judiciária na comunidade local, o presidente da Câmara de Armamar, João Paulo Fonseca, admite que este município faz parte “dos territórios de baixa densidade”. Por isso, observa que “retirar os serviços públicos essenciais é um convite a que a população abandone definitivamente o Interior”.

Reavivamos também os argumentos do presidente da Câmara de Resende, Manuel Garcez Trindade, na reunião do executivo que decorreu a 6 de Novembro de 2013, acerca do anteprojecto de decreto-lei do Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais: “As razões serão múltiplas, mas penso que a razão principal, prende-se, mais uma vez, com a razão política, ou seja, quem está no poder exerce esta a[c]ção política e ‘quem não estiver bem, que se ponha’, o que é o nosso caso.”

Para o presidente da edilidade de Tabuaço, Carlos André de Carvalho, “além da questão da Justiça, em si”, o fecho temporário da antiga comarca local foi “mais uma desqualificação, mais um tiro no porta-aviões da confiança e do estado de espírito das pessoas, porque vão deixando de acreditar”.

Numa incursão ao Interior Norte, encontramos o município de Armamar, já no distrito de Viseu (e que também estaria sob a área de influência da nova circunscrição do Médio Douro, no âmbito da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, se a sua concretização tivesse continuado), destaca-se pela sua acentuada diminuição populacional, cuja variação, no período de 2001 a 2011, foi de 21,88%. Ou seja, perdeu 1.639 residentes, atendendo à diferença entre os dois registos censitários de 7.492 e de 5.853 pessoas (diga-se que estes dados preliminares, então extraídos dos Censos 2011 e avançados pela Direcção-Geral da Administração da Justiça – DGAJ, não coincidem com a anotação final de 6.297 indivíduos, pelo Instituto Nacional de Estatística – INE). Recorrendo à base de dados da Pordata, verificamos que a população concelhia era, em 2010, de 6.399 indivíduos, passando a ser de 5.781 pessoas, no ano de 2019.

Com base nos resultados preliminares do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação (Censos 2021), divulgados pelo INE em 28 de Julho, há um aspecto que se destaca, em termos comparativos com a década anterior, e que tem a ver com a variação da população residente, entre 2011 e 2021, a qual denota um claro abrandamento da tendência para a diminuição demográfica (passando de -21,88% para -9,8%). Mesmo assim, Armamar ficou com menos 617 habitantes, nos últimos dez anos.

A Comarca de Viseu – que abrange o próprio distrito administrativo – era composta pelas comarcas de Armamar, de Castro Daire, de Cinfães, de Lamego (a qual também incluía Tarouca), de Mangualde (englobando o município de Penalva do Castelo), de Moimenta da Beira (integrando os concelhos de Penedono e de Sernancelhe), de Nelas, de Oliveira de Frades, de Resende, de Santa Comba Dão (estendendo-se aos municípios de Carregal do Sal e de Mortágua), de São João da Pesqueira, de São Pedro do Sul, de Sátão (abarcando Vila Nova de Paiva), de Tabuaço, de Tondela, de Viseu e de Vouzela.

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Comarcas de Armamar e de Tabuaço estavam agregadas

No que se relaciona com os aspectos organizativos e os recursos humanos, as comarcas de Armamar e do Tabuaço – agregadas no âmbito da Portaria n.º 412-D/99, de 7 de Junho –, dispunham de um único juiz no seu quadro legal conjunto, em exercício de funções nos dois tribunais de competência genérica. Segundo informação que se reporta a 16 de Junho de 2011, as duas comarcas também partilhavam apenas um magistrado do Ministério Público, o qual atendia às necessidades dos respectivos tribunais. Relativamente aos oficiais de justiça, o quadro legal atribuído à comarca de Armamar admitia cinco destes profissionais, estando quatro deles em exercício de funções no correspondente tribunal de competência genérica. O mesmo se observava na comarca do Tabuaço, tendo-lhe sido concedido um quadro legal com cinco oficiais de justiça, mas eram quatro os profissionais que, efectivamente, ali desempenhavam funções.

Refira-se que, com base na Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, então em vigor e que determinava a organização e o funcionamento dos tribunais judiciais, os “juízos de competência genérica possuem competência na respectiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a juízos de competência especializada”.

Na dinâmica do movimento processual e da média das entradas, de 2008 a 2010, a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) contabilizava 247 processos na comarca de Armamar, os quais são repartidos, por ordem decrescente, do seguinte modo: 72 execuções, 38 processos de média instância cível, 32 processos de média instância criminal, 25 processos na área do Trabalho, 25 processos no foro da Família e Menores (FM), 21 processos de pequena instância criminal, 19 processos de pequena instância cível, 11 processos de grande instância cível, bem como de dois processos de grande instância criminal, de um processo em matéria de Comércio e de um processo de instrução criminal.

Em Janeiro de 2012, no Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária, a DGAJ referia que a resposta judiciária na comarca de Armamar era dada pelo tribunal local, com competência para as áreas Cível, Penal, de FM e do Comércio, exceptuando as causas no foro do Trabalho, que eram resolvidas no Tribunal do Trabalho de Lamego.

Com efeito, a nível da instância central do Tribunal Judicial do Distrito de Viseu (TJDV), o Ministério da Justiça (MJ), através da DGAJ, prescrevia uma organização que assegurasse a Secção Cível e a Secção Criminal com competência territorial distrital, ambas com sede na cidade de Viseu.

Ao ponderar sobre as secções de competência especializada, o MJ abonava a existência da 1.ª Secção do Trabalho em Lamego, com uma área de competência territorial que abrangia os municípios de Armamar, de Cinfães, de Lamego, de Moimenta da Beira, de Penedono, de Resende, de São João da Pesqueira, de Sernancelhe, de Tabuaço e de Tarouca. Por sua vez, a 2.ª Secção do Trabalho, estabelecida em Viseu, assumiria competência territorial nos concelhos de Castro Daire, de Carregal do Sal, de Mangualde, de Mortágua, de Nelas, de Oliveira de Frades, de Penalva do Castelo, de Santa Comba Dão, de São Pedro do Sul, de Sátão, de Tondela, de Vila Nova de Paiva, de Viseu e de Vouzela.

Quanto à Secção de Execução, esta ficaria com sede em Viseu e com competência territorial para todo o distrito. O mesmo se verificava com a Secção de Comércio. Embora a Secção de Instrução Criminal também tenha sede na cidade de Viseu e competência territorial de âmbito distrital, a DGAJ informa que, por determinação legal, “pode ser estabelecido que a intervenção do juiz de instrução criminal possa ocorrer em diversos postos da comarca”.

Ainda ao nível da instância central, a 1.ª Secção de Família e Menores estaria sediada em Lamego e com uma área de competência territorial que abrangeria os municípios de Armamar, de Castro Daire, de Cinfães, de Lamego, de Resende e de Tarouca. Por outro lado, à 2.ª Secção de FM, com sede na capital de distrito, era-lhe reservada competência territorial nos concelhos de Mangualde, de Nelas, de Oliveira de Frades, de Penalva do Castelo, de São Pedro do Sul, de Tondela, de Viseu e de Vouzela.

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“Um volume processual muito reduzido”

No quadro das instâncias locais do TJDV e a respeito do volume processual expectável subsistente à dita especialização no seio da comarca de Armamar, foi calculado o movimento de 57 processos na área cível e de 53 em matéria criminal, perfazendo 135 processos, o qual representa, para a Direcção-Geral da Administração da Justiça, “um volume processual muito reduzido”.

Atendendo a que a população residente no distrito de Viseu “sofreu uma redução de 4,24% nos últimos 10 anos”, fundamentando-se nos dados preliminares dos Censos 2011, a DGAJ repara que, com excepção do município de Viseu, “em todos os outros verificou-se uma diminuição da população residente”. Ao ter também em conta outros factores, como o movimento processual e a “existência de instalações adequadas”, o MJ procurava justificar a extinção de alguns tribunais no contexto do TJDV.

A favor dessa tendência, foi igualmente “analisada a existência de alternativas de acesso à informação para apoio ao cidadão, nomeadamente, a existência de Julgados de Paz e seus postos de atendimento, assim como Postos de Atendimento ao Cidadão” (PAC). Segundo a DGAJ, havia – em Janeiro de 2012, quando foi publicado o Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária – julgados de paz e PAC em vários municípios, sublinhando que “alguns já têm resposta judicial”. Nessa altura, dispunham de julgados de paz os concelhos de Carregal do Sal, de Tarouca e de Vila Nova de Paiva. E os municípios que acolhiam postos de atendimento de julgados de paz eram Armamar, Lamego, Moimenta da Beira e Resende. Por sua vez, a resposta a nível dos PAC era dada nos municípios de Carregal do Sal, de Mangualde, de Nelas, de Oliveira de Frades, de Tarouca, de Tondela e de Vouzela.

Nessa perspectiva, a DGAJ julgava então necessária a extinção de seis comarcas neste distrito: em Armamar, em Castro Daire, em Nelas, em Oliveira de Frades, em Resende e no município do Tabuaço. Todavia, com a reforma implementada a 1 de Setembro de 2014, através da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, foram efectivamente encerrados os tribunais de Armamar, de Resende e de Tabuaço.

Nesse entendimento, a DGAJ especificava, comparativamente, que a comarca de Armamar apresentava “valores, quer de movimento processual quer de população, inferiores relativamente à comarca de Moimenta da Beira”. E, no que se referia à evolução demográfica na então última década (seguindo os dados preliminares dos Censos 2011), o concelho de Armamar evidenciava “diminuição da população em cerca de 22%, e Moimenta da Beira uma redução de cerca de 8%”.

Outra observação também tida em conta pela DGAJ era a existência de “bons acessos rodoviários entre os dois municípios”, prevendo-se (com base no serviço ViaMichelin) que a distância de 23 quilómetros, que separa as sedes concelhias, seria percorrida em 32 minutos.

No que concerne às instalações, a DGAJ regista que “o Tribunal de Armamar está instalado em edifício da propriedade do Estado Português e o Tribunal de Moimenta da Beira está instalado em edifício da propriedade da Câmara Municipal” e que “este último dispõe de melhores instalações e de condições mais adequadas ao funcionamento” do respectivo tribunal. Acresce ainda o facto de, como mencionámos, o concelho de Armamar contar com um posto de atendimento de julgados de paz.

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Viseu “com problemas graves nas execuções”

Um ano depois da introdução do novo mapa judiciário, o advogado Paulo Rocha verifica que, por exemplo, as instalações do tribunal de Viseu se encontravam em fase de adaptação, “esperando-se vir a conseguir ocupar o terceiro piso (fundamental para o desafogo necessário) já em 2016”. No artigo que escreve, em 2015, para a revista Julgar (da Associação Sindical dos Juízes Portugueses), este causídico nota que Viseu “continua com problemas graves nas execuções, tendo o comércio, pelo contrário, dado passos muito positivos”.

Com efeito, o articulista repara que, nesta região, “está identificado como o problema mais visível e grave, a falta de recursos humanos, especificamente de funcionários, chegando mesmo a poder afirmar-se que a quantidade existente versus necessidade é de metade para o dobro”. Ou seja, em 2015, “cerca de metade das vagas encontram-se [ali] por preencher”. “Não comparável, mas notória, é também a falta de Magistrados do Ministério Público”, adianta o advogado Paulo Rocha.

“Está identificado como o problema mais visível e grave, a falta de recursos humanos, especificamente de funcionários, chegando mesmo a poder afirmar-se que a quantidade existente versus necessidade é de metade para o dobro”

Se consultarmos o anexo do documento Indicadores de A[c]tividade nos Arquivos dos Tribunais 2014, publicado pela DGAJ, em Março de 2015, verificamos que, na Comarca de Viseu, ao ser extinta a instância de Armamar, o seu arquivo, relativo ao ano de 2014, foi transferido (bem como os fundos documentais do Tribunal da Comarca de Resende) para o Arquivo Central de Viseu (ou para o Arquivo Central da Comarca de Viseu, sediado no Palácio da Justiça de Viseu), envolvendo uma extensão de 182 metros de prateleiras e uma extensão documental com 132 metros, de que sobressai um saldo positivo de 50 metros. Todavia, o mesmo relatório não nos esclarece quanto ao total de processos eliminados e remetidos para o arquivo distrital, no período de 2003 a 2014, conforme determinam as disposições conjugadas do Decreto-Lei n.º 149/83, de 5 de Abril, Decreto-Lei n.º 47/2004, de 3 de Março, e da Portaria n.º 368/2013, de 24 de Dezembro.

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Conversa sobre os impactos da nova reforma judiciária

A 15 de Julho de 2021, o Conselho de Ministros aprova uma resolução que altera as medidas aplicáveis a determinados concelhos, tomando por base os dados relativos à incidência de casos de covid-19, por concelho, no dia anterior, tendo sido introduzidas alterações no que respeita aos municípios abrangidos por cada uma das fases de desconfinamento. Apesar de as medidas de risco elevado e de risco muito elevado não se aplicarem, nesta data, a Armamar (que também não consta na lista dos municípios em alerta), sinalAberto entrevista, na tarde da mesma quinta-feira, através da plataforma Zoom, o presidente da Câmara Municipal, João Paulo Pereira da Fonseca.

Na altura da nossa conversa sobre os impactos da nova reforma judiciária e das políticas de justiça em Armamar, já sabíamos da intenção de o autarca social-democrata se recandidatar a um terceiro mandato no executivo camarário. Tendo sucedido ao também social-democrata Hernâni Pinto da Fonseca e Almeida, o nosso entrevistado chega à presidência da edilidade local, em 2013, enquanto líder da candidatura do PPD/PSD que, então, obteve maioria absoluta (com 56,97% dos votos, conseguindo quatro mandatos dos cinco atribuídos à Câmara Municipal). Quatro anos depois, a lista encabeçada por João Paulo Fonseca volta a ganhar as eleições locais, com nova maioria absoluta (54,73% dos votos), mas perdendo um mandato no executivo, a favor dos socialistas (a terceira força política local, com a expressão eleitoral de 15,01%).

Nas recentes eleições autárquicas (a 26 de Setembro), o social-democrata João Paulo Fonseca alcança uma nova vitória, por maioria absoluta reforçada (de 56,93% dos votos úteis, embora a sua candidatura tenha tido menos 40 votantes do que em 2017). A segunda candidatura mais votada deixou de ser a dos centristas, agora não representados no executivo municipal. Nestas eleições, o Partido Socialista apoiou o movimento independente “Pela Nossa Terra” (PNT), cuja candidatura conseguiu 29,70% dos votos, o que lhe permite dois lugares na câmara.

