Justiça: o que não se lê no mapa (9)*
O direito à Justiça no Oeste: Bombarral e Cadaval ligados no mapa
“Os objectivos da reforma até são positivos e visavam a melhoria da prestação do serviço judiciário às populações, fazendo sobretudo uma forte aposta na especialização dos tribunais”, admite o presidente da Câmara Municipal do Bombarral. Porém, como refere o socialista Ricardo Fernandes, “o problema é que, para o cidadão comum, não houve a percepção da melhoria desses serviços, e a ideia que fica é a de que os tribunais fecharam, afastando ainda mais a justiça das pessoas, apenas por uma questão de diminuição da despesa”.
Para o presidente do executivo camarário do Cadaval, o fecho de 20 tribunais, incluindo o da antiga comarca local significou, “essencialmente, o afastamento entre a Justiça e os cidadãos e a sensação de ausência de Estado no concelho”. “À medida que se encerram serviços estatais nos territórios, intensifica-se essa sensação de abandono”, esclarece o edil social-democrata José Bernardo Nunes.
No que se refere ao distrito de Leiria, no âmbito da que seria a circunscrição do Oeste (no alcance da anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ou Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, cuja aplicação não teve seguimento, depois de o segundo Governo de José Sócrates ter suspendido, em Maio de 2010, o alargamento do, então, novo mapa judiciário), Bombarral é um município com um assentamento demográfico ligeiramente superior ao verificado em Sever do Vouga, tendo sido registados em 2001 e em 2011, respectivamente, 13.324 e 13.148 residentes (os dados definitivos do Instituto Nacional de Estatística indicam 13.193 indivíduos). Com menos 176 habitantes nessa década, houve um brando decréscimo populacional (1,32%) no município oestino. Contudo, conforme a Pordata, entre 2010 e 2019, apurou-se a evolução demográfica de 13.248 para 12.546 residentes no concelho do Bombarral, o que equivale à perda de 702 munícipes. Com a divulgação dos resultados preliminares do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação (Censos 2021), em 28 de Julho, notamos um ligeiro aumento da tendência negativa (agora, de 3,4%) na variação da população residente neste concelho oestino, entre 2011 e 2021. O registo de 12.743 habitantes – posteriormente, corrigido para 12.750 indivíduos – sugere a perda de cerca de 450 pessoas numa década. É, pois, notória uma evolução demográfica negativa, sendo o esvaziamento populacional mais perceptível no núcleo antigo da vila do Bombarral. O que fragiliza o município, atendendo à concorrência dos concelhos limítrofes no que concerne à capacidade de fixação de habitantes (função residencial).
A Comarca de Leiria, que corresponde à área do distrito administrativo, incluía as comarcas de Alcobaça, de Alvaiázere, de Ansião, do Bombarral, de Caldas da Rainha (compreendendo o município de Óbidos), de Figueiró dos Vinhos (envolvendo os municípios de Castanheira de Pêra e de Pedrógão Grande), de Leiria, da Marinha Grande, da Nazaré, de Peniche, de Pombal e de Porto de Mós (abrangendo o município da Batalha).
A comarca do Bombarral, no que concerne à sua organização e aos recursos humanos, tinha um quadro legal com um juiz, o qual estava em exercício de funções no respectivo tribunal de competência genérica. O mesmo sucedia a nível do quadro legal para os magistrados do Ministério Público, encontrando-se apenas um elemento em exercício no tribunal local. Ainda segundo informação que se reporta a 16 de Junho de 2011, a comarca do Bombarral englobava oito oficiais de justiça no seu quadro legal, mas eram sete os profissionais que ali desempenhavam funções.
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Movimento processual na antiga comarca
Quanto ao movimento processual e à média das entradas na comarca do Bombarral, de 2008 a 2010, a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) indicava, por ordem decrescente, o registo de 241 execuções, de 90 processos no foro da Família e Menores (FM), de 51 processos de média instância cível, de 45 processos de pequena instância criminal, de 44 processos de média instância criminal, de 32 processos de pequena instância cível e, também, de 21 processos de grande instância cível. A DGAJ considerava ainda, no movimento da então comarca bombarralense, 10 processos na área do Comércio, bem como seis processos de instrução criminal e um processo de grande instância criminal. Nas 20 comarcas que acabariam por ser encerradas pelo MJ, a partir de Setembro de 2014, o tribunal de competência genérica do Bombarral foi o segundo relativamente à média de entradas, com 541 processos contabilizados pela DGAJ.
Na altura da publicação do Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária (que deu origem ao documento Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária, de 15 de Junho de 2012), a resposta forense no município do Bombarral, nas áreas Cível, Penal e do Comércio, era efectuada no tribunal da comarca local, enquanto os casos no domínio do Trabalho eram resolvidos no Tribunal do Trabalho das Caldas da Rainha.
Na instância central do Tribunal Judicial do Distrito de Leiria (TJDL), a DGAJ sugeria a existência, na própria capital do distrito, da Secção Cível e da Secção Criminal, ambas de competência territorial distrital.
Relativamente às secções de competência especializada, o Ministério da Justiça propunha, no alcance do TJDL, a presença da 1.ª Secção do Trabalho nas Caldas da Rainha, cuja área de competência territorial continha os municípios de Alcobaça, do Bombarral, das Caldas da Rainha, de Óbidos e de Peniche. Por outro lado, a 2.ª Secção do Trabalho seria estabelecida na cidade de Leiria, com uma área de competência territorial que envolvia os concelhos de Alvaiázere, de Ansião, da Batalha, de Castanheira de Pêra, de Figueiró dos Vinhos, de Leiria, da Marinha Grande, da Nazaré, de Pedrógão Grande, de Pombal e de Porto de Mós.
No domínio da FM, a 1.ª Secção de Família e Menores seria sediada nas Caldas da Rainha, com uma área de competência semelhante à da 1.ª Secção do Trabalho (dando, assim, resposta aos habitantes do Bombarral), enquanto a 2.ª Secção de Família e Menores, com sede em Leiria, teria uma área de competência territorial idêntica à da 2.ª Secção do Trabalho.
Em relação às acções executivas, a DGAJ circunscrevia a 1.ª Secção de Execuções, sediada em Alcobaça, a uma área de competência territorial que englobasse os municípios de Alcobaça, da Batalha, do Bombarral, das Caldas da Rainha, da Nazaré, de Óbidos, de Peniche e de Porto de Mós. Por outro lado, a 2.ª Secção de Execuções seria estabelecida em Pombal e teria competência territorial para os concelhos de Alvaiázere, de Ansião, de Castanheira de Pêra, de Figueiró dos Vinhos, de Leiria, da Marinha Grande, de Pedrógão Grande e de Pombal.
Como instância central, a Secção de Instrução Criminal, com sede na cidade de Leiria, assumiria uma área de competência territorial distrital. No entanto, a DGAJ anota que, por determinação legal, “pode ser estabelecido que a intervenção do Juiz da Secção de Instrução Criminal ocorra em diversos pontos da comarca”.
Também a nível de instância central, a 1.ª Secção de Comércio, sediada em Alcobaça, teria competência territorial nos concelhos de Alcobaça, da Batalha, do Bombarral, das Caldas da Rainha, da Nazaré, de Óbidos, de Peniche e de Porto de Mós. Já a 2.ª Secção de Comércio, localizada na Marinha Grande, assumiria competência territorial nos municípios de Alvaiázere, de Ansião, de Castanheira de Pêra, de Figueiró dos Vinhos, de Leiria, da Marinha Grande, de Pedrógão Grande e de Pombal.
No atributo das instâncias locais do TJDL, o volume processual expectável e subsistente à especialização então proposta pela DGAJ indicava, particularmente na comarca de Bombarral, 83 processos em matéria cível e 89 processos em matéria criminal, perfazendo 172 processos nas duas áreas. Esse “volume processual reduzido”, como considerou a Direcção-Geral da Administração da Justiça, também se verificaria nas comarcas de Alvaiázere e de Ansião, em face dos 121 e dos 233 processos presumidos, nos respectivos somatórios das áreas cível e criminal.