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“Mais uma machadada no próprio território”

Quando procuramos saber das marcas que ficaram da reorganização judiciária na comunidade local, o autarca João Paulo Fonseca, de Armamar, admite que este município faz parte “dos territórios de baixa densidade”. Por isso, observa que “retirar os serviços públicos essenciais é um convite a que a população abandone definitivamente o Interior”. “Penso que, hoje e sempre, as pessoas acabam por definir aquilo que contribui para a sua fixação nestes territórios, em função dos serviços que têm à sua disposição em Saúde, na Educação e na Justiça”, expressa, notando que “o encerramento [entre Setembro de 2014 e Janeiro de 2017] do tribunal de Armamar acabou por ser mais uma machadada no próprio território”.

Daí que, na tarde de 15 de Julho de 2014 (precisamente, sete anos antes da entrevista com o sinalAberto), João Paulo Fonseca se tenha juntado a vários autarcas eleitos pelas listas do PPD/PSD para se manifestarem, em frente da Assembleia da República, contra esta reorganização dos tribunais, queixando-se da ministra Paula Teixeira da Cruz e apelando ao Governo (XIX Governo Constitucional, liderado pelo social-democrata Pedro Passos Coelho, tendo como vice-primeiro-ministro o centrista Paulo Portas) para que se reconsiderasse na decisão do fecho de dezenas de comarcas.

Na ocasião, os manifestantes acusavam os responsáveis do seu próprio partido de não os ouvir, sobretudo, a respeito dos critérios para o encerramento dos tribunais, num mapa “mal desenhado” e baseado em dados, em alguns casos, “obscuros”, como denunciava (na voz da Rádio Observador) o então edil do concelho de Penela, Luís Matias, ao qual se associou João Paulo Fonseca na afirmação de que a titular da pasta da Justiça não os quis receber. No entanto, este autarca fez notar que “o recado ficou pelos deputados da maioria dos eleitos pelo distrito de Viseu” e que, quanto ao seu partido, nestas lutas, fica em segundo plano: “As pessoas que servimos estão acima de qualquer cor partidária.”

Ao consultarmos a acta da terceira reunião ordinária da Câmara Municipal de Armamar, realizada na manhã de 7 de Fevereiro de 2014 (ou seja, cinco meses antes dessa manifestação de protesto à frente do Palácio de São Bento, em Lisboa), ficamos a saber da posição do presidente João Paulo Fonseca sobre o teor da intervenção da ministra da Justiça, no briefing que se seguiu à aprovação pelo Conselho de Ministros do “novo mapa judiciário” (na quinta-feira, 6 de Fevereiro), no qual se previa o encerramento de 20 tribunais, principalmente no Interior do País. Nessa oportunidade, o líder autárquico aludiu “concretamente quanto ao número de processos, outros que não os correspondentes aos critérios definidos”, o que, no seu entender, desrespeitava os autarcas e o Poder Local, razão por que pediu a demissão daquele membro do Governo. Como regista a mesma acta, o edil social-democrata fê-lo, também, devido à discrepância entre a anunciada “grande reforma” e aquilo dela parece resultar, decidida com base em “regras e critérios não universais”.

“Por tudo isso, disse já ter estabelecido conta[c]tos para, formal e informalmente, contestar o sucedido e evitar a sua eficácia”, assenta ainda a acta da referida reunião ordinária do executivo de Armamar, adiantando que tais “diligências foram, principalmente, dire[c]cionadas para a Presidência da República e para a Comunidade Intermunicipal do Douro (onde, com mais municípios interessados e sem prejuízo de outras iniciativas, se está já a trabalhar na interposição de recurso para o Tribunal Constitucional)”.

Ao concordar com a declaração de João Paulo Fonseca de que “a luta está para durar”, o vereador e vice-presidente António Rego da Silva apoiou a causa (conforme estava a ser “lidada pelo presidente”) e lamentou: “[…] não termos tido ninguém por nós [no] Conselho de Ministros e a falta de solidariedade dos partidos que suportam o Governo de Portugal.” O social-democrata António Silva censurou também a “arrogância” da ministra da Justiça quando disse que “não tinha medo das providências cautelares”. Nesse contexto, o vereador apelou à mobilização local contra o encerramento do Tribunal Judicial de Armamar, considerando “necessário exprimir a[c]tivamente (sem violência) a indignação e ter a consciência tranquila quanto aos esforços desenvolvidos em defesa dos interesses de Armamar”.

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“A Justiça, que aqui já é cara, ficará inacessível”

Na mencionada reunião camarária, o vereador Luís Cardoso Pinto defendeu “a resolução do problema pelas vias legais” e secundou o vice-presidente António Silva a respeito do desenvolvimento, simultâneo, de “atitudes mais musculadas”, criticando a falta de apoio político. Por sua vez, a vereadora Cláudia Jesus Damião propôs que a Assembleia Municipal se pronunciasse “a uma só voz sobre o assunto”, porque, a concretizar-se o encerramento do Tribunal Judicial de Armamar, “a Justiça, que aqui já é cara, ficará inacessível” e “há centenas de movimentos que desaparecem”, podendo – na opinião da vereadora – “levar por arrasto ao fim de outros serviços e ao fecho de estabelecimentos”.

Entretanto, na reunião camarária de 21 de Fevereiro (de 2014), o presidente João Paulo Fonseca disse que, “via Comunidade Intermunicipal do Douro, foi entregue a sociedade de advogados, sediada no Porto, o caso” sobre o Tribunal Judicial de Armamar. E que decorreu, “dessa iniciativa, a ponderação de interpor a[c]ção popular em detrimento de providência cautelar, dado a Justiça não ser atribuição dos municípios”. “Simultaneamente, esta ‘a[c]ção concertada’ está a ter outros desenvolvimentos, cujos efeitos terão impacto mediático”, rematou o autarca, de acordo com a acta dessa reunião ordinária do executivo.

Alguns meses após, a 8 de Agosto – conforme regista a acta da reunião da Câmara, relativamente ao primeiro ponto da ordem do dia –, o presidente João Paulo Fonseca afirmou que, “devido à rejeição pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] da providência cautelar contra o fecho de tribunal (decisão que passou a funcionar como orientação jurisprudencial para os restantes tribunais), está a trabalhar na criação e instalação em Armamar dos Julgados de Paz e na afe[c]tação do edifício deixado vago à instituição de Loja do Cidadão”.

Retomando a conversa com o sinalAberto, o presidente da edilidade de Armamar sublinhou que sempre foi “frontalmente contra” a decisão de o Conselho de Ministros ter aprovado o decreto-lei que definiu o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais e que regulamentou, naqueles moldes, a Lei da Organização do Sistema Judiciário. Por isso, se manifestou e deslocou ao Ministério da Justiça, não tendo sido recebido (a exemplo de outros representantes do Poder Local) por Paula Teixeira da Cruz. “Os autarcas têm a obrigação de defender os seus territórios e as suas gentes. Na altura, achámos que foi uma falta de consideração, para quem representa os municípios, essa não disponibilidade da senhora ministra para nos receber e ouvir”, recorda João Paulo Fonseca.

“Armamar é um concelho no Interior do País, localizado nas encostas do rio Douro, acompanhando-o na margem esquerda”, com uma vista marcada pelos socalcos e pelos vinhedos que “produzem os vinhos DOC” (ou denominação de origem controlada, que é o sistema de denominação utilizado para certificar vinho), cuja paisagem foi classificada, pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), como Património da Humanidade. “Mas, essencialmente, aquilo que nos distingue e que nos dá uma identidade, própria de um concelho ligado ao sector primário, é a maçã”, realça o presidente da Câmara do “maior produtor de maçãs de Portugal”. Na realidade, estas maçãs criadas em altitude e com características muito próprias, são a “imagem de marca do município de Armamar”. João Paulo Fonseca lembra, igualmente, que para a economia local também contribuem muito os produtores de cereja, secundando o Fundão a nível nacional.

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“Factores animadores ligados ao sector primário”

“O sector turístico começou a ganhar um grande espaço na região do Douro, sendo um destino procurado, sobretudo, internacionalmente”, frisa o autarca deste concelho da extinta província de Trás-os-Montes e Alto Douro, no distrito de Viseu, notando que as condições de navegabilidade do Douro (numa extensão de cerca de duzentos quilómetros) “alavancaram” a procura turística dos territórios durienses. Mesmo assim, o município de Armamar está, “efectivamente, a perder população”, confirma o edil, apercebendo-se que essa tendência ou “ritmo” associado ao decréscimo demográfico, “muito acentuado nos anos 90 e no início deste século”, está, “felizmente, a abrandar neste concelho”, com cerca de 117 quilómetros quadrados.

“Na altura, achámos que foi uma falta de consideração, para quem representa os municípios, essa não disponibilidade da senhora ministra para nos receber e ouvir”

“Com efeito, este território tem uma baixa densidade populacional. Porém, há aqui factores animadores ligados ao sector primário e aos jovens empresários agrícolas que têm ajudado a fixar pessoas”, refere João Paulo Fonseca, o qual contestou, veementemente, os critérios indicados pela Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) para extinguir a antiga comarca de Armamar. “Eu sempre me debati contra esta decisão. Porque sempre achei que o cálculo do número de processos nunca foi bem explicado pelo Ministério da Justiça. Se formos para a matéria criminal, a nossa população tem poucos processos no Tribunal de Armamar. Contudo, já tínhamos muitos processos cíveis”, reitera o presidente da autarquia, constatando que “os territórios do Interior têm, frequentemente, muitas questões relacionadas com as propriedades e as extremas de terrenos”.

Questionado sobre o que significou o encerramento, em 2014, de 20 tribunais, incluindo o da antiga comarca no município a que preside, João Paulo Fonseca não encontra razões para que esses tribunais colocassem as Finanças em risco. A nível local, tendo em conta os custos associados, o autarca diz ter sido sugerida a reposição da agregação, sob o ponto de vista organizativo e de recursos humanos, dos tribunais de Armamar e de Tabuaço. “Os magistrados seriam os mesmos e os funcionários [oficiais de justiça] teriam a flexibilidade para se deslocarem entre os dois tribunais”, clarificou o edil, convicto de que “os custos envolvidos não fariam grande diferença no Orçamento de Estado nem nas finanças do País”.

“Agora sabemos – há sempre algum cuidado em não tocar na que é a questão base de algumas decisões – que isso teve também a ver com o poder que os magistrados exercem nestas situações. Eu percebo que um juiz e um procurador do Ministério Público prefiram viver nos grandes centros e que não queiram deslocar-se aos tribunais das pequenas instâncias”, expõe o nosso entrevistado, insistindo que “houve, aqui, uma pressão clara dos magistrados para que se pudesse considerar o modelo, que é muito prejudicial para as populações, de concentrar as decisões judiciais nos grandes tribunais, nas comarcas dos médios e grandes centros urbanos”.

“Se olharmos para a realidade do concelho, grande parte dos actos executados pelo Tribunal de Armamar passava a ser realizada em Lamego e em Viseu”, complementa o presidente do executivo camarário, confirmando que “houve impactos negativos” na comunidade local. Particularmente, “na população que acorria à Justiça, mesmo em processos cíveis, nos quais percebemos a necessidade de se avançar para as respectivas diligências”. Exemplo disso “são as acções cíveis relacionadas com propriedades, em que, por norma, os magistrados se deslocavam ao local para compreenderem melhor e terem uma noção mais exacta daquilo que estava em causa”.

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Deficiente rede de transportes públicos

“Hoje, isso é impensável, com esta reforma judicial”, critica João Paulo Fonseca, admitindo que, “dificilmente, um magistrado se desloca a Armamar, requerendo diligência, para ver um terreno”, no sentido de formar a sua convicção sobre determinado facto. “Quando o faz, as custas [dos serviços forenses] são demasiado elevadas para as partes”, repara, notando que também as testemunhas envolvem despesas maiores, “quando as audiências decorrem em Lamego”.

“Há, assim, a necessidade de conjugar as audiências com a deficiente rede de transportes públicos nestes territórios. Entre Armamar e Lamego existem apenas duas carreiras diárias: a que sai às oito da manhã para Lamego e a que regressa, ao fim da tarde, a Armamar”, informa o autarca. “Se as pessoas se deslocarem por transporte público, às oito da manhã, terão de passar o dia todo em Lamego, com os custos que isso comporta”, abrangendo as testemunhas, verifica João Paulo Fonseca, na certeza de que o encerramento de tribunais contraria o Estado de Direito democrático e prejudica os interesses das populações.

A propósito, o Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), em Abril de 2014, emitiu um comunicado em que afirmava que o fecho de tribunais e a requalificação em secções de proximidade, ao abrigo do novo mapa judiciário, em vigor a partir de 1 de Setembro desse ano, “mais não é do que uma violação grosseira do direito das populações mais desfavorecidas de acesso à Justiça”.

No mesmo comunicado, o SOJ reiterava que os “critérios, pouco transparentes, de que se socorreu o Ministério da Justiça para encerrar os tribunais demonstram de forma clara uma violação do direito das populações ao acesso à Justiça”. Nessa oportunidade, o SOJ declarava que “os elementos estatísticos apresentados, embora reais, são parte da verdade e foram sele[c]cionados, de forma criteriosa, afastando assim, gravosamente, as populações do acesso real à Justiça”.

Ao certificar que a reorganização judiciária desencadeou muitas críticas de agentes judiciais, dos municípios e das populações, o autarca João Paulo Fonseca releva “o peso simbólico dos tribunais”, aludindo que “a Justiça é um direito básico das populações”. “Além da presença do edifício, em si, as pessoas julgadas na própria terra estão sob o olhar dos seus concidadãos mais próximos”, o que, a par do cunho punitivo, induz o aspecto preventivo.

Retrocedendo no tempo, na acta da reunião ordinária da Câmara Municipal de Armamar, realizada a 28 de Março de 2014, lemos que foi dado conhecimento, no período antes da ordem do dia, do voto de repúdio “Para que o Interior de Portugal não se extinga”, através de um ofício enviado pelo município de Sernancelhe, em que “reafirma a sua não concordância com o encerramento de serviços de forma indiscriminada”, manifestando “total solidariedade com os Municípios que neste momento sentem o flagelo do encerramento dos seus tribunais” (sic).

“Os elementos estatísticos apresentados, embora reais, são parte da verdade e foram sele[c]cionados, de forma criteriosa, afastando assim, gravosamente, as populações do acesso real à Justiça”

“Impactos negativos no tecido comercial”

Sob a perspectiva económica, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, o qual procedeu à regulamentação da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) e que também estabeleceu o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais, “houve impactos negativos no tecido comercial local”, sustenta o nosso entrevistado, elucidando que “os dias de audiência eram importantes para os cafés e restaurantes”, entre outros estabelecimentos da vila de Armamar. “Alguns advogados, embora não tenham deixado de exercer localmente, abriram escritório onde estava o tribunal”, informa ainda João Paulo Fonseca.

Mais de dois anos depois, como menciona a acta da reunião ordinária da Câmara Municipal, efectuada a 6 de Janeiro de 2017, o vereador António Silva, ao tomar a palavra no período de antes da ordem do dia, regozijou-se pelo início da actividade do Juízo de Proximidade de Armamar e transmitiu o agradecimento do representante do Ministério da Justiça pelo “contributo do município de Armamar para esse facto”. Nessa ocasião, aquele vereador social-democrata criticou “a falta de informação sobre as visitas a Armamar de dignitários do Governo de Portugal” (XXI Governo Constitucional, liderado por António Costa), tendo sido secundado pelo presidente da autarquia, que falou da “dificuldade em confirmar o rumor da vinda a Armamar, em breve, da Ministra da Justiça [Francisca Van Dunem]”.

De facto, foi a secretária de Estado adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro, quem que visitou, a 20 de Janeiro, as instalações do Tribunal de Armamar, reactivado como Juízo de Proximidade da Comarca de Viseu, no âmbito dos ajustamentos à Organização do Sistema Judiciário introduzidos, em Dezembro de 2016, pelo Governo socialista. No decurso da visita de Helena Mesquita Ribeiro, o edil João Paulo Fonseca solicitou o regresso do arquivo processual a Armamar, atendendo a uma “maior facilidade e rapidez no tratamento dos processos”, pedido que contou com a imediata anuência da governante, como informava o jornal Notícias de Viseu, na sua edição digital.

Regista-se ainda, em acta, que o vereador Luís Pinto reiterou a sua oposição ao encerramento do Tribunal Judicial de Armamar, tendo considerado “melhor que nada” a solução encontrada.

Em entrevista ao sinalAberto, o presidente da edilidade reafirmou querer ver “revertido, na sua totalidade, o processo da reforma judiciária que aconteceu com o Governo que tomou essa decisão”. “Sinceramente, não acho isso possível. Agora, entre não ter nada ou ter um juízo de proximidade, preferimos esta instância”, diz, embora “tudo dependa de quem ocupa os cargos de juiz e de procurador da República”. “Temos uma situação que nos satisfaz: já são realizadas várias audiências no tribunal de Armamar. Tem havido essa sensibilidade por parte dos magistrados”, salienta João Paulo Fonseca, denotando que, “em determinadas situações, os cidadãos têm de fazer algumas contas para perceberem se vale a pena recorrer à Justiça”. “E isso é um mau princípio! A Justiça tem de estar acessível a todos, independentemente dos valores das acções e daquilo que está em causa. O que importa é que se faça justiça. Sinto que, por vezes, os munícipes não recorrem porque sabem que os custos são de tal forma elevados que não vale a pena avançar para o tribunal”, comenta o edil.

O mapa judiciário que envolveu a constituição de 23 novas comarcas, a que correspondem os grandes tribunais judiciais (cuja sede coincide, como já aludimos, com os distritos administrativos, exceptuando em Lisboa e no Porto, que se dividem em três e em duas comarcas), mexeu com as competências das instâncias locais ou antigas comarcas. Nesse quadro, “o balanço é totalmente negativo”, sustenta o presidente da Câmara Municipal de Armamar. Para este autarca, “não faz sentido que se encerrem vinte tribunais, incluindo o nosso, com consideráveis custos sociais, deixando uma franja da população sem o acesso directo ao direito básico da justiça”. “Eu manifestei-me contra, na devida altura, e continuo a achar que não fez sentido nenhum esta reforma e esse encerramento. Com a reabertura [em 2017], como juízo de proximidade, dá-se acesso a meia justiça ou a um quarto de justiça”, critica este político local, acusando ter havido “perda de soberania e de coesão territorial”, especialmente quando foi rejeitada uma nova agregação dos tribunais de Armamar e de Tabuaço, com a possibilidade de partilha de recursos humanos e de contenção nas despesas.

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“Quem nos tirou o tribunal foi esse Coelho…”

Na tarde de 28 de Julho (quarta-feira), falámos com o “Frank Sinatra” de Armamar. Actualmente, com 85 anos de idade, o bom humor de Fernando do Nascimento fá-lo revigorar a árvore genealógica da família Magalhães, natural deste concelho que se estende, com os seus vinhedos, as macieiras e os pomares de cereja, nas encostas do Douro. Trabalhou como encarregado do serviço municipal de água e saneamento, durante 43 anos, e conhece a sua terra como poucos. Comunista, desde muito novo, é combativo nas convicções. Afirma que chegou “a ser preso, no tempo de Oliveira Salazar”. E recorda que esteve também para ser detido, em Abril de 1959, quando o almirante Américo Tomás, então Presidente da República, visitou a região Norte, para inaugurar a barragem hidroeléctrica do Picote, em Miranda do Douro. Nessa altura, o ainda jovem adulto, trocou alguns comentários jocosos com o proprietário do café onde costumava jogar bilhar: “Ó Vitoriano, então, que raio de país é este que nem tem um Presidente da República que saiba ler? Está, ali, a soletrar as letras…” Segundo, Fernando Magalhães, dois agentes da PIDE, que “mais pareciam ser dois caixeiros-viajantes”, ouviram-no e dirigiram-se ao posto da Guarda Nacional Republicana para confirmarem de quem se tratava. Valeu-lhe o presidente da Câmara do velho regime que intercedeu a seu favor. Assim, pôde continuar a imitar o cantor norte-americano de sangue latino, sem saber Inglês, mas capaz de se aproximar da musicalidade de canções como Day In, Day Out ou The Song Is You. “A rapaziada amiga gostava”, salienta.

A respeito do antigo tribunal de Armamar, o risonho “Frank Sinatra” aponta para o edifício requalificado da Câmara Municipal e expressa: “Vê aquelas duas janelas? Era ali que estava. Mas também estavam a Repartição de Finanças e a Conservatória do Registo Civil…”

Questionado sobre qual foi a reacção da população local sobre o fecho do tribunal, em 2014, responde: “Ninguém quis saber disso! Às vezes, nos cafés, falávamos uns com os outros: “Então, o tribunal vai para Lamego?” “Ainda lá fui, como testemunha e tive de me deslocar de carro, porque há poucos transportes. Esta terra não desenvolve nada!”, critica Fernando Magalhães, recordando ter sido um concelho bastante povoado. “Agora, somos muito poucos!”, nota, observando: “Só eu, tenho três filhos fora daqui: dois em Lisboa e outra em Coimbra. Contudo, o concelho de Armamar não precisa do Banco Alimentar. Toda a gente semeia umas batatas.”

“Aqui é raro haver crimes. Mas, nesse período, se eu precisava de um registo criminal tinha de ir a Lamego. Hoje, vai-se ali e pronto! Não funciona como o Tribunal de Lamego ou como era antes, mas, ao menos, ainda lá tem alguém para nos atender. Sempre é melhor do que nada!”, declara ao sinalAberto, gracejando: “Quem nos tirou o tribunal foi esse Coelho… [referindo-se ao anterior primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho] Ai se o apanho com a bengala!”

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“As pessoas viram-se obrigadas a deslocar-se para outros tribunais”

Na opinião da representante da Ordem dos Advogados (OA) em Armamar, a metodologia que justificou o fecho, em 2014, de 20 tribunais (incluindo a antiga comarca local), no contexto do novo mapa judiciário não foi correcta. “Não, uma vez que não foi tido em conta o factor da interioridade, pois Armamar fica a cerca de 25 quilómetros [km] de Lamego e a 80 km de Viseu”. Essa decisão do Ministério da Justiça, através da Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), “teve bastante impacto socioeconómico, uma vez que os processos passaram a ser transitados nos tribunais de Viseu e de Lamego, passando o de Armamar a ser, apenas, um juízo de proximidade”, afirma a advogada Cândida Porfírio.

“Durante o encerramento referido [de Setembro de 2014 a Janeiro de 2017] não houve aumento de criminalidade em Armamar”, informa a jurisconsulta, observando que, “no entanto, os inquéritos passaram a ser tramitados em Lamego ou em Viseu”.

No entender da mesma causídica, o encerramento desses tribunais contrariou as políticas de proximidade e de coesão territorial, sobretudo porque afectou “a população do Interior, nomeadamente de Armamar”. “As pessoas viram-se obrigadas a deslocar-se para outros tribunais, muitas vezes, em transportes próprios, pois nem sempre têm transportes públicos, acarretando custos e tempo”, alegou Cândida Porfírio.

A jurista concorda com a reactivação ou reabertura dos aludidos tribunais, embora constate que o tribunal de Armamar seja, agora, um juízo de proximidade e que “as diligências do Ministério Público sejam realizadas ou em Lamego ou em Viseu”. Por conseguinte, “neste juízo de proximidade, apenas são realizados alguns julgamentos, quer penais quer civis”. Tal situação, segundo a delegada da OA em Armamar, permite-nos questionar sobre a inoperância ou a inadequação dos políticas de proximidade.

“As pessoas viram-se obrigadas a deslocar-se para outros tribunais, muitas vezes, em transportes próprios, pois nem sempre têm transportes públicos, acarretando custos e tempo”

Admitindo que a reforma judiciária de 2014 se deveu a pressões da Troika, a advogada Cândida Porfírio crê que foram “poucos ou nenhuns” os valores da poupança efectuada com o encerramento dos tribunais. A nível local, “o edifício do tribunal tinha e tem excelentes condições”. Todavia, “continuam a ter despesas”, apesar de terem reduzido “o número de funcionários, que foram deslocados para outros tribunais”.

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“A Justiça devia ser próxima dos cidadãos”

Para a nossa entrevistada, “a Justiça devia ser próxima dos cidadãos e não vista numa perspectiva economicista”. Ou seja, considerando que a justiça mantinha uma matriz de cerca de dois séculos, a finalidade fundamental da reorganização do mapa judiciário, na percepção da delegada da OA em Armamar, foi conjecturada “apenas de um ponto de vista economicista”.

Segundo a advogada Cândida Porfírio, foi precipitado o avanço do novo mapa judiciário em Setembro de 2014, porque “deveria ter sido vista a situação de uma forma mais pormenorizada e não apenas pelo número de processos que cada comarca tramitava”. “Além de que deveriam ter em atenção que estas comarcas do Interior ficam mais empobrecidas e se encontram longe dos tribunais para onde foram distribuídos os processos, acarretando despesas para os cidadãos, em geral, e também para os mandatários”, especifica a jurista.

Embora não possa assegurar que os tribunais temporariamente fechados tenham contribuído, directamente, para um aumento de desertificação nos municípios, Cândida Porfírio recorda que, por exemplo, “os funcionários judiciais viram-se obrigados a trabalhar noutros tribunais”. Por outro lado, “a justiça está cada vez mais distante dos cidadãos, não obstante a tramitação ser electrónica”.

“A nível do Processo Penal, qualquer diligência de inquérito é realizada fora do Juízo de Proximidade de Armamar, dependendo da diligência. Ou é realizada em Lamego (Ministério Público) ou em Viseu, locais para onde os cidadãos se têm de deslocar a expensas próprias, bem como os mandatários”, clarifica a delegada da OA em Armamar, apercebendo-se que, nessas circunstâncias, “acarreta um maior desperdício de tempo e mais despesas”.

Questionada acerca do balanço da entrada em vigor do novo mapa judiciário, no qual se verificaram algumas alterações em 2017, a causídica pensa que “falhou tudo”. “As pequenas alterações introduzidas em 2017 só se tornaram mais positivas quando passou a realizar-se grande parte dos julgamentos no Juízo de Proximidade de Armamar, mas, mesmo isso, normalmente a requerimento dos mandatários”, menciona Cândida Porfírio.

Diz a jurista que não se pode afirmar que a redefinição do mapa judiciário atingiu os objectivos então apontados pelo Governo de Passos Coelho. “Creio que não”, sublinha, comentando: “A situação ideal, a meu ver, era a que vigorava anteriormente, sendo uma justiça de proximidade e não tendo apenas uma visão economicista.”

“Creio que não se verificou qualquer alteração substancial. Os processos não tramitaram de forma mais célere e têm um custo acrescido para todos os cidadãos”, confirma a representante da OA em Armamar, admitindo que não está garantido o direito ao acesso de todos os cidadãos aos tribunais e à justiça.

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A comarca de Resende tinha tribunal de competência genérica

Ao procurarmos caracterizar o município de Resende, no distrito administrativo de Viseu e na que não veio a ser a circunscrição do Baixo Tâmega-Norte (ao abrigo da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ou Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que o segundo executivo liderado pelo socialista José Sócrates não fez vingar, porque, em Maio de 2010, suspendeu o alargamento do respectivo mapa judiciário; diga-se ainda que o primeiro-ministro que lhe sucedeu, o social-democrata Pedro Passos Coelho, também não quis dar continuidade a essa reforma judiciária), não podemos deixar de verificar que este concelho reduziu, igualmente, a sua população, entre 2001 e 2011, passando de 12.370 para 11.371 habitantes – esclareça-se que os dados então avançados pela Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) não coincidem com os registos definitivos do Instituto Nacional de Estatística (INE), que indicam 11.364 residentes em Resende (com base nos Censos 2011).

Na realidade, quase mil pessoas deixaram de constar nos registos demográficos concelhios, o que equivale a uma redução de 8,08%. Todavia, segundo conferimos na Pordata, no período de 2010 a 2019, este município continua a perder gente. De facto, o número de residentes passou de 11.467 para 10.189, verificando-se um correspondente aumento no índice de envelhecimento local, de 139 para 199.

Na leitura dos resultados preliminares do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação (Censos 2021), divulgados pelo INE em 28 de Julho, apreendemos que a variação da população residente neste município, entre 2011 e 2021, foi de -11,5%. Ou seja, essa tendência negativa acentuou-se na última década, envolvendo um decréscimo demográfico de 1.311 indivíduos.

A Comarca de Viseu assentava, em Janeiro de 2012, no distrito administrativo que compreendia o conjunto das então comarcas de Armamar, de Castro Daire, de Cinfães, de Lamego (que incluía Tarouca), de Mangualde (abrangendo Penalva do Castelo), de Moimenta da Beira (envolvendo também Penedono e Sernancelhe), de Nelas, de Oliveira de Frades, de Resende, de Santa Comba Dão (abarcando Carregal do Sal e Mortágua), de São João da Pesqueira, de São Pedro do Sul, de Sátão (incluindo Vila Nova de Paiva), de Tabuaço, de Tondela, de Viseu e de Vouzela.