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DGAJ justificava a extinção de três comarcas no distrito
Ao analisar o movimento processual e outros aspectos como a evolução demográfica e a existência de instalações mais ou menos adequadas, a DGAJ justificava a extinção das comarcas do Bombarral, de Alvaiázere e de Ansião. Contudo, só o tribunal do Bombarral foi encerrado com a reforma implementada a 1 de Setembro de 2014, ao abrigo da Lei da Organização do Sistema Judiciário, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março.
Refira-se que a então proposta de extinção da comarca do Bombarral se baseou na argumentação de que exibia “valores, quer de movimento processual quer de
população, inferiores relativamente à comarca das Caldas da Rainha” e, tendo em conta os dados preliminares dos Censos 2011, que a evolução demográfica dessa última década apontava “uma diminuição da população em 1,32%, enquanto a comarca das Caldas da Rainha apresenta um aumento de 5,73%”.
No que respeita às instalações, “o edifício onde o tribunal do Bombarral está instalado é da propriedade da Câmara Municipal e o edifício das Caldas da Rainha é da propriedade do Estado Português, este último dispõe de melhores instalações, com condições mais adequadas ao funcionamento do tribunal”, como justificava a DGAJ, reconhecendo ainda existirem “bons acessos rodoviários entre os dois municípios”. Ao consultar o serviço ViaMichelin, o Ministério da Justiça alegava ainda que a distância de 21 quilómetros entre essas comarcas oestinas é, previsivelmente, percorrida em 18 minutos.
Se consultarmos o anexo do documento Indicadores de A[c]tividade nos Arquivos dos Tribunais 2014, publicado pela DGAJ, em Março de 2015, somos informados que, na Comarca de Leiria, ao ser extinta a instância do Bombarral, o seu arquivo, relativo ao ano de 2014, foi transferido para o Núcleo das Caldas da Rainha, apresentando uma extensão de 168 metros de prateleiras e uma extensão documental com 134 metros, o que revela um saldo positivo de 34 metros. O mesmo documento regista que o total de processos eliminados e remetidos para o arquivo distrital, entre 2003 e 2014, foi de 799 processos.
Na sequência de múltiplas tentativas, ao longo de meses, para entrevistarmos presencialmente o presidente da Câmara Municipal do Bombarral, só na manhã 6 de Setembro de 2021 o chefe de gabinete Vital Rosário nos envia as respostas ao conjunto de questões que dirigimos ao edil socialista Ricardo Manuel da Silva Fernandes, com o qual nos encontrámos três dias antes (na tarde de sexta-feira, na entrada principal do edifício dos Paços do Concelho), então muito envolvido com a sua recandidatura, perante a proximidade das eleições autárquicas, realizadas a 26 de Setembro.
Refira-se que, entre 1976 e 1989, o centrista José Rosário Guilherme preside, ao executivo camarário bombarralense, tendo a candidatura socialista, liderada por Carlos Henriques Serafim, alcançado a maioria (com 33,3% dos votos) nas eleições autárquicas de 1989. Posteriormente, os sociais-democratas locais – liderados por António Carlos Álvaro – vencem as eleições locais em 1993, em 1997 e em 2001. O mesmo sucede no acto eleitoral de 9 de Outubro de 2005, em que o social-democrata Luís Duarte ganha a Câmara Municipal do Bombarral, obtendo 40,06% dos votos e mais um mandato (três lugares em sete) na edilidade, em relação ao executivo anterior.
A lista liderada pelo também social-democrata José Manuel Gonçalves Vieira ganhou as eleições em 11 de Outubro de 2009, com 49,89% dos votos, tendo conseguindo quatro lugares na edilidade. No acto eleitoral seguinte, em 29 de Setembro de 2013, a candidatura do PPD/PSD (novamente chefiada por José Manuel Vieira) obteve 40,58% dos votos e perdeu um lugar no executivo.
Por sua vez, em 1 de Outubro de 2017, a lista liderada pelo socialista Ricardo Fernandes alcança 3113 votos (48,94%), o que lhe permite quatro lugares na vereação bombarralense, enquanto a coligação entre os sociais-democratas e os centristas obtém 37,24% dos votos, conseguindo os restantes três mandatos na edilidade. Actualmente, Ricardo Fernandes reassume a presidência da Câmara Municipal deste concelho oestino, embora tenha sido reeleito com menos 511 votos (41,13%).
Recuando no tempo, a acta da reunião ordinária do executivo camarário em 7 de Janeiro de 2013, sob a presidência de José Manuel Vieira, menciona que este autarca, na sequência da sua “pronúncia relativamente a proposta de Lei de Organização do Sistema Judiciário e sobre a proposta de Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciários” informou a vereação de que se manifestou, “mais uma vez, junto da senhora ministra da Justiça [a social-democrata Paula Teixeira da Cruz], pela manutenção do funcionamento do Tribunal do Bombarral” e de que tinha solicitado “respeitosamente a sua reapreciação à luz dos critérios anunciados no ‘Ensaio para a Reorganização da Estrutura Judiciária’ [sic]”.
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Autarca contesta parâmetro da pendência processual
“Relativamente ao parâmetro da pendência processual, repetimos que[,] segundo os dados da Estatística Oficial revelados pela secretaria do Tribunal do Bombarral, o número real de processos entrados e pendentes é significativamente superior ao critério estabelecido no ‘Ensaio…’, pelo que urge reconsiderar a proposta à luz desses mesmos dados”, regista a Acta n.º 1/2013. Assim, o então presidente da edilidade adiantava: “Os dados revelados pela secretaria do Tribunal do Bombarral relativos ao número de processos entrados naquele Tribunal[,] durante o ano de 2012, são os seguintes: Média Instância Cível=24; Pequena Instância Cível=66; Média Instância Criminal=59; Pequena Instância Criminal=58.”
Por conseguinte, ao analisar esses dados, o autarca José Manuel Vieira conclui que “o Tribunal do Bombarral cumpre o parâmetro da pendência processual na medida em que totaliza mais de 200 processos entrados naquela instância”. “Mais ainda se atendermos à tendência evolutiva expressa, revelada por esses mesmos números”, salienta o antigo presidente da Câmara Municipal, argumentando: “Vejamos o número de processos entrados no último triénio: N.º de Processos entrados em 2009= 151; N.º de Processos entrados em 2010= 180; N.º de Processos entrados em 2011= 222.” Todavia, recorde-se que a extinção posterior de 20 tribunais teve em conta, como uma das “principais causas”, o reduzido volume processual, entendido como o inferior a 250 processos por ano.
Neste quadro, José Manuel Vieira reafirmava que era “importante consagrar e reconhecer, através da intervenção legislativa, o papel fundamental que o Tribunal do Bombarral reveste num concelho marcado pelo aumento da litigiosidade, com o consequente crescimento da procura da tutela judicial e dos processos pendentes, apresentando-se como solução destinada a inverter esta tendência e que permita, definitivamente, o desenvolvimento de uma justiça célere, eficaz e de proximidade”. Nessa medida, como assenta a Acta n.º 1/2013, “caso não seja atendível a manutenção do funcionamento do Tribunal do Bombarral com as suas diversas valências”, o antigo presidente da Câmara Municipal solicitou, “em alternativa, a atribuição de uma secção de proximidade, serviço que será fundamental e evitará a rotura dos serviços [judiciários] para onde serão transitados os processos, bem como fomentará a proximidade dos cidadãos à justiça e, concretamente, ao Bombarral”.
Na mesma reunião camarária, a socialista Maria Arminda Sousa, na qualidade de vereadora, disse “ficar contente com a informação sobre o tribunal[,] uma vez que se conseguiu que seja mais fácil a reapreciação pelo Ministério da Justiça”. “É pena que seja só uma secção de proximidade”, lamentava a vereadora do PS, observando: “Embora não seja o que gostaríamos[,] dá um certo conforto porque é uma forma de não ficarmos sem tribunal.”
Na reunião ordinária seguinte (em 21 de Janeiro de 2013), também no período antes da ordem do dia, o presidente da Câmara Municipal informava que, na “última reunião do Ministério da Justiça, foi posto em causa o parâmetro da pendência processual, parâmetro esse que foi reformulado em sede da Secretaria Judicial”. Como regista a acta n.º 2/2013, o antigo líder autárquico bombarralense prosseguiu: “Ora, segundo os dados da Estatística Oficial revelados por essa Secretaria, o número real de processos entrados e pendentes é significativamente superior ao critério estabelecido na proposta de Funcionamento dos Tribunais Judiciários, pelo que[,] em ofício dirigido à Senhora Ministra da Justiça, solicitámos a reconsideração da mesma à luz dos dados recentemente contabilizados.”