Acerca da organização e dos recursos humanos da comarca de Resende, cujo tribunal era de competência genérica, vemos que lhe estava consignado um juiz no quadro legal, o qual exercia funções locais, como releva correspondente informação de 16 de Junho de 2011. O mesmo se verificava com um magistrado do Ministério Público, também único no respectivo quadro legal e em exercício nesse tribunal. A comarca resendense tinha ainda cinco oficiais de justiça no seu quadro legal, mas dispunha de seis destes profissionais em exercício.

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DGAJ contabilizava 369 processos na comarca de Resende

A propósito de movimento processual e da média das entradas, entre 2008 e 2010, a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) contabilizava 369 processos na comarca de Resende. Como foi divulgado em Janeiro de 2012, no Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária, esses processos estavam distribuídos, por ordem decrescente, da seguinte maneira: 86 execuções, 56 processos no âmbito da Família e Menores (FM), 52 processos de média instância cível, 48 processos na área do Trabalho, 47 processos de média instância criminal, 33 processos de pequena instância criminal, 19 processos de pequena instância cível, 15 processos de grande instância cível, bem como nove processos de instrução criminal, de três processos no foro do Comércio e, ainda, de um processo de grande instância criminal.

No início de 2012, a resposta judiciária na comarca de Resende era cumprida nas áreas do Cível, do Penal, da FM e do Comércio. Todavia, os conflitos laborais eram resolvidos no Tribunal do Trabalho de Lamego.

Ainda na instância central do Tribunal Judicial do Distrito de Viseu (TJDV), a DGAJ assegurou a Secção Cível e a Secção Criminal, ambas com sede na cidade de Viseu e com competência territorial distrital.

Atendendo às secções de competência especializada, o Ministério da Justiça reconhecia a existência da 1.ª Secção do Trabalho em Lamego, cuja área de competência territorial se estendia aos municípios de Armamar, de Cinfães, de Lamego, de Moimenta da Beira, de Penedono, de Resende, de São João da Pesqueira, de Sernancelhe, de Tabuaço e de Tarouca. Por outro lado, a 2.ª Secção do Trabalho, com sede em Viseu, assumia competência territorial nos municípios de Castro Daire, de Carregal do Sal, de Mangualde, de Mortágua, de Nelas, de Oliveira de Frades, de Penalva do Castelo, de Santa Comba Dão, de São Pedro do Sul, de Sátão, de Tondela, de Vila Nova de Paiva, de Viseu e de Vouzela.

A DGAJ indicava também a Secção de Execução sediada em Viseu, sendo a sua área de competência territorial para todo o distrito. O mesmo sucedendo com a Secção de Comércio e com a Secção de Instrução Criminal (SIC), ambas localizadas na cidade de Viseu e com competência territorial distrital. No entanto, por determinação legal, em relação à SIC, “pode ser estabelecido que a intervenção do juiz de instrução criminal possa ocorrer em diversos postos da comarca”.

Na expectativa de um volume processual subsistente à aludida especialização, foi presumido, na actividade da comarca de Resende, um movimento de 71 processos em matéria cível e de 80 processos em matéria criminal, totalizando 151 processos, traduzindo, para a DGAJ, “um volume processual muito reduzido”.

No mencionado Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária, publicado em Janeiro de 2012, apreendemos que a população residente no distrito de Viseu “sofreu uma redução de 4,24% nos últimos 10 anos”, de acordo com os dados preliminares dos Censos 2011.  Assim, exceptuando o município de Viseu, “em todos os outros verificou-se uma diminuição da população residente”.

Em relação à Secção de Instrução Criminal, “pode ser estabelecido que a intervenção do juiz de instrução criminal possa ocorrer em diversos postos da comarca”

Recorrendo à análise de diversos factores, como o movimento processual, a evolução demográfica e a existência de instalações tidas como adequadas, além das “alternativas de acesso à informação para apoio ao cidadão”, a exemplo dos Julgados de Paz e dos seus postos de atendimento, bem como dos Postos de Atendimento ao Cidadão (PAC) – os quais funcionam como extensões das Lojas de Cidadão e se localizam, geralmente, nas câmaras municipais –, a DGAJ propunha a extinção de seis comarcas no distrito de Viseu, nomeadamente, as de Armamar, de Castro Daire, de Nelas, de Oliveira de Frades, de Resende e de Tabuaço.

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Foram encerrados os tribunais de Armamar, de Resende e de Tabuaço

Com efeito, ao abrigo da reforma implementada a 1 de Setembro de 2014, através da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, foram encerrados os tribunais de Armamar, de Resende e de Tabuaço. Os tribunais de Castro Daire e de Oliveira de Frades foram transformados, então, em juízos de proximidade. No entanto, com o Decreto-Lei n.º 86/2016, de 27 de Dezembro, estes dois juízos de proximidade são extintos, dando origem a juízos de competência genérica.

A respeito da proposta de dissolução da comarca de Resende, a DGAJ justificava essa intenção assinalando “valores, quer de movimento processual quer de população, inferiores relativamente à comarca de Cinfães”. Em relação à evolução demográfica, com base nos dados preliminares dos Censos 2011, a comarca de Resende apresentava “uma diminuição da população em 8%”, enquanto Cinfães mostrava “uma redução de cerca de 9%”. Sob o ponto de vista do Ministério da Justiça (MJ), existem “bons acessos rodoviários entre os dois municípios”.

Quanto às instalações, “o edifício onde o Tribunal de Resende está instalado é da propriedade da Câmara Municipal e o edifício de Cinfães é da propriedade do Instituto de Gestão Financeira e Infraestruturas da Justiça (IGFIJ)” – actual Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça –, mas, para o MJ, este último edifício “dispõe de melhores instalações e de condições mais adequadas” ao funcionamento do respectivo tribunal. Acresceu ainda o facto de o município de Resende dispor de um posto de atendimento de Julgados de Paz.

Um ano após a introdução da nova reforma judiciária, o advogado Paulo Rocha regista (num artigo publicado na revista Julgar) que o Interior Norte, em especial no distrito de Viseu, é “provavelmente” uma das zonas do País “onde se verificou a maior quebra na propositura de novas a[c]ções com destaque para os tribunais de Sátão, Nelas, Santa Comba Dão e sobretudo Tondela”. Então, o articulista salientava serem de “assinalar especificamente as secções de S. João da Pesqueira e Moimenta da Beira”, cujos munícipes “têm uma grande dificuldade de acesso físico à justiça das instâncias centrais pelas muito especiais características das vias de comunicação e falta de transportes públicos, encontrando-se a ser gizado um plano de recurso aos transportes escolares”.

No contexto histórico da organização da justiça, o académico Nuno Garoupa escreve que, ao longo do século XX, “a complexidade e importância da organização do sistema de justiça foi-se afirmando”. Para o autor do ensaio O Governo da Justiça – obra publicada em Setembro de 2011 –, as “várias reorganizações do governo da justiça ocorridas no nosso país obedeceram primeiramente a pressões políticas (em virtude dos diferentes ciclos políticos vividos), e só marginalmente à crescente importância da justiça no desenvolvimento económico e social de Portugal”. Consequentemente, este académico constata que, ao “contrário da economia e da sociedade, a justiça continuou fechada sobre si mesma”.

Confrontados com o anexo do documento Indicadores de A[c]tividade nos Arquivos dos Tribunais 2014, publicado pela Direcção-Geral da Administração da Justiça, em Março de 2015, notamos que, igualmente na Comarca de Viseu, ao ser encerrada a instância de Resende, o seu arquivo, correspondente ao ano de 2014, foi transferido para o Arquivo Central de Viseu, acumulando uma extensão de 368 metros de prateleiras e uma extensão documental com 282 metros, de que advém um saldo positivo de 86 metros. O mencionado relatório também não nos informa quanto ao total de processos eliminados e remetidos para o arquivo distrital, entre 2003 e 2014, mesmo admitindo que a redução da massa documental dos arquivos dos tribunais constitui um aspecto importante para a pretendida requalificação dos tribunais, sob o ponto de vista da gestão dos espaços de arquivo, da melhoria das condições para a conservação e da dinamização do fluxo documental de processos.

Tomada de conhecimento do anteprojecto de decreto-lei

Ao consultarmos as deliberações e as actas das reuniões do executivo da Câmara Municipal de Resende, verificamos que, a 2 de Abril de 2012, “foi presente, para conhecimento, uma moção aprovada na reunião realizada em 29 de Fevereiro na sede da Ordem dos Advogados em Lisboa” (sic) sobre o encerramento do Tribunal Judicial da Comarca de Resende, tendo o presidente, António Manuel Leitão Borges, dado “nota do ponto da situação, designadamente informando que nenhum Presidente de Câmara ainda tinha sido recebido pela Sr.ª Ministra da Justiça” (sic), aludindo a Paula Teixeira da Cruz (no XIX Governo Constitucional, iniciado em 20 de Junho de 2011 e liderado pelo social-democrata Pedro Passos Coelho).

Refira-se que o então presidente da Câmara Municipal de Resende, o socialista António Leitão Borges, teve como sucessor o também socialista Manuel Joaquim Garcez Trindade, cuja lista candidata (pelo PS) às eleições autárquicas de 2013 obteve a maioria absoluta (ao alcançar 50,71 por cento dos votos), permitindo-lhe quatro dos sete lugares atribuídos a esta edilidade.

Relativamente às deliberações da reunião do executivo que decorreu a 6 de Novembro de 2013, ficamos a saber que foi tomado conhecimento do anteprojecto de decreto-lei do Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais. Na ocasião, o novo presidente de Câmara (Manuel Garcez Trindade) foi o primeiro a intervir: “Trata-se de um assunto delicado uma vez que o que está em causa, neste anteprojeto, é efetivamente o nosso Tribunal deixar de existir, pura e simplesmente. Várias ilações se tiraram. Eu já fui abordado por algumas pessoas do concelho no sentido de se elaborar aqui uma estratégia de contacto em primeira mão com a senhora Ministra, e nesse sentido, propus-me a redigir uma carta dirigida à senhora Ministra, como também já tinha sido feito no ano passado pelo anterior executivo e que já tinha dado lugar inclusive a algum diálogo entre o Município de Resende e o Ministério da Justiça, que porém não deu em nada. [sic]”

Continuando a ler a acta da reunião do executivo camarário de Resende, realizada a 6 de Novembro de 2013, recuperamos a intervenção do autarca Manuel Garcez Trindade: “Muito embora da parte do Município fossem apresentadas as razões pelas quais as pessoas de Resende não concordavam com os critérios que foram escolhidos para excluir a continuação do Tribunal em Resende e que na realidade o que se passava no nosso Município era absolutamente diferente e que contrariava esses pressupostos, não houve nenhuma evolução favorável para o caso de Resende e agora este anteprojeto vem efetivamente dizer que tal assim é infelizmente. [sic]”

Ao transcrevermos, na íntegra, o que acta da mesma reunião ordinária desta edilidade regista, reavivamos os argumentos do socialista Manuel Garcez Trindade: “As razões serão múltiplas, mas penso que a razão principal, prende-se, mais uma vez, com a razão política, ou seja, quem está no poder exerce esta ação política e ‘quem não estiver bem, que se ponha’, o que é o nosso caso. Penso que pela análise feita a este documento, que Resende eventualmente poderia ter sido contemplado com uma secção de proximidade, porque a legislação agora aprovada recentemente, prevê a secção de proximidade, desde que as partes em litígio[,] e estamos a falar em questões de Tribunal,  estiverem de acordo quanta a requisição de um Juiz. lsto já faz parte agora da nova legislação pelo que esta secção de proximidade, desde que estejam garantidos estes pressupostos, traria um Juiz a fazer julgamentos em Resende.”

“As pessoas de Resende não concordavam com os critérios que foram escolhidos para excluir a continuação do Tribunal”

“Significa, isto, que eventualmente nós continuaríamos a ter julgamentos em Resende e que isso arrastaria a presença das pessoas em causa, de testemunhas e toda a dinamização económica e social que isto envolve e que costuma haver aqui na nossa Vila e que está ligado à existência do nosso Tribunal”, manifestava o presidente da Câmara Municipal de Resende, como regista a Acta n.º 21 de 2013, relativa à reunião ordinária do executivo, concretizada em 6 de Novembro.

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“Alguma ilação política sobre esta questão”

Nessa conformidade, o edil prosseguiu: “De todos os concelhos do Distrito de Viseu, nesta reorganização, apenas três deixam de ter qualquer tipo de relação direta com o seu Tribunal, Castro Daire, Resende e Tabuaço. Portanto, tirando aqui alguma ilação política sobre esta questão, sabemos que Castro Daire é um concelho do Partido Socialista e Resende também. Tabuaço não é, desta feita, mas tudo levava a crer que também o seria e que eventualmente seria o Partido Socialista que continuaria a dirigir o Município, porém tal não aconteceu, encontrando-se aqui também contemplado. Isto é um anteprojeto e eventualmente poderá haver aqui lugar a alterações, não é um documento final e nesse sentido eu disponibilizei-me para, uma vez mais, voltar a escrever à senhora Ministra. Pedi inclusivamente que me fossem fornecidas, penso que o serão ainda durante o dia de hoje, as estatísticas relacionadas com a atividade do nosso Tribunal durante o ano de 2013, uma vez que a carta redigida no ano passado só possuía as estatísticas dos anos de 2011 e 2012, não estando contemplada a estatística do ano de 2013 [como transcrevemos, na íntegra].”

Dando seguimento à sua intervenção, o presidente da autarquia de Resende expressa: “O senhor Secretario Judicial já nos fez o favor de entregar esse documento e esses elementos incorporarão a carta que eu irei enviar à senhora Ministra no sentido de lhe pedir uma audiência, uma vez mais, para voltarmos a apresentar outra vez estas questões, que me parecem pertinentes e que pelos vistos presidiram à exclusão do nosso Tribunal neste anteprojeto. Portanto, o que proponho ao executivo é um pedido de audiência acompanhado de alguma explicação da situação e de ‘in loco’ a senhora   Ministra ouvir as razões veiculadas pelo Presidente da Câmara, eventualmente acompanhado por algum elemento da parte jurídica e encetarmos aqui uma conversa no sentido [de] dizer à senhora Ministra e de fazer ver que Resende, comparando aqui com os casos de Oliveira de Frades, São João da Pesqueira e Vouzela, que são os concelhos que estão contemplados com as secções de proximidade, que Resende também deveria cá estar, no sentido de conseguirmos manter o nosso Tribunal.”