Nessa sua intervenção, a 21 de Janeiro de 2013, o político local social-democrata José Vieira voltou a apresentar os dados recolhidos na secretaria do Tribunal do Bombarral relativamente ao número de processos entrados naquela instância judicial durante o ano de 2012. O edil referiu que já tinha dado “resposta ao email do Sr. Secretário Geral da ANMP [Associação Nacional de Municípios Portugueses], Eng. Artur Trindade[,] informando a ANMP da evolução do processo do Tribunal da Comarca do Bombarral, a fim de os mesmos tomarem posição [sic]”.
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“As secções de proximidade são muito limitadas”
Por sua vez, o então vereador Gabriel Martins interveio: “Não obstante a informação que o senhor Presidente da Câmara deu, continua preocupado com a possibilidade [de o] tribunal vir a ser encerrado, pais apesar de se encontrarem cumpridos os requisitos, o que é certo é que continuam sem qualquer garantia”. Como assinala a acta n.º 2/2013, o socialista Gabriel Martins considerou que a “questão da secção de proximidade não é a que mais interessa, mas sim uma secção de instância local, porque as secções de proximidade são muito limitadas”. “Sendo um posto de justiça nada tem a ver com o que é o funcionamento de um tribunal”, comentou ainda o mesmo vereador da oposição.
Este edil socialista, como anota a acta n.º 3/2013, respeitante à reunião camarária de 4 de Fevereiro, quis saber sobre o ponto da situação do tribunal local, tendo o presidente da Câmara dito “ainda não ter obtido um feedback da parte do Ministério da Justiça, relativamente à última abordagem que fez junto do Ministério, aguardando resposta positiva aos argumentos apresentados para a manutenção do tribunal”. O vereador Gabriel Martins voltou a indagar, na reunião ordinária de 18 de Fevereiro, acerca da evolução do processo do Tribunal do Bombarral. Em resposta, o líder do executivo municipal declarou ainda não haver novidades, “aguardando-se boas notícias por parte do Ministério da Justiça”.
O socialista Gabriel Martins, ao intervir na reunião camarária de 4 de Março de 2013, insistiu em querer saber do desenvolvimento do processo inerente ao tribunal bombarralense. Tal voltou a acontecer na reunião ordinária do dia 15 de Abril e José Manuel Vieira, na qualidade de presidente da autarquia, asseverou “não ter havido qualquer desenvolvimento [nem] novas informações”. É notória a insistência do vereador do PS, o qual – como assinala a acta n.º 9/2013 – inquiriu, mais uma vez, o líder autárquico acerca do “ponto de situação deste processo”. O social-democrata José Vieira reiterou o que já tinha pronunciado anteriormente.
Na reunião pública e ordinária de 25 de Outubro de 2013, que iniciava o mandato de 2013/2017 (na sequência das eleições autárquicas de 29 de Setembro, tendo a candidatura social-democrata sido a mais votada), foi apreciada e deliberada uma proposta sobre o anteprojecto de Decreto-Lei do Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais. Como lemos na acta n.º 21/2013, foi determinado, por unanimidade e em minuta, aprovar a proposta do reeleito presidente da Câmara: “Na sequência da comunicação recebida nesta autarquia da Associação Nacional de Municípios Portugueses, através de email no dia 23.10.2013, nos termos da qual são solicitados os comentários que entender convenientes sobre o anteproje[c]to de Decreto-lei que estabelece o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, que, gorando todas as expeta[c]tivas, prevê o encerramento do tribunal judicial da comarca do Bombarral, remetendo os bombarralenses para os tribunais de Alcobaça (secções de execução e comércio), [de] Caldas da Rainha (secções de trabalho e família e menores, bem como as secções cível e criminal) e [de] Leiria […]”
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Acesso à justiça “mais caro e moroso”
Na oportunidade, o edil José Manuel Vieira considerou que o aludido anteprojecto era “altamente lesivo dos interesses das autarquias, das populações e empresas do concelho do Bombarral, criando graves constrangimentos no acesso à justiça, em clara desconsideração ao princípio constitucionalmente consagrado, ínsito no artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que a todos os cidadãos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, e do qual resulta que não pode ser denegado o acesso à justiça por insuficiência de meios económicos e que todos têm direito à obtenção de uma decisão pelos tribunais em prazo razoável e mediante processo equitativo, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”. No seu entender, “a solução apresentada torna o acesso à justiça pelos bombarralenses mais caro e moroso”, lembrando a distância entre o Bombarral e Alcobaça, bem como “a inexistência de transportes dire[c]tos entre as duas localidades, e Leiria, o que implicará elevados custos em termos de deslocações e perda de dias trabalho”.
Quanto ao custo com as instalações do Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral (TJCB), autarca disse que era “integralmente suportado pela Câmara Municipal”. Na mesma reunião, José Manuel Vieira frisou que o TJCB “atingiu, em 2012, o número de processos considerado necessário para se manter em funcionamento, de acordo com o critério fixado da pendência processual”. Atendendo aos, então, “recentes dados revelados pela secretaria do Tribunal do Bombarral, também ao nível dos processos pendentes se verifica[va] um aumento exponencial de processos no ano em curso [2013] por referência ao período homólogo”, o presidente da edilidade sublinhou que se “confirma[va] a tendência manifestada nos últimos anos de acréscimo do volume de processos entrados naquela instância”. “A par, verifica-se ainda um aumento do número de inquéritos a correr termos junto do Ministério Publico, o que certamente levará a um aumento de a[c]ções judiciais”, ponderava o dirigente autárquico.
Aludindo ao preâmbulo do mencionado anteprojecto de decreto-lei, este responsável político bombarralense contestou a afirmação ali contida: “Em resultado de tais audições e consultas públicas, bem como da análise detalhada às características das comarcas existentes, ao respetivo volume processual, ao contexto geográfico e demográfico onde estas se inserem, à dimensão territorial de algumas das instâncias locais, à qualidade do edificado existente e dimensão de recursos humanos em causa, reequacionaram-se algumas das propostas entretanto divulgadas.” “Contrariamente ao referido no preâmbulo do diploma em análise”, José Vieira manifestou que “nenhuma das posições anteriormente expostas pelos órgãos autárquicos do Município do Bombarral foi tida em consideração pelo Ministério da Justiça”.
Ao atender aos motivos expostos, assim como “aos demais que oportunamente foram remetidos ao conhecimento” da ministra da Justiça (no XIX Governo Constitucional), o presidente da Câmara deste concelho do Oeste propôs que a autarquia deliberasse manifestar o “veemente desacordo com a proposta constante do anteproje[c]to de Decreto-lei que estabelece o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais”, implicando o “encerramento do Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral” e “a intenção de transferir as respe[c]tivas competências para os Tribunais de Alcobaça, Caldas da Rainha e Leiria, com graves prejuízos económicos e financeiros para as autarquias, empresas e populações, tornando mais difícil e moroso o acesso à justiça”.
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Reunião conjunta dos órgãos autárquicos do concelho
Segundo a acta n.º 21/2013, o edil José Vieira sugeriu que fosse “fixada data para a organização de [uma] reunião conjunta com todos os representantes dos órgãos autárquicos do concelho, visando uma tomada de posição conjunta e a mobilização da população para a defesa da manutenção do Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral”. Na mesma reunião do executivo camarário (em 25 de Outubro), o vereador Luís Duarte (social-democrata que foi presidente de câmara entre 2005 e 2009) declarou: “Perante esta situação somos confrontados com a aldealização do Bombarral.” Como indica a aludida acta, foi “com bastante tristeza” que este vereador recebeu “a notícia de que após uma luta de muitas dezenas de anos para o Bombarral ter uma comarca e um tribunal, o governo vem numa medida economicista fechar o tribunal do Bombarral”.
“Estão a mandar-nos cada vez mais para uma situação de subalternização. Esperam e exigem que a magistratura de influência seja exercida e que[,] como resultado de uma coligação pós-eleitoral no Bombarral[,] os dois partidos que fazem parte do governo travem este processo”, criticou Luís Duarte, acrescentando: “Devem demonstrar que esta coligação no Bombarral não resulta de interesses de empregos. Estão eleitos para participarem a[c]tivamente em qualquer a[c]ção para ultrapassar esta situação. Ficam a aguardar o empenho efe[c]tivo que contribua para a resolução deste problema.”
O então presidente da Câmara disse “constatar que o senhor vereador não acompanhou o processo porque se não saberia que houve inúmeras reuniões ao mais alto nível para travar esta situação”. No entanto, solidarizou-se com o vereador Luís Duarte “lamentando que as coisas sejam feitas para a desertificação do concelho”.
Na sua intervenção, o vereador socialista Fialho Marcelino lembrou que “foi o PS quem trouxe o Tribunal para o Bombarral e é o PSD quem leva o tribunal embora”, comentando: “[…] isto só demonstra que este governo está a enganar as pessoas, pois se este documento já estava completamente feito [no dia 7 de Setembro] e não saiu cá para fora foi porque ia haver eleições [no final de Setembro]. O senhor Presidente da Câmara deve telefonar à senhora Ministra da Justiça a agradecer uma das ajudas que teve na campanha porque não foi dito antes que este tribunal ia encerrar. Vamos ver o que vai acontecer com a repartição de Finanças[,] pois o número de fechos é tão elevado que [se] começa a acreditar que o Bombarral vai estar na lista.” Na mesma ocasião, Fialho Marcelino garantiu que o PS estava disponível para colaborar com esta Câmara Municipal e para se deslocar “onde for preciso para fazer ver ao governo que está errado”. “O Tribunal do Bombarral não é os números que o governo refere mas sim outros números”, expressou ainda o vereador da oposição.
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“A maior das machadadas possível nos serviços públicos”
Na mesma sessão da edilidade, a vereadora Maria de Los Angeles Oliveira, em representação da Coligação Democrática Unitária (CDU), disse “não ter sido apanhada desprevenida por esta situação”, lembrando que, em várias vezes, “tinha colocado esta questão na Assembleia Municipal”. A representante da CDU no executivo camarário bombarralense reparou que “se foram dadas garantias ao senhor Presidente da Câmara[,] ele deve pedir contas a quem lhas deu”. “Estamos perante um governo que tem dado a maior das machadadas possível nos serviços públicos, retirando às populações os serviços que estas precisam, porque grande parte deles têm interesses que podem dar lucros aos privados”, denunciou Maria de Los Angeles, apercebendo-se de existência de “lobbies”.
“O que dá despesa retira-se às populações que têm menos capacidade de resposta. O Bombarral tem vindo a ser agraciado com benesses deste tipo – já foi o centro de saúde, é o tribunal, hão[-]de ser as finanças e as conservatórias”, advertia a vereadora comunista, prosseguindo: “Se não conseguirmos defender estes serviços[,] o Bombarral começa a não ter razão de existir como concelho. Neste momento[,] há necessidade de congregar forças e fazer a população perceber o que é ficar sem tribunal. Estão disponíveis para todos os passos necessários porque o que está em causa é muito mais importante que o tribunal.”
Ao recorrermos à acta n.º 22/2013, relativa à reunião ordinária da Câmara Municipal em 6 de Novembro, ficamos a saber que o presidente da edilidade, aproveitando o período antes da ordem do dia, informou que tinha sido enviado um ofício à ministra da Justiça e à ANMP, a propósito do Tribunal da Comarca de Bombarral. O autarca disse também que estava “convocada uma reunião dos 47 municípios afectados” para o dia seguinte (7 de Novembro, às 10h00), nas instalações da ANMP, em Coimbra, bem como uma “reunião com diversas entidades locais para esclarecimento e continuação da estratégia de defesa do tribunal”, agendada para 8 de Novembro.
No decurso da sessão camarária de 6 de Novembro de 2013, a vereadora Maria Norberta Santos considerou, a respeito do Tribunal Judicial do Bombarral, que “a OesteCIM [Comunidade Intermunicipal do Oeste] tem obrigação de ser solidária e intervir de forma a minimizar os impactos negativos na região”. “Sabendo a forma como o governo impõe o que pretende implementar”, a vereadora propôs que, “no mínimo, no Bombarral[,] se mantenha um julgado de paz que quase não tem custos para o Ministério da Justiça, devendo a autarquia ceder um espaço, o que aliás já sucede actualmente, sendo que o primeiro objectivo é a manutenção do tribunal e da comarca do Bombarral”. E sugeriu que a Câmara Municipal apresentasse “uma providência cautelar sobre esta medida” que o Governo liderado por Passos Coelho pretendia “impor ao Bombarral”, argumentando que “o Bombarral ultrapassa os critérios para a manutenção do tribunal[,] pelo que há matéria para se avançar com a providência cautelar”. Recorde-se que a vereadora Maria de Los Angeles Oliveira subscreveu esta declaração.
Naquela oportunidade, o presidente da Câmara (o social-democrata José Manuel Vieira) notou: “[…] a questão dos julgados de paz não se põe nesta fase mas sim as secções de proximidade[,] que só deverão ser aceites se incluírem a possibilidade de realização de julgamentos, caso contrário não passarão de meros gabinetes de atendimento”.
Por seu lado, o vereador Fialho Marcelino lembrou que “há um outro tipo de medidas que podem ser tomadas para o não fecho do tribunal e que passam pelos lobbies, sendo que esta Câmara Municipal tem boas condições para o fazer[,] pois é governada por uma coligação PSD/CDS, existe um deputado do PSD natural do Bombarral e há uma vereadora do CDS que pertence aos órgãos nacionais daquele partido, pelo que nada melhor do que conjugar estes lobbies”. O presidente do executivo respondeu que “o PS defendeu e assinou[,] em Maio de 2011[,] o memorando de entendimento que comprometeu o país a ter de tomar esta e outras medidas bastante penalizadoras”. “Estes dramas foram criados pelo PS e agora vem o senhor vereador do Partido Socialista apelar à questão dos lobbies para salvar o tribunal do encerramento que o seu partido sentenciou para o Bombarral e muitos mais concelhos do país”, acusou José Manuel Vieira, sublinhando: “Todas as pessoas que poderão ajudar neste processo estão motivadas para o fazer, esperando-se bons resultados.”
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Disponibilidade “para todos os modelos de luta”
De imediato, o vereador Fialho Marcelino alegou “não ser verdade que o PS seja culpado pelo fecho do tribunal do Bombarral[,] porque o memorando só dizia que havia que fazer a reformulação do sistema judicial”. O edil socialista recordou que “o PSD também assinou esse documento e foi o principal culpado da situação em que estamos[,] porque se não tivessem obrigado o PS a ir para a Troika não estávamos na situação em que estamos”.
No decurso da mesma sessão ordinária do executivo bombarralense, o presidente constatou que “os serviços de informação são céleres e atacam em todos os sentidos”. Nesse entendimento, José Manuel Vieira esclareceu que, para a anunciada reunião sobre o encerramento do tribunal local, no dia 11 de Novembro de 2013, iriam ser convidados “os presidentes de Junta de Freguesia, o representante da Ordem dos Advogados e o secretário de justiça do Tribunal do Bombarral[,] numa primeira abordagem”. E registou a disponibilidade dos vereadores “para todos os modelos de luta”.
Na reunião ordinária seguinte (a 20 de Novembro), o presidente da Câmara Municipal informou que esteve “presente numa reunião na sede da Associação Nacional dos Municípios Portugueses”, em Coimbra, “onde foi decidido interpor uma providência cautelar e sugerida a luta dos Municípios com a mobilização das populações na defesa da manutenção dos tribunais, assim como o encerramento dos Municípios, por determinado período, em a[c]to de protesto”. Todavia, José Manuel Vieira disse que todas “estas medidas estão suspensas devido a ter sido pedida uma audiência à senhora Ministra da Justiça[,] de que se aguarda resposta”.