“Até porque não é só o facto de termos uma quantidade de ações de julgamento muito superior àquilo que era pedido, ou àquilo que foi estabelecido como limite, também há o facto de nós termos aqui, no caso do nosso Tribunal fechar, a audição das testemunhas, inclusivamente segundo me consta e segundo as informações que me têm chegado, a maior parte destes julgamentos têm defensores oficiosos, portanto será o Estado quem pagará aos advogados e também pagará as deslocações e despesas das testemunhas, o que obrigará aqui a uma despesa suplementar do Estado, no sentido de custear o transporte das testemunhas para outros locais”, argumenta Manuel Garcez Trindade.  

Na mesma ocasião, como assenta a Acta n.º 21 (de 2013) do executivo municipal de Resende, o edil alega ainda: “Acresce também o facto [de o] nosso Tribunal, não ter praticamente qualquer encargo, uma vez que o edifício do Tribunal é do Estado, não paga renda e encontram-se lá sediados outros serviços, como a Loja da Cidadão, Registos, etc. O edifício irá continuar a funcionar, a não ser que acabem também com a Loja da Cidadão e com os outros serviços lá sediados. Pode ser que acabem com tudo, e pronto, fica ali o nosso Tribunal às moscas.”

“Penso que temos aqui argumentos para apresentar e esta audiência será também a primeira reação do Município de Resende a este anteprojeto, no sentido de tentarmos conseguir que o nosso Tribunal continue a funcionar, como é o nosso desejo.  Estamos agora num novo executivo e temos uma situação muito grave para resolver e gostava de saber e peço que apresentem aqui uma proposta atual, qualquer coisa que seja novo deste executivo e do qual o PPD/PSD.CDS-PP também faz parte e que nós possamos eventualmente pôr em prática para tentarmos resolver esta questão”, concluiu o presidente da Câmara Municipal de Resende.

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Participação no protesto nacional contra o novo mapa judiciário

Oito meses depois, na reunião ordinária da Câmara Municipal de Resende realizada a 2 de Julho de 2014, o presidente da edilidade apresentou, para aprovação, uma proposta quanto à participação no protesto nacional relativamente ao novo mapa judiciário.

Na mesma sessão da autarquia, Manuel Garcês Trindade esclareceu que se tratava de uma iniciativa da Ordem dos Advogados (OA), tendo o executivo sido contactado pela então delegada da OA em Resende, Cláudia Vieira, no sentido de saber qual a disponibilidade para a Câmara Municipal “estar presente”, tendo-lhe sido dada uma resposta positiva. Cláudia do Couto Vieira foi deputada na X Legislatura (tendo integrado o grupo parlamentar do PS, pelo círculo eleitoral de Viseu) e deputada na Assembleia Municipal, além de ter sido vice-presidente da Câmara Municipal local. Diga-se também que, no dia 28 de Abril de 2014, a bastonária da OA, Elina Fraga, participou na reunião da Assembleia Municipal de Resende, “fazendo uma intervenção em torno da alteração polémica do mapa judiciário”, como assinala o OA – Boletim da Ordem dos Advogados (em Setembro de 2015).

O presidente da autarquia informou, igualmente, que “era vontade do executivo alargar a participação na referida manifestação à população e a todos os membros da Assembleia Municipal, estando ainda em estudo qual o meio de transporte a utilizar”, sublinhando que daria conhecimento aos vereadores da coligação “PSD/CDS Por Resende”, para que participassem “também eles” na manifestação contra o encerramento do Tribunal de Resende.

Na mesma oportunidade, o vereador Jaime Bernardino Alves, da coligação “PSD/CDS Por Resende” (diga-se que o ex-presidente da comissão política do PSD de Resende foi nomeado, no dia 28 de Junho de 2011, para exercer o cargo de adjunto do Secretário de Estado da Economia e Desenvolvimento Regional, António Almeida Henriques), declarou que, na qualidade de eleitos, tudo fariam, “a nível interno, junto dos membros da Assembleia Municipal e membros das Assembleias e Juntas de Freguesia para fomentar a vontade de participação na manifestação contra o encerramento do Tribunal de Resende”, para que esta viesse a ter “a maior adesão possível”.

Efectivamente, como recorda o OA – Boletim da Ordem dos Advogados (edição n.º 130, de Setembro de 2015), a 15 de Julho de 2014, foi realizado “o Protesto Nacional de Cidadania contra o Novo Mapa Judiciário, convocado pela Ordem dos Advogados”, tendo os próprios jurisconsultos envergado a toga num acto simbólico de “defesa dos direitos de cidadania e de manifestação da força da Advocacia portuguesa”, junto da escadaria da Assembleia da República (AR).

Como consta na acta da reunião ordinária da Câmara Municipal de Resende efectuada em 16 de Julho de 2014, o presidente da edilidade enalteceu “a presença do executivo, praticamente na sua totalidade, bem como de alguma população de Resende, aos quais agradeceu a presença, esforço e vontade de demonstrar a sua insatisfação com o encerramento do Tribunal Judicial de Resende, na manifestação organizada pela Ordem dos Advogados, em Lisboa, no passado dia 15 de [J]ulho, com o obje[c]tivo de contestar o Novo Mapa Judiciário”.

(DR)

António José Seguro promete reposição da funcionalidade dos tribunais

Na mencionada sessão da Câmara, o edil socialista Manuel Garcez Trindade deu também conhecimento da sua participação, na AR e naquele mesmo dia, numa reunião organizada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS), em que esteve presente a bastonária da OA, Elina Fraga, assim como o secretário-geral do PS (António José Seguro, que terminaria o seu mandato a 22 de Novembro de 2014), tendo sido, como regista a Acta n.º 14/2014, “debatido o tema da Reforma Judiciária e o que esta implica quer para o concelho, quer para o País”.

O presidente da edilidade de Resende disse igualmente que, “mais uma vez e publicamente”, António José Seguro “manifestou a sua disponibilidade, na eventualidade de assumir responsabilidades de governação após a realização das eleições legislativas no ano de 2015, de proceder à reposição da funcionalidade dos tribunais que encerrarem”.

Por último, na reunião ordinária do executivo municipal de 16 de Julho de 2014, Manuel Garcez Trindade “referiu ainda ser este tempo de reviver memórias, uma vez que o concelho de Resende, que se encontra a celebrar os 500 anos do seu Foral, se vê ao mesmo tempo confrontado com o encerramento de serviços públicos como o Tribunal Judicial de Resende, que representa um Órgão de Soberania e que agora o estão a retirar”.

Note-se, igualmente, que o Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu em desfavor dos contestatários do novo mapa judiciário, a exemplo da rejeição da providência cautelar interposta pelo município de Resende contra o fecho do tribunal local. Ainda no distrito de Viseu, também o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) rejeitou a providência cautelar perante o encerramento do tribunal de Armamar.

Mais de dois anos após, em Janeiro de 2017, o Governo liderado pelo socialista António Costa faz aprovar a reactivação das 20 circunscrições extintas pela reforma do mapa judiciário de 2014. Nesse mesmo ano, nas eleições autárquicas realizadas a 1 de Outubro, a candidatura do PS (encabeçada novamente por Manuel Joaquim Garcez Trindade) reconquista a Câmara Municipal de Resende, mas por maioria relativa (com 47,42% dos votos), mantendo os quatro lugares que detinha no executivo.

Contactado atempadamente, através do gabinete de apoio à presidência (GAP), para uma entrevista acerca dos impactos do mapa judiciário no município de Resende, Manuel Garcez Trindade – não obstante a nossa insistência junto do GAP – adiou durante meses o respectivo agendamento, tendo, em finais de Julho do corrente ano, declinado a reunião com o sinal Aberto, alegando com a proximidade das eleições autárquicas de 26 de Setembro. Garcez Trindade volta a reganhar a edilidade, por maioria relativa (cuja expressão eleitoral foi de 49,01%) e com uma diferença de 143 votos sobre a candidatura do PPD/PSD, liderada por Fernando Silvério Cardoso de Sousa. Assim, no seu terceiro mandato como presidente do executivo municipal de Resende, ficamos sem saber o que pensa, actualmente, da redefinição do mapa judiciário e quais as situações que gostaria de ver rectificadas; ou que problemas foram criados pelo próprio mapa que ainda hoje têm implicações na comunidade local.

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“As camionetas já não são como antigamente”

“Por acaso, foi coisa de que nunca precisei!”, diz-nos Generosa de Jesus Pinto, a qual, quando o tribunal de Resende foi encerrado, sentiu que estavam a retirar serviços públicos ao concelho. Desconhecendo as distâncias quilométricas de Resende para Lamego, esta cidadã resendense, de 75 anos de idade, supõe que “ainda é um bocado longe e que as camionetas já não são como antigamente”.

Assim, Generosa de Jesus Pinto – com quem metemos conversa, enquanto lia um folheto informativo que lhe tinham dado no centro de saúde – pensa que seria difícil chegar a horas a uma audiência fora do tribunal de Resende. “No entanto, não posso responder bem a isso, porque não sei os horários das camionetas”, comenta esta aposentada, reparando: “Há anos que não vou lá! Quando precisei de ir a Lamego, ia sempre com a minha filha.”

Se “retirarem o tribunal” e outros serviços públicos, “depois não há cá nada”, salienta a cidadã, considerando que, dessa maneira, também “tiram muito trabalho ao pessoal”. “As pessoas, não tendo aqui, têm de procurar nos outros lados”, observa Generosa Pinto, recordando: “Entrei umas duas ou três vezes no tribunal; mas foi para ir ver uns julgamentos e o que diziam as testemunhas. Foi só para ver… Oxalá que a gente nunca precise disso! Eu, até hoje, nunca lá fui como testemunha nem como arguida ou qualquer coisa que seja. Graças a Deus, não foi preciso!”

Interrogada sobre o que representa o tribunal, enquanto um símbolo da terra que as pessoas respeitam e possam temer, Generosa Pinto considera que “se os crimes tiverem de acontecer, acontecem na mesma”.

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O encerramento do tribunal “causou um grande impacto no comércio local”

Manuel Joaquim Pinto recorda-se do descontentamento das pessoas com o fecho, em 2014, do tribunal de Resende. “Os cidadãos locais manifestaram-se, porque o que estávamos à espera que fosse feito não foi aquilo que foi posto em prática”, afirma este funcionário municipal, esclarecendo: “É que fecharem as portas a um tribunal que tem mais processos que Lamego. Isto foi dito por responsáveis da própria comarca. O PSD – que estava então no Governo – prometeu que não fecharia o tribunal e fechou-lhe, mesmo, as portas! Depois de o nosso presidente, Garcez Trindade, ter entrado na Câmara, conseguimos que as portas fossem reabertas, em 2017.”

“Foi provado que o nosso tribunal tem mais agendamento e mais processos do que, propriamente, a cidade de Lamego”, reiterou Manuel Pinto, reconhecendo que “esta situação de juízo de proximidade não pode continuar”. “O problema é que estamos a perder gente em Resende. E, ainda por cima, em vez de irmos ao tribunal de Resende, temos de ir a Lamego ou, raramente, a Viseu”, constata este funcionário municipal, de 54 anos de idade.

“Eu sou nascido e criado em Resende; e trabalho, aqui, na Câmara”, reforçou o nosso entrevistado, declarando que o encerramento, mesmo temporário, do tribunal “causou um grande impacto no comércio local”. “As pessoas, em vez de virem aqui almoçar, com o advogado e as testemunhas – ou também abastecerem-se de gasóleo e irem às compras –, passaram a fazer isso em Lamego”, argumenta Manuel Pinto, funcionário municipal há cerca de 35 anos, acrescentando que “um advogado, ao ir para Lamego ou para Viseu, vai cobrar muito mais aos seus clientes”. “Houve muita gente que não convocou ou que não foi buscar um advogado em Resende, procurando um outro fora, que já não tinha de se deslocar”, recorda este cidadão local, garantindo “haver transportes públicos adequados para Lamego, desde as seis da manhã às cinco da tarde”. “Estamos bem servidos de transportes públicos”, reafirma, admitindo que, “apesar de o autocarro não ser muito caro, a deslocação é sempre dispendiosa”.

Com a reabertura do tribunal, em 2017, não foram repostas as competências anteriores. “Por isso, o senhor presidente da Câmara, Garcez Trindade, não atirou a toalha ao chão. E continuamos sempre em luta, para termos o tribunal aberto a cem por cento. Eu acredito que, com toda a força e toda a vontade, nós vamos em frente. Não se trata, apenas, de política. Até porque nós temos, aqui, uma casa [o edifício do tribunal] com as mesmas condições da de uma cidade. Com umas condições do melhor! Está à prova de quem quiser entrar naquela casa”, expressa Manuel Pinto.

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“Acho mal que se retire um tribunal, mesmo a uma terra calma como esta!”

Encontrámos José Joaquim Rodrigues nas imediações do actual Juízo de Proximidade de Resende, na tarde de 28 de Julho, que assistiu ao encerramento desta instância (tribunal judicial), em Setembro de 2014. “A mim não me afectou muito. No tribunal, desde que foi inaugurado, nunca lá entrei”, confessa este agente policial aposentado. “Antigamente, era ali!”, apontando para o antigo edifício dos Paços do Concelho, onde, durante muito tempo funcionaram quase todos os serviços públicos deste município do distrito de Viseu, na região do Norte e sub-região do Tâmega e Sousa. A necessidade de espaço e de mais adequadas instalações obrigou a que os serviços de Finanças fossem transferidos, em 1984, para a Rua Dr. Nunes da Ponte. Quatro anos depois, os serviços de Notariado, de Registo Civil e Predial e o Tribunal de Resende foram deslocados para o Palácio da Justiça, inaugurado a 24 de Setembro (de 1988).

“Não sei nada disso! Eu tenho de ir tomar a vacina da covid-19”, justificava José Joaquim Rodrigues. “Ora, vamos lá ver! Eu, nessa altura, também ficava revoltado, mas não me manifestei. Não o podia fazer, porque estava na polícia”, explica este resendense regressado às origens. “Agora, sou contra uma coisa… Se houver um tribunal central, é o de Resende e não o de Lamego. Os de Cinfães vão para Lamego. E os daqui também vão para Lamego. Aqui, só tratam de coisas pequenas, como o roubo de ovelhas ou de umas galinhas”, critica o antigo agente policial na cidade de Lisboa, que (por força da sua profissão) “chegou a ser testemunha de vários crimes”. Quanto a transportes para Lamego, José Joaquim Rodrigues refere “haver camionagem” a que as pessoas podem recorrer. “Porém, acho mal que se retire um tribunal, mesmo a uma terra calma como esta!”, realçou o nosso entrevistado.