Relativamente ao encontro com a delegação local da Ordem dos Advogados (OA) e as juntas de freguesia, acerca do Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral (TJCB), comunicou ao executivo que também reuniu com os representantes da delegação local da OA (os advogados Moisés Baptista e João Pedro Pascoal) e com as juntas de freguesia para analisarem a questão do TJCB. O autarca social-democrata notou, então, que “esta luta deverá envolver todas as entidades competentes, sendo importante a sensibilização da população para os efeitos negativos que a medida traz aos municípios envolvidos”. Diga-se ainda que João Pedro Pascoal – o qual não encontrámos no seu escritório, no início da tarde de 3 de Setembro de 2021, numa das nossas deslocações à vila do Bombarral – respondeu a uma chamada telefónica em que lhe solicitámos uma entrevista presencial ou um depoimento sobre os impactos locais do novo mapa judiciário e o encerramento, durante mais de dois anos, do tribunal. Na ocasião, este advogado bombarralense disponibilizou-se para responder a um conjunto de questões sobre a reforma judiciária que enviámos para o endereço electrónico que nos indicou. No entanto, após múltiplas tentativas de contacto fracassadas, o causídico acabou por não nos atender nem, de facto, conceder o seu testemunho.
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Contra o encerramento e desqualificação dos tribunais
Retomando a consulta da acta n.º 23/2013 (de 20 de Novembro), lemos que o presidente da edilidade deu conta à vereação da sua presença, em Lisboa, “numa reunião com o Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Marinho e Pinto, tendo ficado marcada uma reunião para dia 20 de Dezembro contra o encerramento e desqualificação dos tribunais [sic]”. “Será importante que as populações percebam a importância da perda da justiça de proximidade e do aumento dos custos das deslocações e custas processuais”, adiantou o autarca.
A acta da reunião camarária de 20 de Novembro regista que, na sequência da divulgação pública do anteprojecto de decreto-lei que estabelece o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, o então bastonário da OA, António Marinho e Pinto, agendou uma reunião com os presidentes das câmaras municipais e das assembleias municipais, realizada a 14 de Novembro (pelas 14h30), na sede da OA, em Lisboa. “A reunião destinou-se a efectuar uma análise do regime proposto, bem como a agendar o protesto nacional”, na sede de todos os concelhos ou, em alternativa, em Lisboa, “com a participação de todos os agentes interessados na defesa dos tribunais, em conformidade com a moção aprovada na reunião realizada entre Autarcas e a Ordem dos Advogados[,] em 25 de Setembro de 2013”.
Conforme adiantou o presidente da edilidade bombarralense, o referido protesto tinha “data marcada” (20 de Dezembro), julgando “importante que a população perceba o que está em causa: a perda de justiça de proximidade e os elevados custos em deslocações para comarcas distantes”. “Em defesa das populações e do direito à justiça e contra os encerramentos e desqualificação dos tribunais, autarcas, funcionários da justiça e membros da Ordem dos Advogados, irão encetar uma luta que pretende demover o Ministério da Justiça das medidas que prejudicarão seriamente o país, sem nada beneficiar em termos de poupança dos dinheiros públicos [sic]”, incentivava o dirigente autárquico, reiterando “a disponibilidade política e física para estarem em acções em defesa do tribunal Judicial da Comarca do Bombarral”. Na mesma sessão da Câmara Municipal, o edil José Manuel Vieira declarou que, da reunião com a OA, não percebeu “o que foi ou não apresentado”, embora tenha frisado que “o Tribunal do Bombarral é barato para o Ministério da Justiça”.
Na primeira reunião ordinária da edilidade do Bombarral do ano imediato (2014), a 2 de Janeiro, a vereadora comunista Maria de Los Angeles Oliveira, ao supor que “nesta altura já haverá passos dados mas a Câmara Municipal não conhece nenhum deles”, solicitou informação sobre o ponto de situação deste processo. No seguimento da acta n.º 1/2014, sabemos que o presidente da autarquia “disse que esta é uma preocupação premente”. “Foi feito muito em defesa do tribunal e esgotaram-se praticamente todas as possibilidades. Esta medida está a ser aplicada a um número reduzido de Municípios[,] mas o sentimento geral é [o de] que o corte vai ser enorme porque se aponta para uma centralização enorme do poder judicial”, considerou o social-democrata José Manuel Vieira. Assumindo-se como “o principal rosto do desagrado que grassa neste concelho”, o edil prosseguiu: “Estão-se a retirar serviços essenciais que são direitos dos cidadãos, em nome da resolução da crise que assola o país.”
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Reuniões com a ANMP e com Elina Fraga
Entretanto, em 19 de Fevereiro de 2014, ao falar no período antes da ordem do dia da reunião ordinária do executivo, o dirigente autárquico, na expectativa da reforma do mapa judiciário, informou que reuniu com a ANMP, em Coimbra, sobre a extinção do Tribunal da Comarca do Bombarral. Como anota a acta n.º 4/2014, o presidente da Camara Municipal também reuniu com a sucessora de António Marinho e Pinto na OA (Elina Fraga), na Secção Regional da OA, igualmente em Coimbra.
Refira-se que a nova bastonária da OA, ao discursar na Abertura do Ano Judicial, em 29 de Janeiro de 2014 – ano em que se comemorou o quadragésimo aniversário do 25 de Abril –, vincou a vontade de também dar “um novo rumo à Justiça”. “Partamos desta sessão solene de Abertura do Ano Judicial com o propósito de que a próxima geração possa comemorar os feitos e as transformações que nós, juízes, procuradores e advogados, impusemos aos políticos – com a força da rectidão e justeza da nossa argumentação – como motores de uma verdadeira reforma para a justiça”, recomendava Elina Fraga, com a “consciência de que não vivemos no mundo virtual do sucesso das reformas propagandeadas”.
No seu discurso, a ex-representante dos advogados portugueses caucionava a disponibilidade da OA para “participar numa reforma da Justiça, que abra um novo caminho, assente no respeito pelos direitos, liberdades e garantias do cidadão e seja a manifestação, uma verdadeira emanação, da cidadania”.
Ao prosseguir a sua intervenção na aludida sessão solene, Elina Fraga preconizou que, nessa reforma, “a Justiça deverá ser administrada em Tribunais que a Constituição consagra como órgãos de soberania e nos meios alternativos de resolução de litígios, que se deverão manter como alternativos, garantir-se-á a igualdade das partes impondo a presença obrigatória de advogados [sic]”. Nessa conformidade, notou que os advogados, em qualquer processo judicial ou administrativo, representam “a garantia absoluta
da igualdade das partes, corrigindo, perante o julgador, o desequilíbrio que pode resultar de partes em juízo com capacidades culturais ou económicas diferentes”.
“Todos nós, juízes, procuradores e advogados, somos igualmente necessários e todos temos indispensáveis actuações na administração da justiça, somos também nós, por esse motivo, os grandes responsáveis pelo prestígio e confiança, ou pela sua falta,
na Justiça em Portugal”, acentuou a ex-bastonária da OA, adiantando que as “reformas legislativas operadas no campo do direito adjectivo ou processual, visando imprimir, o que se reconhece, uma maior celeridade, têm [de] ser expurgadas das normas que atentam contra direitos fundamentais, eliminam garantias ou constituem limites intoleráveis à independência da advocacia”.
Na mesma sessão solene, a dirigente da Ordem dos Advogados, dirigindo-se ao Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva, que foi reeleito nas eleições presidenciais de 23 de Janeiro de 2011, terminando o seu mandato em 2016) e às demais personalidades presentes, deixou “dois apelos para duas reformas em curso ou anunciadas: a reorganização judiciária e o sistema do acesso ao direito”. No seu entendimento, ambas “entroncam no direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais”. Por conseguinte, Elina Fraga observou que prosseguir “numa política de desertificação do interior do país, galvanizar as assimetrias que hoje [no final de Janeiro de 2014] já existem é condenar Portugal a reduzir-se a um desenvolvimento a duas velocidades e põe em causa qualquer esforço de coesão nacional”.
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“Capitulação do Estado numa das suas principais responsabilidades”
Como acusava a ex-bastonária da OA, encerrar tribunais ou desqualificá-los, “obrigando populações a deslocar-se às capitais de distrito, que nem sequer gozam tantas vezes de centralidade geográfica, representa a página mais negra que se alcança possa ser escrita pelos nossos deputados e traduz a capitulação do Estado numa das suas principais responsabilidades que é assegurar a administração da Justiça”. “Do mesmo modo, representará um retrocesso qualquer alteração ao sistema do acesso ao direito, que funcionalize a advocacia ou crie constrangimentos à sua independência e não garanta que a todos os cidadãos, sobretudo aos mais carenciados, seja nomeado um advogado livre e independente, remunerado pelos seus serviços com a dignidade, que se traduz também em pontualidade no pagamento, que o exercício de funções que dão densidade e conteúdo a um direito fundamental impõem”, prosseguiu Elina Fraga, na sessão solene da Abertura do Ano Judicial, em Janeiro de 2014.