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“O encerramento dos tribunais afastou a justiça das pessoas e os cidadãos da justiça”

Para o advogado João Gama, a metodologia tida em consideração para o fecho, em 2014, de 20 tribunais no País, no contexto do novo mapa judiciário, não terá sido a mais correcta. “Não creio, uma vez que o encerramento dos tribunais afastou a justiça das pessoas e os cidadãos da justiça”, alega o causídico, relevando a percepção de que “o encerramento do tribunal matou a vila de Resende, uma vez que, tendo sido deslocado para Lamego, o tratamento de todas as questões dos resendenses (do foro civil e criminal), levou a que fossem estes a deslocar-se àquela cidade para todas as diligências em que, por si e suas testemunhas, intervêm”.

No entender deste jurisconsulto, “o comércio local, mormente, cafés e restauração, barbeiros e cabeleireiras, sapateiros, lojas de roupas e produtos agrícolas, deixaram de ser frequentados, como antes eram, pela clientela que, aproveitando a intervenção nos processos judiciais ou por mera curiosidade, acedia à vila e realizava as suas compras, que passaram a realizar em Lamego”. 

Segundo o nosso entrevistado, habituado a dar consultas e a emitir pareceres na área do Direito, no período em que os tribunais estiveram fechados, “ a criminalidade, designadamente, furtos, tráfico de drogas, injúrias e ofensas corporais aumentou, na medida em que os agentes do crime se sentiram libertos do jugo judicial, que foi deslocado para Lamego, sendo que os ofendidos, atento o acréscimo de despesas com a tramitação processual naquela cidade, prescindem do exercício dos seus direitos e não apresentam queixa”. “Do que me é dado a conhecer, inclusive pelos agentes judiciais e judiciários, os processos das gentes de Resende são a maioria dos que tramitam os juízos locais Cível e Criminal de Lamego”, esclarece o causídico João Gama.  

Questionado sobre se o encerramento desses tribunais contrariou as políticas de proximidade e de coesão territorial, o mesmo advogado responde: “Claro que sim, e no caso de Resende mais notório que em qualquer outro concelho”. Na sua perspectiva, “a justiça quer-se junto dos cidadãos, à sua porta, para ser objectiva e célere, circunstância que se não compadece com a tramitação processual noutro concelho, para o qual não existem transportes públicos que permitam aos cidadãos comparecer às diligências para que são convocados e/ou têm de acompanhar, acrescendo custos que, já de si, são elevados”.

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“O encerramento dos tribunais não beneficiou as despesas do Estado”

João Gama concorda com a reactivação ou a reabertura dessas duas dezenas de tribunais, mesmo sabendo que perderam competências, apesar do desdobramento das secções especializadas. “Sim, concordo. Pela aproximação da justiça dos cidadãos, pela celeridade na sua realização e execução, pela menor onerosidade da sua concretização e, principalmente, pela verificação do direito de igualdade entre os cidadãos, unilateralmente repudiada, por falsos motivos economicistas, com o encerramento dos tribunais”, especifica.

Como depreende, “o encerramento dos tribunais não beneficiou as despesas do Estado”. “Se bem virmos a questão, o número de juízes manteve-se, os funcionários judiciais não foram reduzidos e nem as despesas administrativas sofreram alteração, uma vez que, apesar de encerrados e com perda da anterior dinâmica judiciária, todos os concelhos que viram os seus tribunais fechar portas, foram contemplados com Juízos de Proximidade”, argumenta.

“Aliás, entendo ter sido contraproducente o encerramento, como sucedeu com a quase maioria dos tribunais encerrados, como é o caso do de Resende, quando haviam sido objecto de gastos públicos avultados, pouco tempo antes do seu encerramento, na ordem das várias centenas de milhares de euros, que ficaram desaproveitados”, critica o jurista João Gama.

Considerando que a justiça mantinha uma matriz de cerca de dois séculos, o causídico resendense reconhece que a finalidade da reorganização do mapa judiciário foi um “mero capricho político de um Governo que, subjugando-se a uma ministra da Justiça ignorante no que toca à vida judiciária, impôs uma solução economicista infundada”.

Por conseguinte, o advogado crê que foi precipitado o avanço do novo mapa judiciário em Setembro de 2014. “O sistema deveria ser implantado progressivamente, começando por comarcas de muito diminuta actividade judiciária e progredindo para as demais que se comprovasse carecerem de reestruturação”, sustenta o jurisperito, adiantando: “Como se veio a verificar, o encerramento da quase totalidade dos tribunais que fecharam portas foi um grave erro político, facilmente verificável pela decisão, neste momento em estudo adiantado, da sua reabertura. Porque será?”

“Como já referi, o fecho dos tribunais deslocou os cidadãos para as comarcas onde os tribunais permaneceram abertos, desertificando os concelhos onde secularmente a justiça era feita à sua porta”, realçou. Nesse sentido, defende: “A Justiça, a par da Saúde e da Educação, tem de estar próxima e acessível, técnica, objectiva e logisticamente, dos cidadãos, sob pena de ser inoperante e cair, como creio que sucedeu com a implementação do mapa judiciário em referência, em descrédito”.

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Mapa judiciário traduz “um capricho ministerial de uma governante”

O advogado João Gama supõe que a tutela ministerial não fazia ideia do que era preciso para organizar o mencionado mapa judiciário. Na sua opinião, “foi construído por um gabinete ministerial localizado na capital, completamente alheio à realidade da justiça e às necessidades dos cidadãos, traduzindo um capricho ministerial de uma governante que não conhecia, quer por falta de experiência profissional, quer por falta de experiência judiciária, a realidade da justiça em Portugal”.

“Em Resende, falhou o empenho do executivo camarário, que se alheou completamente do problema do afastamento da justiça dos resendenses, tendo omitido a luta na defesa do acesso ao direito das gentes que o elegeu”, acusa João Gama

Em jeito de balanço, o jurista pensa que, “a nível nacional, falhou a proximidade da justiça dos cidadãos e a satisfação dos seus direitos essenciais constitucionalmente consagrados”. Localmente, “no concelho de Resende, falhou a seriedade do processo, fosse ela aritmética ou política, tendo-se verificado uma deturpação, alheamento dos parâmetros predefinidos para o encerramento dos tribunais, e uma errada decisão ministerial, uma vez que, a par do critério primordial para o efeito, da pendência dos processos existentes nas comarcas, concorriam os da acessibilidade e localização dos tribunais”.

A título de exemplo, o advogado João Gama recorda que “as extintas comarcas de Resende e de Castro Daire apresentavam pendências muito superiores à de Sátão, tendo-se verificado, na implementação do mapa judiciário, a permanência do Tribunal de Sátão e o encerramento dos outros dois referidos pretórios, sendo que o extinto Tribunal da Comarca de Castro Daire reabriu na reorganização administrativa de 2017”.

“Em Resende, falhou, outrossim, o empenho do executivo camarário, que se alheou completamente do problema do afastamento da justiça dos resendenses, tendo omitido a luta – política, popular e com recurso aos meios de comunicação em tempo oportuno – na defesa do acesso ao direito das gentes que o elegeu”, acusa o jurista.  

Quanto à especialização em algumas matérias, o mesmo causídico repara que “podia ter sido reorganizada judicialmente sem o encerramento dos tribunais, caso se tivesse verificado alguma sensibilidade governamental para os alertas dos cidadãos empenhados na justiça”. “A entrada em vigor do primeiro novo mapa judiciário foi a primeira catástrofe na época moderna para a Justiça em Portugal, parcialmente rectificado com a reorganização verificada em 2017, que, reconhecendo o erro do primeiro, repôs no segundo mapa judiciário em funcionamento alguns dos tribunais encerrados”, diz ainda João Gama ao sinalAberto.

A melhoria da reorganização judiciária passa, como interpreta João Gama, “apenas e tão-somente, pela reposição do status quo ante [locução latina que significa “no estado em que estava antes”], permitindo aos cidadãos, pela proximidade que se impõe, que vejam a justiça e a sintam à e na sua porta, pelo menos como sucedia antes da reorganização judiciária realizada”.

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Antiga comarca de Tabuaço é, hoje, um juízo de proximidade

Ainda fundamentados no resumo dos principais elementos extraídos dos Censos 2011, que são reproduzidos no Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária (publicado em Janeiro de 2012, pela Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), e que estruturou o documento Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária, divulgado seis meses após), vemos agora o caso do concelho de Tabuaço, no distrito de Viseu e que estava igualmente destinado à acção da então circunscrição do Médio Douro (no contexto da anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ou Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que não teve continuidade, por opções políticas do socialista José Sócrates – o qual suspendeu o alargamento do anterior mapa judiciário, em Maio de 2010 – e, posteriormente, do social-democrata Passos Coelho e da então ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz). Hoje, este município integra a Comunidade Intermunicipal do Douro e o seu antigo tribunal (de comarca concelhia) tem as funções de juízo de proximidade, assimilado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.

Quanto à sua população, em 2001, Tabuaço tinha 6.785 habitantes. Porém, no ano de 2011 (acolhendo os elementos extraídos pela DGAJ, a partir dos resultados preliminares desse momento censitário), era relevante a perda de 425 residentes, com base na variação demográfica negativa de 6,26%, nesses dez anos. Por sua vez, a Pordata situa-nos no período de 2010 a 2019 e informa que se mantém a tendência local de decréscimo populacional, de 6.396 para 6.025 pessoas. Em relação ao número de idosos por cada 100 jovens, é marcante a evolução do índice de envelhecimento neste município, de 179 para 318.

Os resultados preliminares do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação (Censos 2021), divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 28 de Julho, confirmam a preponderante tendência concelhia para a desertificação demográfica. Ao observarmos a variação da população residente no município de Tabuaço, entre 2011 (então, com 6.350 indivíduos, como regista definitivamente o INE) e 2021 (agora, com 5.039 habitantes), concluímos que, nos últimos dez anos, o concelho ficou com menos 1.311 pessoas. Curiosamente, Tabuaço perdeu uma parcela demográfica idêntica à do município de Resende entre os dois momentos censitários (de 2011 a 2021), embora a variação negativa da população tabuense seja muito mais acentuada (-20,6%) do que a que se apura em Resende (-11,5%).

O decréscimo populacional é, de facto, galopante. É paradigmática a situação em que a freguesia (ou união das freguesias) de Paradela e Granjinha, com cerca de nove quilómetros quadrados de área e apenas 99 habitantes, no município de Tabuaço, se esvazia de 45% da sua população, como mostram os resultados preliminares dos Censos de 2021. Ainda no mesmo concelho do distrito de Viseu, Longa é a segunda freguesia portuguesa que mais sofre com a diminuição populacional, tendo perdido 44% dos seus residentes.

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Comarcas de Armamar e de Tabuaço partilhavam um único juiz

Como já registámos, a Comarca de Viseu correspondia, em Janeiro de 2012, ao distrito administrativo, o qual incluía o conjunto das antigas comarcas de Armamar, de Castro Daire, de Cinfães, de Lamego (que englobava o concelho de Tarouca), de Mangualde (integrando Penalva do Castelo), de Moimenta da Beira (abrangendo os municípios de Penedono e de Sernancelhe), de Nelas, de Oliveira de Frades, de Resende, de Santa Comba Dão (abarcando Carregal do Sal e Mortágua), de São João da Pesqueira, de São Pedro do Sul, de Sátão (juntamente com o concelho de Vila Nova de Paiva), de Tabuaço, de Tondela, de Viseu e de Vouzela.

Acerca dos aspectos organizativos e dos recursos humanos, a DGAJ mencionava que as comarcas de Armamar e de Tabuaço – agregadas no âmbito da Portaria n.º 412-D/99, de 7 de Junho –, tinham um único juiz no seu quadro legal conjunto, o qual exercia funções nos dois tribunais de competência genérica. Recorrendo a informação que se reporta a 16 de Junho de 2011, é salientado o facto de estas duas comarcas partilharem, igualmente, apenas um magistrado do Ministério Público, profissional que desenvolvia actividade nos respectivos tribunais. No que se relaciona com os oficiais de justiça, o quadro legal atribuído à comarca de Tabuaço acolhia cinco destes profissionais, estando quatro deles em exercício de funções no correspondente tribunal de competência genérica. O mesmo se passava na comarca do Armamar, tendo-lhe sido atribuído um quadro legal com cinco oficiais de justiça, sendo quatro os profissionais que, na realidade, ali exerciam.

“Não corresponde à verdade que a média do movimento processual no tribunal de Tabuaço, nos anos 2008-2010, seja de apenas 174 processos”

Ao apreciar o movimento processual e a média das entradas, entre 2008 e 2010, a DGAJ registava 174 processos na comarca do Tabuaço, os quais estavam distribuídos, por ordem decrescente, desta forma: 50 execuções, 37 processos de média instância cível, 35 processos em matéria da Família e Menores (FM), 27 processos de média instância criminal, 10 processos de pequena instância cível, bem como cinco processos de pequena instância criminal, bem como de um processo de grande instância criminal, além de um processo no foro do Comércio e de, também, um processo de instrução criminal.

Como assinala uma carta dirigida, em 31 de Outubro de 2012, à ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), pelo então presidente da edilidade de Tabuaço (o socialista João Joaquim Saraiva Ribeiro), “não corresponde à verdade que a média do movimento processual no tribunal de Tabuaço, nos anos 2008-2010, seja de apenas 174 processos”, tal como consta do documento Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária, de Junho de 2012. Pois, a “média real do número de processos entrados no tribunal de Tabuaço (cível e penal), nos anos de 2008-2010, é de 383 e não 174 como refere incorre[c]tamente o citado documento”, escreve o anterior presidente do executivo João Saraiva Ribeiro.

À data da publicação do Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária, a DGAJ reconhecia que a resposta judiciária na comarca do Tabuaço era prestada pelo tribunal local, com competência nas áreas Cível, Penal, de FM e do Comércio, enquanto em matéria do Trabalho as causas eram decididas no Tribunal do Trabalho de Lamego.

Diga-se ainda, a nível da instância central do Tribunal Judicial do Distrito de Viseu (TJDV), a DGAJ pressupunha uma organização que confirmava a Secção Cível e a Secção Criminal com competência territorial distrital, ambas localizadas em Viseu.

Em relação às secções de competência especializada, a DGAJ preconizava a existência da 1.ª Secção do Trabalho em Lamego, cuja área de competência territorial correspondia aos municípios de Armamar, de Cinfães, de Lamego, de Moimenta da Beira, de Penedono, de Resende, de São João da Pesqueira, de Sernancelhe, de Tabuaço e de Tarouca. Já a 2.ª Secção do Trabalho, situada em Viseu, teria competência territorial nos concelhos de Castro Daire, de Carregal do Sal, de Mangualde, de Mortágua, de Nelas, de Oliveira de Frades, de Penalva do Castelo, de Santa Comba Dão, de São Pedro do Sul, de Sátão, de Tondela, de Vila Nova de Paiva, de Viseu e de Vouzela.

No que respeita às secções de Execução, de Comércio e de Instrução Criminal, todas elas estariam localizadas em Viseu e com competência territorial para todo o distrito. No entanto, relativamente à Secção de Instrução Criminal, a DGAJ informa que, por determinação legal, “pode ser estabelecido que a intervenção do juiz de instrução criminal possa ocorrer em diversos postos da comarca”.

Igualmente ao nível da instância central, a 1.ª Secção de Família e Menores teria sede em Lamego e uma área de competência territorial que envolveria os concelhos de Armamar, de Castro Daire, de Cinfães, de Lamego, de Resende e de Tarouca.

Por sua vez, a 2.ª Secção de FM, com sede na capital de distrito, teria competência territorial nos municípios de Mangualde, de Nelas, de Oliveira de Frades, de Penalva do Castelo, de São Pedro do Sul, de Tondela, de Viseu e de Vouzela.

No contexto das instâncias locais do TJDV e a atendendo ao volume processual expectável subsistente à mencionada especialização no âmbito da comarca de Tabuaço, foi calculado o movimento de 82 processos em matéria cível e de 32 na área criminal, totalizando 114 processos, o qual constitui, para a Direcção-Geral da Administração da Justiça, “um volume processual muito reduzido”, a exemplo de outras comarcas no distrito de Viseu.

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Diminuição populacional no distrito de Viseu

Ao constatar que a população residente neste distrito “sofreu uma redução de 4,24% nos últimos 10 anos”, com base nos dados preliminares dos Censos 2011, a DGAJ sublinha que, com excepção do município de Viseu, “em todos os outros verificou-se uma diminuição da população residente”. Circunstância que, associada a outros factores (como o movimento processual e a “existência de instalações adequadas”), levou o Ministério da Justiça a justificar a extinção de alguns tribunais na alçada do TJDV.

Como era realçado na aludida carta dirigida, em 31 de Outubro de 2012, à ministra da Justiça, pelo antigo presidente da edilidade de Tabuaço (João Joaquim Saraiva Ribeiro), relativamente à publicação Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária, publicada pela DGAJ, “não correspondem à verdade […] os fundamentos previstos no estudo”, de 15 de Junho, no que se “refere à evolução demográfica nos últimos 10 anos (censos 2011 preliminares)[,] Tabuaço é o município que apresenta, comparativamente com os municípios de Moimenta da Beira e S. João da Pesqueira, a menor percentagem de diminuição da população (6,26% – exa[c]tamente como referem no estudo)”.

Apesar de ter proposto a extinção de seis comarcas no distrito de Viseu, a DGAJ – com a reforma implementada a 1 de Setembro de 2014 – acabaria por fechar os tribunais de Armamar, de Resende e de Tabuaço.

Na decisão que envolveu o encerramento da comarca de Tabuaço, a DGAJ verificou que este concelho denotava “valores, quer de movimento processual quer de população, inferiores relativamente à comarca de São João da Pesqueira”; e também que, no que se refere “à evolução demográfica, nos últimos 10 anos (Censos 2011 Preliminares), a comarca de Tabuaço apresenta uma diminuição da população em 6,26%”, enquanto no município de São João da Pesqueira se nota a “uma redução de 8,33%”.

Embora alegue que existem “bons acessos rodoviários entre os dois municípios”, a DGAJ observa que o Tribunal de São João da Pesqueira, acomodado num edifício pertencente à Câmara Municipal, “dispõe de melhores instalações e de condições mais adequadas ao funcionamento do respectivo tribunal” do que o Tribunal de Tabuaço, “instalado em edifício da propriedade do Estado Português”. Outro factor tido em conta pelo MJ, seguindo a plataforma electrónica do ViaMichelin, prende-se com o facto de a distância (de 31 quilómetros) entre estas duas localidades poder ser percorrida em 41 minutos.

Ao acedermos ao relatório Indicadores de A[c]tividade nos Arquivos dos Tribunais 2014, difundido pela Direcção-Geral da Administração da Justiça, em Março de 2015, tomamos conhecimento de que, também na Comarca de Viseu, ao ser encerrada a instância de Tabuaço, o seu arquivo, relativo ao ano de 2014, foi transferido para o Núcleo de Moimenta da Beira, compreendendo uma extensão de 297 metros de prateleiras e uma extensão documental de zero metros, de que se infere um saldo positivo de 297 metros, na acomodação de processos. O mesmo relatório regista que o total de processos eliminados e remetidos para o arquivo distrital, entre 2003 e 2014, foi de 2.280 processos.

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“Surpresa foi ter existido, na altura, dois pesos e duas medidas”

O encerramento do tribunal de Tabuaço, em Setembro de 2014, constituiu para o presidente da Câmara Municipal, Carlos André Teles Paulo de Carvalho, “uma situação de alguma frustração”. “Sobretudo, porque estávamos há relativamente pouco tempo no exercício de funções”, justifica o vencedor das eleições autárquicas locais, realizadas a 29 de Setembro de 2013, enquanto líder da candidatura da coligação PPD/PSD.CDS-PP, mudando a cor política na edilidade. Ao ter obtido 49,20% dos votos, a lista encabeçada por Carlos André Carvalho derrota a candidatura socialista liderada pelo anterior presidente do executivo, João Joaquim Saraiva Ribeiro, cuja expressão eleitoral é de 44,47% dos votos.

Já no final do seu segundo mandato – agora eleito com maioria absoluta (em que alcançou 57,75% dos votos) pela coligação dos sociais-democratas com os centristas locais, nas eleições autárquicas realizadas a 1 de Outubro de 2017 –, o edil disse ao sinalAberto que deu “sequência a um trabalho que já vinha sendo feito, e bem, por parte do anterior executivo de Tabuaço e também de todos os outros municípios (dos tais 47 de que, depois, 27 deles ficaram com juízos de proximidade e os outros 20 viram encerrar os tribunais, como foi o caso de Tabuaço)”.

Hoje, ao publicarmos esta reportagem, sabemos que Carlos André Carvalho iniciou o seu terceiro mandato no executivo municipal de Tabuaço, tendo, em 26 de Setembro, obtido nova maioria absoluta e reforçado a sua expressão eleitoral enquanto líder da coligação PPD/PSD.CDS-PP (com 69,86% dos votos, pelo que conseguiu mais um lugar na edilidade, ficando com quatro dos cinco lugares atribuídos à Câmara).

Entrevistado na manhã de 28 de Julho de 2021, Carlos André Carvalho realça esse “sentimento de frustração” perante o fecho da antiga comarca de Tabuaço: “Independentemente de termos a perfeita noção e a certeza de que estava a existir um trabalho forte, a fim de tentar inverter essa decisão, tal situação apanhou-nos numa fase inicial do mandato autárquico, embora não tenha sido uma surpresa.”

“Surpresa foi ter existido, na altura, dois pesos e duas medidas: uns tribunais passarem a ser juízos de proximidade e outros terem encerrado, na totalidade», expressa o autarca, sublinhando que “tudo era mau”, atendendo a que “qualquer desqualificação e redução de serviços é má”.

“De qualquer forma, não me surpreendeu, porque existia já a percepção de algum autismo, por parte do Ministério da Justiça e da ministra em funções, relativamente às reivindicações das autarquias”, afirma o presidente da Câmara de Tabuaço, adiantando: “E também não constituiu surpresa porque não é muito diferente da forma como este tipo de territórios de baixa densidade têm vindo a ser tratados, ao longo dos últimos mais de 40 anos. Constituiu, sim, frustração no âmbito do exercício da nossa função.”

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“Com o encerramento do tribunal, perdeu-se a autonomia e a isenção”

Ao sublinhar, o seu “desagrado e uma imensa indignação, enquanto presidente de câmara e parte integrante da comunidade”, Carlos André Carvalho entende que, “com o encerramento do tribunal, perdeu-se a autonomia e a isenção que, então, existia”. “O tribunal de Tabuaço durava há mais de um século e a realidade é que não se percebia qual era a lógica do seu encerramento; julgo não ter sido economicista, porque não seria o fecho desses 20 tribunais que faria a diferença”, declara o autarca.

“Não estou a dizer, com isto, que a lógica economicista justificava o encerramento; mesmo que ela existisse e que houvesse um prejuízo naquele que era o funcionamento do tribunal da comarca de Tabuaço, isso não era motivo para o encerrar”, releva o dirigente autárquico, esclarecendo: “Se calhar, muito do tal prejuízo contabilizado nos nossos territórios deve-se à falta de investimento que os sucessivos governos têm vindo a fazer, ou a não fazer, desde o 25 de Abril [de 1974, quando se deu início ao processo de transição para a democracia, em Portugal]. Nós, enquanto gestores do território, temos também uma série de funções nas áreas sociais e a favor da melhoria da qualidade de vida dos munícipes. No fundo, não é um prejuízo, mas um investimento, porque permite um conjunto de mais-valias aos munícipes.”

Numa citada carta dirigida, em 31 de Outubro de 2012, à então ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), o antigo presidente da autarquia de Tabuaço (João Saraiva Ribeiro), mencionava que o orçamento previsto para o funcionamento do tribunal de Tabuaço, no ano de 2012, era de “apenas € 13.430,00”. Como sugeria o socialista João Saraiva: “Este valor pode ser verdadeiramente compensado com a transferência do serviço da Repartição de Finanças para o edifício do tribunal – que a[c]tualmente se encontra a funcionar em edifício arrendado –, com a vantagem de se obterem melhorias a nível da eficiência dos serviços, com especial incidência na redução de custos e, eventualmente, também na redução de recursos humanos.”

Para o actual presidente da edilidade de Tabuaço, “além da questão da Justiça, em si”, o fecho da antiga comarca local “é mais uma desqualificação, mais um tiro no porta-aviões da confiança e do estado de espírito das pessoas, porque vão deixando de acreditar”.

“Se calhar, muito do tal prejuízo contabilizado nos nossos territórios deve-se à falta de investimento que os sucessivos governos têm vindo a fazer, ou a não fazer”

Segundo Carlos André Carvalho, as marcas do dito novo mapa judiciário e do fecho da comarca de Tabuaço foram, essencialmente, “simbólicas”, porque “o tribunal, enquanto órgão de soberania, é a garantia da justiça, tendo também um carácter punitivo e preventivo”, nas comunidades locais. “Em face de tal desqualificação, as pessoas revoltaram-se ao verem ficar fechado um edifício com menos de trinta anos e com condições excepcionais, mantendo apenas o serviço da Conservatória”, recorda o dirigente autárquico, com a “percepção de que, quanto mais longe a Justiça estiver, menos nós sentimos a sua presença e o seu impacto”. Recorde-se que o edifício do tribunal foi construído em 1992 e inaugurado a 21 de Novembro desse ano, pelo então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva.

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“Enorme desarranjo na vidas das pessoas”

O edil também não esquece “o enorme desarranjo que isso criou na vida das pessoas que tinham de se deslocar para Moimenta da Beira ou para Lamego”, confrontadas com “uma rede de transportes deficitária, como a que existe no Douro”. “Numa perspectiva global ou completamente transversal, essa situação causou enormes transtornos à nossa população. Foi quase unânime o desagrado, a indignação e a revolta contra o encerramento do tribunal de Tabuaço”, informa o presidente da edilidade, dando conta de “manifestações de força, a que vários municípios se associaram, além daquelas acções mais espontâneas dos munícipes”. “Aqui, não houve partidos; foi uma reacção perfeitamente apartidária”, clarifica Carlos André Carvalho, denotando ter, então, apercebido “algum autismo” por parte do Ministério da Justiça.

“Era o que ouvíamos do anterior executivo [liderado pelo socialista João Saraiva Ribeiro] e também íamos percepcionando essa sensação de autismo [atribuído à tutela]  junto das câmaras de outros municípios que tiveram o mesmo problema que nós”, refere este dirigente municipal que não chegou a reunir com a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, porque diz ter apanhado a decisão da mudança do mapa judiciário “num período em que faltava, apenas, chancelar” a  regulamentação da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

No entanto, recorde-se que, a 30 de Junho de 2014, foi apresentada, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, uma Acção Administrativa Especial de Impugnação de Acto, ao abrigo da Lei de Acção Popular, em que Carlos André Carvalho aparecia como o primeiro dos seis subscritores, no sentido da declaração de nulidade/anulação dos actos administrativos de extinção do Tribunal Judicial da Comarca de Tabuaço e da sua integração no novo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.

Ao retomarmos a carta dirigida, em 31 de Outubro de 2012, à ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), pelo anterior presidente da edilidade de Tabuaço (o socialista João Saraiva Ribeiro), o ex-autarca notava que a “extinção do Tribunal de Tabuaço, a verificar-se, representaria um retrocesso de quase dois séculos e teria um efeito muito negativo na a[c]tividade económica local e em particular no comércio e nos comerciantes de Tabuaço, do qual não há memória, numa altura em que o país atravessa uma crise económica e financeira, sem precedentes, a caminhar a passos largos para uma crise social, que todos, sem exce[p]ção, temos o dever patriótico de contrariar”.

Pouco tempo após, a partir de 1 de Setembro, o novo mapa judiciário dividiu o País em 23 comarcas, tendo a reorganização judiciária levado ao encerramento de 20 tribunais, com volume processual inferior a 250 processos por ano (conforme os critérios da DGAJ), simultaneamente à conversão de 27 outros tribunais (de antigas comarcas) em igual número de secções de proximidade.

A partir de Janeiro de 2017, foram introduzidas alterações na Lei da Organização do Sistema Judiciário no sentido de “assegurar a proximidade recíproca da justiça e dos cidadãos, em dois segmentos fundamentais: os julgamentos criminais e a jurisdição de família e menores”, de acordo com a tutela. Nesse contexto, foram reactivados, na qualidade de juízos de proximidade, os 20 tribunais encerrados em 2014.