A bastonária da OA frisava que o “ser humano e a tutela da dignidade da pessoa humana [são] o fundamento de acção e protecção por parte do Estado”. Como tal, a ex-dirigente da Ordem dos Advogados insistia que deverão ser, “sempre, o fundamento e o motor de toda e qualquer reforma na justiça”. Então, Elina Fraga acreditava na possibilidade de “restaurar a confiança dos portugueses na Justiça e [de] concretizar as indispensáveis reformas, pensando nas pessoas […] e nas empresas, despidos das vestes dos interesses, no reconhecimento expresso de que somos, sobretudo e antes de mais, cidadãos e na manifestação inequívoca dessa mesma cidadania”.
Recuperando a consulta da acta n.º 4/2014, relativa à reunião ordinária da edilidade bombarralense em 19 de Fevereiro, o então presidente do executivo aproveitou o período antes da ordem do dia para, a propósito da reforma judiciária prestes a concretizar-se, esclarecer que o “Município do Bombarral, face à aprovação em Conselho de Ministros do novo Mapa Judiciário que determina o encerramento do Tribunal da Comarca do Bombarral, tem vindo a manifestar a sua profunda indignação perante esta decisão do governo” e que “informou a comunicação social que irá usar de todos os meios ao seu alcance para contrariar o que considera uma opção profundamente errada [sic]”. Na mesma ocasião, o autarca José Manuel Vieira lamentou “a grave decisão que decorre do cumprimento do Memorando da Troika e que põe dire[c]tamente em causa o acesso à justiça por parte dos cidadãos que desistirão[,] no futuro[,] de fazer valer os seus direitos pelos meios adequados e a[c]cionar os mecanismos de justiça”.
“Apesar de ter demonstrado cumprir os critérios obje[c]tivos que estiveram na base desta decisão, fica o sentimento de que não foram ouvidos os argumentos apresentados, nas moções, reuniões, manifestações, sugestões e petições que o Município incansavelmente defendeu”, comentou o responsável autárquico bombarralense, notando que, neste processo, “o Município estranha a ausência de resposta à solicitação de converter o Tribunal em Secção de Proximidade e não aceita o desmembramento de serviços que, como este, são essenciais para as populações”.
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Lutar por uma justiça de proximidade
Como expressava o edil social-democrata, o “critério que levou, no passado, homens e mulheres do concelho do Bombarral a lutar por uma justiça de proximidade […] justifica-se nos dias de hoje de forma redobrada, pelo que o Município, tendo cumprido ao longo dos anos com os custos de instalação e funcionamento do Tribunal, tudo fará, dentro do enquadramento jurídico e político, para que seja repensada esta medida, carregada de injustiça”. “Neste contexto, a Câmara Municipal do Bombarral reagirá com todos os meios ao seu alcance para assegurar o pleno direito do acesso dos cidadãos à justiça”, afirmava José Manuel Vieira.
Em tal quadro de intenções, o edil assegurava que, entre outras medidas que se mostrassem “necessárias para fazer valer um dos direitos consagrados pela Constituição”, como é caso do acesso à justiça, seriam adoptadas, pelo município bombarralense, as seguintes medidas: interposição de providência cautelar, seguida da respectiva acção judicial; apresentação ao Ministério da Justiça do valor das verbas públicas envolvidas na instalação, na manutenção e em obras para o funcionamento do tribunal; solicitação à Procuradoria-Geral da República da apreciação das divergências verificadas quanto à contabilização do número de processos adstritos ao tribunal; nota de contestação pela medida adoptada, à ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), dando conhecimento ao Presidente da República, ao primeiro-ministro (Pedro Passos Coelho), à presidente da Assembleia da República (Assunção Esteves, que presidiu à AR entre 21 de Junho de 2011 e 22 de Outubro de 2015), ao procurador-geral da República e ao provedor de Justiça; bem como a promoção do reforço da acção de comunicação e sensibilização junto da população, com recolha de assinaturas em petição pública (representando um instrumento de participação política dos cidadãos).
Como assenta ainda a acta n.º 4/2014, o edil frisou que o “Município do Bombarral tem estado presente em todas as reuniões e a[c]ções de contestação levadas a cabo pela ANMP e pela Ordem dos Advogados e subscreve as medidas entretanto ado[p]tadas, tais como o pedido de Fiscalização Preventiva apresentado pela ANMP ao senhor Presidente da República, os pedidos de pareceres a Constitucionalistas credenciados e outras que se revelem necessárias à reposição da proximidade da Justiça ao cidadão”.
Quanto à apreciação e à deliberação sobre a, então, proposta relativa à reorganização do mapa judiciário e à extinção do tribunal do Bombarral, na mesma reunião camarária foi decidido, “por unanimidade e em minuta”, aprovar a proposta apresentada pelo presidente da edilidade e subscrita por todos os membros do executivo: “O Conselho de Ministros, realizado no pretérito dia 6 de [F]evereiro de 2014, aprovou, na generalidade, um diploma que procede à regulamentação da Lei da Organização do Sistema Judiciário e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais. Nos termos do aprovado em Conselho de Ministros, são 20 os tribunais a extinguir e 27 os tribunais a converter em Se[cç]ões de Proximidade. Na referida listagem integra-se a extinção do Tribunal Judicial do Bombarral. Não foram, assim, ouvidos os argumentos apresentados, nas moções, reuniões, manifestações, sugestões e petições que o Município incansavelmente defendeu.”
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“Contrariar o que [se] considera uma opção errada”
Na mesma proposta, o dirigente autárquico José Manuel Viera adiantava: “Na verdade, o que está em causa é o acesso à justiça por parte dos cidadãos que poderão, no futuro, desistir de fazer valer os seus direitos pelos meios adequados e a[c]cionar os necessários mecanismos de justiça. Por consequência, o Município do Bombarral, não obstante já o ter feito nas mais diversas sedes e pelas mais variadas formas, reiterará a sua profunda indignação perante esta decisão do governo e, dentro do enquadramento jurídico e político, irá usar de todos os meios ao seu alcance para contrariar o que considera uma opção errada.”
“Face ao exposto, sem prejuízo de outras iniciativas a concretizar oportunamente e perante o decidido pelos diversos municípios abrangidos pelas citadas medidas governamentais, na reunião promovida pela Associação Nacional dos Municípios Portugueses, em Coimbra, no passado dia 13 de [F]evereiro, proponho que a Câmara Municipal do Bombarral delibere aprovar a interposição, junto do competente tribunal, de uma providência cautelar, visando impedir a extinção pelo Governo do Tribunal Judicial do Bombarral”, prosseguiu o edil, disposto a avançar com a apresentação, ao Ministério da Justiça, “do valor das verbas públicas envolvidas na instalação, manutenção e obras para o funcionamento do Tribunal”, bem como solicitar “à Procuradoria-Geral da República [a] apreciação das divergências verificadas quanto à contabilização do número de processos adstritos ao Tribunal”. Outra das acções a colocar em prática pela autarquia bombarralense passava pela nota de contestação relativamente à medida adoptada, a fazer chegar à ministra da Justiça, também com conhecimento do Presidente da República, do primeiro-ministro, da presidente da Assembleia da República, do procurador-geral da República e do provedor de Justiça, como já recordámos. Além dessas decisões, o edil social-democrata José Manuel Vieira pretendia reforçar a acção “de comunicação e sensibilização junto população com recolha de assinaturas”, em petição pública.
Naquela oportunidade, a vereadora a Maria de Los Angeles considerou que, neste caso, a Câmara Municipal deveria “ter um papel mais proactivo”, de modo que as informações chegassem à população, explicando pedagogicamente acerca do que estariam a perder, “de forma a ganhar a população para esta causa”.
Por sua vez, o vereador Fialho Marcelino lamentava: “[…] o tribunal do Bombarral está morto. O encerramento do Tribunal do Bombarral está decidido. No diploma que foi aprovado em reunião do Conselho de Ministros, serão encerrados 20 Tribunais, mantendo-se 27 com Secções de Proximidade. No distrito de Leiria[,] o Tribunal do Bombarral é o único que encerra. Alvaiázere e Ansião continuam abertos com as tais secções de proximidade. Factos são factos: O PS criou o Tribunal do Bombarral, o PSD o encerrou.”
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Distância como “factor dissuasor”
Por conseguinte, os vereadores do Partido Socialista condenaram “a desastrosa decisão do Governo de encerrar o Tribunal do Bombarral”. “É desastrosa porque a decisão agora aprovada em Conselho de Ministros retira aos cidadãos do concelho do Bombarral o direito, constitucionalmente garantido, de acesso à justiça, na medida em que estes, para que possam exercer tal direito, terão de passar a deslocar-se aos concelhos de Caldas da Rainha, Alcobaça e Leiria, os quais distam mais de 20, 45 e 70 quilómetros, respe[c]tivamente”, argumentava o vereador Fialho Marcelino.
“No caso[s] de Alcobaça e Leiria, não existe qualquer transporte público que[,] partindo do Bombarral, permita o acesso àquelas cidades no período da manhã. Deste modo, a distância será um fa[c]tor dissuasor para os cidadãos do nosso concelho de acederem à Justiça que lhes é devida”, notava o vereador do PS. Ao considerar o Bombarral como “um dos concelhos economicamente mais deprimidos do País e com menor índice de desenvolvimento na faixa litoral a norte de Lisboa”, o edil socialista Fialho Marcelino afirmou que “tal medida constitui uma enorme atrocidade para os cidadãos deste concelho e constitui um grave retrocesso civilizacional”. Por isso, lamentou que, “ao contrário do que aconteceu nos concelhos de Carrazeda de Ansiães e [de] Castro Daire, cujas autarquias conseguiram garantir[,] junto do Ministério da Justiça, o não encerramento dos respe[c]tivos tribunais, bem como nos concelhos de Alvaiázere e [de] Ansião, pertencentes[,] tal como o Bombarral[,] ao distrito de Leiria, cujas autarquias conseguiram garantir a instalação de uma Secção de Proximidade”.
Por se lhe “afigurar da mais inteira justiça”, Fialho Marcelino disse que se justificava “plenamente a interposição da referida providência cautelar”. Como regista a acta daquela reunião camarária, o mesmo vereador socialista manifestou: “À decisão do Governo de fechar o nosso Tribunal, dizemos NÃO. Além da providência cautelar, deverá ser interpost[a] uma A[c]ção de Indemnização contra o Estado Português pelos prejuízos causados em consequência do encerramento do tribunal – prejuízos de aquisição do edifício, perda de receita autárquica decorrente do menor movimento de pessoas e negócios no concelho, possível mobilidade de residentes para outro concelho, etc. Também, se propõe a comunicação ao Ministério da Justiça da intenção [de a] Câmara abandonar a sua participação na Comissão de Prote[c]ção de Jovens e Crianças em Risco, caso se verifique o encerramento do Tribunal.”
O ex-presidente da Câmara respondeu que “o encerramento do Tribunal do Bombarral foi ditado pelo Partido Socialista quando elencou no memorando da Troika 47 municípios a encerrar, a par de outras medidas que deixaram as pessoas completamente desorientadas e desprotegidas [sic]”. E, pouco depois, alegava: “O critério que levou, no passado, homens e mulheres do concelho do Bombarral a lutar por uma justiça de proximidade justifica-se[,] nos dias de hoje[,] de forma redobrada, pelo que o Município, tendo cumprido ao longo dos anos com os custos de instalação e funcionamento do Tribunal, tudo fará, dentro do enquadramento jurídico e político, para que seja repensada esta medida, carregada de injustiça.”
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“O reflexo da própria dinâmica socioeconómica”
Passados sete anos e quase sete meses, o actual presidente da Câmara Municipal deste concelho do Oeste, ao ser interrogado sobre os impactos do “novo” mapa judiciário e acerca das consequências do encerramento transitório do tribunal local, hesita em indicar as verdadeiras vantagens desta reforma: “Eu não lhe chamaria vantagens, mas objectivos. E, nessa lógica, só consigo vislumbrar a eventual poupança nos custos de funcionamento. Havendo menos espaços abertos, existem, à partida, menos despesas com a luz, com a água e com os contratos de manutenção, etc.”
Ao perguntarmos ao socialista Ricardo Fernandes (eleito pelo PS em 2017 e, entretanto, reeleito para um segundo mandato) sobre o que significou, principalmente para a comunidade bombarralense, o encerramento (em 2014) da antiga comarca, o autarca responde: “Todos sabemos que depois de um serviço público encerrar a possibilidade de voltar a abrir é muito remota. O facto de o Bombarral estar no lote dos 20 tribunais que fecharam acabou por ser o reflexo da própria dinâmica socioeconómica do concelho, que durante mais de duas décadas foi de perda.”
Esta impressão do presidente da edilidade confirma o que se assinala no Programa Estratégico de Reabilitação Urbana (PERU) da ARU (Área de Reabilitação Urbana) da vila do Bombarral, dando conta de um tecido económico local baseado em micro e pequenas empresas, de um baixo dinamismo económico “representando 3% do volume de negócios da Região Oeste” e de o comércio tradicional estar em declínio, sendo o índice de poder de compra (IpC) e o ganho médio mensal “inferiores à média sub-regional e regional”.
“O que o cidadão comum quer é que a justiça seja acessível, rápida e sobretudo transparente. Se ao fechar o Tribunal do Bombarral, os bombarralenses tivessem sentido que, apesar de terem de andar mais uns quilómetros, as coisas passaram a funcionar de forma melhor, certamente que ninguém teria nada a apontar”, comenta o presidente da Câmara Municipal, admitindo: “O problema é que a referida legislação [a Lei da Organização do Sistema Judiciário e o Decreto-Lei n.o 49/2014, de 27 de Março], para o cidadão comum, não refletiu ganhos para as suas necessidades.”
No que respeita à mobilidade, o aludido PERU (cuja abertura do período de discussão pública foi decidida na reunião ordinária da Câmara Municipal realizada a 12 de
Novembro de 2019) regista que “assenta na utilização de automóvel”, dada a “inexistência de transportes públicos urbanos”. Situação que, mesmo dentro da ARU, dificulta a circulação dos residentes, com “índice de envelhecimento acima da média regional e nacional”.
Na opinião de Ricardo Fernandes, “os objectivos da reforma [do mapa judiciário] até são positivos e visavam a melhoria da prestação do serviço judiciário às populações, fazendo sobretudo uma forte aposta na especialização dos tribunais”. Todavia, “o problema é que, para o cidadão comum, não houve a percepção da melhoria desses serviços, e a ideia que fica é a de que os tribunais fecharam, afastando ainda mais a justiça das pessoas, apenas por uma questão de diminuição da despesa, na medida em que o país tinha de cumprir metas de redução acordadas com a Europa”.
“Falando apenas como leigo que sou na matéria, a percepção que tenho é a de que o sistema judiciário é demasiado burocrático e susceptível a incidentes que fazem parar as contagens de prazo”, expõe o autarca bombarralense, declarando que não tem consegue aperceber “se o novo mapa judiciário teve algum impacto na agilização processual”.
Ao reiterar a ideia de que os tribunais são “órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”, o presidente da edilidade do Bombarral verifica que, com a reactivação das 20 instalações encerradas em 2014 – passando a ser juízos de proximidade –, constata-se, “pelo menos, a virtude de haver uma porta aberta na qual, no mínimo, se faz o encaminhamento dos assuntos”. “Obviamente, as competências não são as mesmas, levando à necessidade, na maior parte das situações, de deslocação dos munícipes para a sequência dos processos”, repara Ricardo Fernandes.
O actual dirigente autárquico bombarralense apercebe-se que a justiça praticada localmente não corresponde às necessidades de cidadania e dos agentes económicos, “na medida em que grande parte das situações só se resolve fora do concelho”. “Mas também é impensável que possa haver um sistema que consiga cobrir todas as necessidades da população, em todos os concelhos”, sustenta o edil socialista.