A secretária de Estado adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro, deslocou-se a Tabuaço, em visita oficial e incluída no périplo efectuado na região, com a finalidade de inaugurar a reabertura do tribunal (reactivado como juízo de proximidade), no dia 20 de Janeiro de 2017. (Direitos reservados)

“Com a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e a secretária de Estado adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro – que já não entrou em funções nesta nova legislatura – houve uma abertura ao diálogo”, confirma o actual presidente da Câmara de Tabuaço, na expectativa de “uma reversão, na totalidade das competências, voltando a ser comarca tal como funcionava”. Ou seja, recuperando o estatuto de Instância Local de Competências Genéricas. “Não víamos nenhum problema em ter uma comarca que voltasse a partilhar o juiz e o procurador da República com Armamar. Aquilo que entendemos é que tem de ser a Justiça a chegar às pessoas e não as pessoas andarem atrás da Justiça”, comenta Carlos André Carvalho.

“A senhora ministra garantiu que vários processos iriam, obrigatoriamente, ser julgados aqui. O que tem acontecido. Houve uma fase em que não eram, porque dependiam muito da postura e da disponibilidade do juiz. Agora, estamos incomparavelmente melhor do que se o tribunal estivesse fechado. E qualquer pessoa que tenha um julgamento em Viseu pode ser ouvida aqui, por videoconferência, o que evita deslocações e permite maior comodidade”, reconhece o edil de Tabuaço.

Em relação à divisão administrativa, “a lógica é absurda”, critica o autarca, anotando: “Continuamos a não definir muito bem o que é que pretendemos, na salgalhada que mistura os distritos, as NUTS, as regiões e as comunidades intermunicipais”. “Para nós, isto é complicado, mas já estamos habituados. Se fosse fácil, qualquer um fazia…”, graceja Carlos André Carvalho. “Eles [Ministério da Justiça, através da DGAJ] podem reduzir as coisas para 23 comarcas, independentemente de eu não concordar com tal área de influência distrital, penso que para a população não faz diferença nenhuma”, garante.

Porém, o mesmo dirigente autárquico diz que não se “importa nada, tal como 95% da população não se importará” com a “inexistência da comarca em Tabuaço”, desde que a actual instância judicial “funcione com as valências que havia, evitando que as pessoas se desloquem” para fora do município. “Aquilo que queremos é voltar à realidade que tínhamos no passado, sem limitações, nas áreas cível e comercial, bem como no foro administrativo ou no da família e menores… Queremos que tudo isso seja cá julgado. Queremos voltar a ter os serviços que tínhamos enquanto comarca, mesmo que não tenhamos a designação de comarca”, reitera Carlos André Carvalho, esperando que, em algum momento, “exista a percepção, por parte dos governantes, de que é fundamental não fechar, não desqualificar e não reduzir os serviços públicos neste tipo de territórios com baixa densidade populacional”.

A respeito dos impactos locais do novo mapa judiciário, o presidente do executivo municipal de Tabuaço verificou que se repercutiram directamente no pequeno comércio. “Se uma repartição fecha, há menos movimento; são menos as pessoas que circulam”, insiste, admitindo que isso se reflectiu “mais nas famílias com carências económicas que tinham de se deslocar para outras localidades” para resolverem questões judiciais.

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“O tribunal é imprescindível no nosso concelho”

“O que se passou, na altura. foi um disparate”, começa por considerar o barbeiro “Soares”, referindo-se à extinção da antiga comarca de Tabuaço. “Eles [os governantes] dizem estar sempre a pensar em povoar o Interior, mas o Passos Coelho [primeiro-ministro de Portugal de 2011 a 2015 e presidente do Partido Social Democrata de 2010 a 2018] fez o contrário. Em vez de povoar os concelhos, fez com que as pessoas saíssem do Interior para as cidades. Isso só provocou o deserto!”, expressa, com alguma emoção, João de Deus Alves Martinho, que não ficou com o apelido Soares, porque o pai morreu poucos meses antes de ele ter nascido, a 24 de Fevereiro de 1938.

Na opinião do barbeiro “Soares”, as decisões políticas do Governo de Passos Coelho e da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, também contribuíram para alguma emigração, “porque as pessoas não tinham condições”. “Ainda estamos a sofrer as asneiras desse senhor. E a ministra ainda foi pior do que ele, ao tirar os tribunais. Nós tínhamos de ir tratar de qualquer assunto em Lamego, em São João da Pesqueira, em Moimenta da Beira ou em Viseu. Isso foi um prejuízo muito grande para o concelho de Tabuaço. Muito grande!”, reiterou este cidadão de 83 anos, que ficou com o estabelecimento centenário e familiar. “Era do meu pai e passou para o meu irmão mais velho, que também esteve em Angola e foi proprietário da Barbearia Londres, na cidade de Luanda”, informa.

No período em que o tribunal esteve encerrado, este profissional acostumado a cuidar da barba e do cabelo de muitos residentes no município de Tabuaço apercebeu-se de que “as pessoas começaram a ir viver em Moimenta da Beira, porque tinham melhores condições”. “Agora, felizmente, esta senhora que lá está [referindo-se à actual ministra da Justiça, Francisca Van Dunem] teve o bom senso de ter posto novamente os tribunais a funcionar. Era, realmente, um disparate os concelhos não terem tribunais”, considera, apesar de não saber “se o tribunal local [juízo de proximidade] tem, agora, mais competências do que quando reabriu”, em 2017.

“O tribunal tem um impacto terrível nos concelhos, porque as pessoas vêm à vila quando precisam de resolver qualquer assunto. Naquele período em que esteve fechado, iam para Moimenta da Beira tirar o registo criminal, quando afinal poderiam tirá-lo aqui. E mesmo outros assuntos de pequena monta tinham de ser resolvidos fora de Tabuaço”, conta João de Deus Martinho, mencionando que “toda a terra sofreu muito com o tribunal fechado”. “Nós notámos muito isso, os restaurantes, os barbeiros e o resto do comércio. As pessoas, quando vinham ao tribunal, faziam despesas. Depois, deixaram de cá vir e Tabuaço ainda está a sofrer as consequências do fecho do tribunal”, constata o mais novo de seis irmãos naturais desta vila do distrito de Viseu: “Éramos cinco rapazes e uma moça!”

Para este seguidor de uma das profissões mais antigas da Humanidade, a tesoura de cortar cabelo ou a lâmina de barbear podem constituir verdadeiras relíquias, mas o acesso à Justiça é essencial. “Agora, pelo menos, já não é preciso ir a Moimenta da Beira buscar o registo criminal e outras coisas do género. Já se vai fazendo, aqui no tribunal, aquilo que teria de ser feito noutro lugar qualquer. O tribunal faz muita falta, isso não tem explicação. A falta do tribunal tira grande movimento ao município de Tabuaço. O tribunal é imprescindível no nosso concelho. Por isso, devia ter as competências todas!”, sublinha João de Deus Martinho.

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“A grande desvantagem deste sistema é, mesmo, a ausência de proximidade”

“Acontece que as pessoas viram isto com muito maus olhos, porque, para além de ser um serviço que o concelho perdia, também existiam grandes dificuldades nas deslocações para comparência nas diligências processuais. Não possuímos uma rede de transportes que permitisse às pessoas cumprir os horários fixados pelos tribunais de Moimenta da Beira e de Viseu”, recorda a causídica, caracterizando a população de Tabuaço: “É maioritariamente envelhecida, com carências económicas e sem veículo próprio, tendo de recorrer a um táxi. Nos dias em que conseguiam outro transporte colectivo de passageiros, por vezes, não chegavam a tempo às diligências; ou teriam de antecipar a viagem, perdendo muitas horas de trabalho. E nós sabemos que as diligências processuais são muito demoradas e que sofrem muitos atrasos, tendo em conta, até, a própria especificidade dos tribunais. Assim, as pessoas teriam de regressar de táxi, o que comportava custos muitos agressivos!”

“Tínhamos aqui um tribunal de comarca, mas, quando foi tomada a decisão de proceder ao seu encerramento, passámos a pertencer à Comarca de Viseu e ao Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira”

“Também para nós, advogados, esta situação de pandemia é um bocadinho mais complicada. Nessa altura, éramos nós que, frequentemente, fornecíamos o transporte aos clientes. Dávamos boleia aos clientes, porque, efectivamente, reconhecíamos que essas deslocações constituíam um sacrifício muito grande para eles. Isso afastou-os, um pouco, da Justiça”, confirma a jurista Anabela Paiva Oliveira.

Nessas circunstâncias, a causídica verifica que “certos problemas e conflitos não ficaram resolvidos”. “As pessoas adoptaram o lema de fazer a justiça pelas próprias mãos. Ou, então, desistiam e acabavam por se acomodar, ficando prejudicados, porque não conseguiam suportar as despesas com o recurso aos tribunais. E sabemos que um processo judicial é, sob o aspecto económico, penoso. A maior parte dos clientes até poderá ter direito ao tal serviço oficioso, mas este apoio não engloba as despesas com as deslocações”, apercebe-se a nossa entrevistada, observando: “Quando foi tomada essa decisão de fechar o nosso tribunal – à semelhança de muitos outros –, não tiveram em conta este aspecto.”

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O problema é que, apenas, pensamos sob a perspectiva geográfica

“Apesar de estarmos, em termos geográficos, relativamente perto de Moimenta da Beira, o percurso não é fácil de realizar. O problema é que, apenas, pensamos sob a perspectiva geográfica, esquecendo os meios e a rede de transportes que, em vez de nos levarem lá num instantinho, acabam por penalizar no acesso à Justiça”, repara a advogada, com a “sensação de que o Interior é cada vez mais penalizado, em relação às grandes cidades”.

“Não se teve em conta as dificuldades que o Interior atravessa”, reitera a jurisconsulta de Tabuaço, denotando “a falta de pessoas nestes territórios, também por causa do encerramento dos serviços públicos”. “O facto de, na nossa zona e no Interior, os serviços não estarem ou não se adequarem à procura leva a que os cidadãos se afastem e procurem as cidades onde mais facilmente têm acesso a esses serviços. Na verdade, se fossem criadas condições nas regiões interiores, seria uma forma de manter os jovens, os quais aqui apostariam e não fugiriam para o Litoral”, alega Anabela Paiva Oliveira.

Daí que esta advogada, com escritório em Tabuaço, não encontre “nenhuma vantagem no novo mapa judiciário”. “Isso porquê?”, interroga, adiantando: “Porque temos um juízo de competência genérica em Moimenta da Beira, quando deveria ser um juízo de competência especializada. Eu não percebo qual foi a finalidade de terminarmos com um tribunal de comarca, como o de Tabuaço, que era também um tribunal de competência genérica, embora a designação não fosse essa. Tratava-se de uma comarca concelhia. Se fosse no sentido de o tribunal de Moimenta da Beira ser especializado, com juízes especializados, eu até entenderia. Mas, nestes moldes, em que foi reorganizado [em 2017] o mapa judiciário, não compreendo!”, manifesta a jurista.

Ana Paiva Oliveira declara, ao sinal Aberto, que “a pendência processual do tribunal de Tabuaço justificava, na altura, a sua manutenção”. Por isso, a advogada crê que “o critério, neste caso, não foi o da pendência processual”. Relativamente às instalações, “o nosso tribunal tinha condições semelhantes, mas mais bem conservadas que as do tribunal de Moimenta da Beira”. A seu ver, “os custos também não foram justificação, porque o município, através do actual presidente da Câmara Municipal, disponibilizou-se a assegurar as despesas de um funcionário e as inerentes ao consumo de energia eléctrica e de água, entre outras relacionadas com a limpeza e a com a manutenção”.

Por conseguinte, “a vantagem que teríamos com a proximidade da população à Justiça justificava qualquer despesa que pudesse vir a aparecer”. Admitindo que, com as alterações na Lei da Organização do Sistema Judiciário, em 2017, terá havido um novo olhar sobre a Justiça, recuperando direitos constitucionalmente consagrados, a nossa entrevistada refere que, com a reactivação do tribunal da antiga comarca, já foi possível “fazer diligências processuais” em Tabuaço.

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“Há actos processuais que têm de ser praticados em Moimenta da Beira”

“Eu estou a falar das audiências de julgamento, que passaram a ser feitas, aqui, no Juízo de Proximidade e que continuam a ser realizadas. Ou seja, apenas estes actos: as audiências de julgamento. Isto não é suficiente, porque as pessoas, para serem ouvidas pelo Ministério Público [MP] ou para apresentarem uma queixa, têm, na mesma, de fazer um recurso ao tribunal de Moimenta da Beira. E os magistrados do MP deslocam-se a Tabuaço só nas audiências de julgamento”, esclarece a jurista, insistindo que “há determinados actos processuais que têm de ser praticados em Moimenta da Beira”. Por exemplo, “as conferências de interessados nos inventários, que são diligências em que todos os herdeiros vão a tribunal para ver se há ou não possibilidade de acordo”. “Ainda há pouco tempo, eu fiz lá uma!”, lembra a advogada, que não acredita na “devolução total das competências ao tribunal de Tabuaço”. “Assim, as pessoas têm acesso à Justiça, mas não de uma forma tão directa. O imediatismo e o contacto directo não existe”, acusa.

No que concerne aos impactos do novo mapa judiciário na comunidade de Tabuaço, a jurista destaca, “desde logo, as deslocações a que os cidadãos se viram obrigados a fazer e que tornaram os processos judiciais mais penosos e dispendiosos”. “A nível empresarial, não me parece que tenha havido qualquer impacto, porque as empresas já têm outra dimensão e também porque a dimensão processual das empresas já não é da competências destes nossos tribunais”, interpreta a causídica Anabela Paiva Oliveira, que se apercebeu, no período de mais de dois anos sem tribunal local, da “dificuldade de as pessoas aceitarem ser testemunhas nos processos, porque teriam de se deslocar e perder dias de trabalho na agricultura de subsistência”. “Mas é um concelho de gente pacífica!”, considera a advogada, criticando: “A proximidade, aqui, restringe-se a um edifício e às diligências processuais que se resumem às audiências de julgamento, porque, na realidade, todos os outros actos são praticados fora. A grande desvantagem deste sistema judiciário é, mesmo, a ausência de proximidade e de contacto directo.”

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28/10/2021

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A SEGUIR:

Os serviços da Justiça no distrito da Guarda: de Mêda a Fornos de Algodres

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(*) Nas próximas semanas, no jornal sinalAberto, continuaremos a desenvolver o dossiê com o título genérico “Justiça: o que não se lê no mapa”, no âmbito das Bolsas de Investigação Jornalística 2020, atribuídas pela Fundação Calouste Gulbenkian.

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Vitalino José Santos

Jornalista, cronista e editor. Licenciado em Ciências Sociais (variante de Antropologia) e mestre em Jornalismo e Comunicação. Oestino (de Torres Vedras) que vive em Coimbra.

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