Questionado pelo sinalAberto sobre se faltam, no seu município, mecanismos que permitam à sociedade (principalmente, no contexto das comunidades locais e regionais) identificar o papel primordial do poder judicial e judiciário, reforçando a sua confiança, este autarca oestino diz que “falta, essencialmente, a adopção de uma forma de comunicar que seja facilmente percetível por leigos; e que não haja a necessidade de o cidadão comum ter de recorrer a especialistas para a resolução de assuntos básicos”.
Mais de dois anos depois de estabelecida a nova organização judiciária do território (entre 1 de Setembro de 2014 e 4 de Janeiro de 2017), a ministra Francisca Van Dunem avançou com um novo mapa judiciário que possibilitou a reabertura de 20 tribunais, a esse respeito o presidente da Câmara Municipal do Bombarral acredita que “houve a intenção de voltar a aproximar a justiça das pessoas”. “Estas alterações foram positivas. Contudo, não deixou de haver uma sensação de perda em relação à situação primitiva de 2014”, verifica o dirigente autárquico.
Mencione-se que Francisca Van Dunem – a qual não foi reconduzida para a estrutura orgânica do XXIII Governo Constitucional – acaba de se aposentar como juíza conselheira (embora nunca tenha exercido a função) do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), segundo informação publicada, no dia 22 de Março, em Diário da República, na sequência da decisão do Conselho Superior de Magistratura (CSM).
Sobre os impactos locais, a nível sociodemográfico, económico e cultural relacionados com o encerramento do tribunal, o autarca socialista Ricardo Fernandes alega que apenas pode falar como leigo: “Não possuo dados concretos que me permitam quantificar as perdas, sejam elas directas ou indiretas. Mas a verdade é que toda a gente tem a percepção de que determinados serviços públicos como o Tribunal, as Finanças, a Segurança Social, o IRN [Instituto dos Registos e do Notariado], entre outros, são fundamentais para a fixação de pessoas, pois contribuem decisivamente para a qualidade de vida das populações e são geradores de grandes fluxos que ajudam a alimentar todo o comércio local e a própria vivência urbana de uma sede de concelho.”
Interrogado sobre o impacto dos ajustamentos da rede de tribunais no acesso da população à justiça, enquanto autarca, Ricardo Fernandes diz que “ainda subsiste algum distanciamento entre os serviços da Administração Central e as autarquias”. “Nas situações em que tem havido delegação de competências da Administração Central para as câmaras municipais, esse distanciamento vai progressivamente diminuindo. Contudo, em relação às restantes, é muito raro o município ter acesso a informação que permita concluir e ter uma percepção clara da evolução do funcionamento desses serviços”, elucida o edil, especificando: “O nosso relacionamento acaba por ser quase em exclusivo com o Julgado de Paz, na medida em que o município contribui com instalações, equipamentos e recursos humanos para o seu funcionamento.”
Acerca do balanço sobre os resultados visíveis (e estatísticos) da aplicação no terreno do novo mapa judiciário, sobretudo tendo envolvido o encerramento o tribunal local, o presidente da edilidade bombarralense não consegue responder, “em termos estatísticos”. Todavia, no que respeita à percepção pública, julga poder “afirmar que houve uma perda, a qual foi, entretanto, atenuada com a correcção de 2017 e a abertura do Julgado de Paz”.
Ao caracterizar este concelho oestino, a nível sociodemográfico, económico e cultural, Ricardo Fernandes nota que “o Bombarral é um município de cariz marcadamente rural”. “É um concelho próximo do litoral, mas que apresenta características muito semelhantes a concelhos do interior. Está em perda de população e, de uma maneira geral, apresenta indicadores de desenvolvimento abaixo dos restantes concelhos do Oeste, com um baixo grau de qualificação”, reiterou o autarca.
Nesta caracterização, Ricardo Fernandes considera que o Bombarral “é um concelho de extremos: por um lado, tem algumas (poucas) empresas de topo, com grande capital de exportação; e, por outro, tem uma população muito assente no ordenado mínimo, com pouca qualificação profissional”. “O Bombarral, em meados do século passado, foi muito pujante economicamente, com uma preponderância grande do sector primário, assente na produção de vinho. Com o decorrer dos anos, foi perdendo importância e demorando a reagir, não tendo conseguido aproveitar os primeiros quadros comunitários de apoio para se reinventar”, salienta o autarca socialista.
No respeitante ao peso social do tribunal no adequado funcionamento da justiça, enquanto direito de cidadania e factor decisivo na economia local, o actual presidente da Câmara Municipal reconhece que “os bombarralenses foram perdendo o seu orgulho”. Assim, “tudo o que represente mais perdas só ajuda a vincar ainda mais esse sentimento depressivo”, alude o autarca, convicto de que “o tribunal aberto é essencial para alimentar o orgulho de uma população”.
Com a alteração da matriz territorial das comarcas e com o encerramento do tribunal concelhio (a exemplo do que se passou com outros 19 municípios), os cidadãos e as empresas bombarralenses passaram a deslocar-se às instâncias centrais na capital de distrito ou a outros tribunais da região onde foram instaladas as várias instâncias especializadas, o que envolveu distâncias significativas e custos acrescidos. Acerca das marcas que ficaram nas populações locais e no tecido empresarial, o edil acentua: “É sempre complexo!” No seu ponto de vista, “a necessidade de deslocação é sempre um custo acrescido”. “Para o cidadão comum – que só em última instância é que procura a via do tribunal para dirimir alguns diferendos –, já se encontra num estado de tensão que não é habitual. Logo, ter de se deslocar para um local fora dos seus circuitos habituais é mais um fator de stress; para não falar das franjas de população que não tendo viatura própria se fazem deslocar de táxi, tendo de despender de largas dezenas de euros na deslocação”, depreende Ricardo Fernandes.
“Por vezes, há a tentativa de recurso ao sistema de videoconferência. Contudo, essa é uma solução que nem sempre resulta na sua plenitude, porque a câmara é fixa e nem sempre há a perceção de quem está a falar, para além das dificuldades de propagação do som”, critica o dirigente autárquico bombarralense, que não consegue “percepcionar qualquer relação de causa-efeito” entre os balanços económicos municipais anuais (saldos financeiros da Câmara Municipal) e a reorganização judiciária, que levou ao encerramento do tribunal local.
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“Mesmo nos dias de julgamentos, só vinha meia dúzia de pessoas à vila”
No final da tarde de segunda-feira, 28 de Março de 2022, encontrámos três bombarralenses numa conversa de amigos, avivando a memória de outros tempos e de experiências comuns. Acácio Rodrigues de Almeida, o mais velho destes cidadãos, não nasceu na vila, mas reside no Bombarral há meio século. Outro dos interlocutores, Carlos Luís, é natural de Lisboa e veio para este município do Oeste com poucos meses de vida. Mais tarde, emigrou: “Eu não vivo em Portugal desde 1972.” O terceiro homem, também sentado junto de um estabelecimento bancário local, não prestou declarações ao sinalAberto.
Acácio de Almeida está aposentado há quase três décadas, tendo trabalhado como carteiro até aos 58 anos de idade. “Eu levava cartas às meninas!”, graceja, confirmando que também transmitiu “muitas alegrias e muitas tristezas a bastante gente”. “Uma vez, levei um telegrama ao Joaquim, da Tourinha, a dar-lhe a notícia de que o filho tinha morrido em Angola, onde trabalhava. Foi tomar banho próximo de um tubarão e desapareceu”, narra o antigo funcionário dos correios que distribuía a correspondência pelos domicílios do concelho. “Lembro-me, perfeitamente, disso! Eu estava cá ainda e conhecia-o”, observa também Carlos Luís.
Em relação à extinção da antiga comarca do Bombarral, Acácio de Almeida e o seu amigo emigrante afirmam que os bombarralenses “não sentiram grandes problemas nem ficaram muito incomodados com isso”. Considerando o contacto directo com as populações, o ex-carteiro argumenta que, então, “já não havia grande movimento no concelho”.
“No entanto, ainda houve manifestações populares. Recordo-me de uma advogada que esteve muito envolvida nisso… Eu já estava reformado e não acompanhei esse processo”, nota o velho distribuidor de missivas postais, assegurando que “havia camionetas de carreira e comboios para quem tinha de tratar dos seus assuntos no Tribunal das Caldas da Rainha”.
Apesar de viver no estrangeiro, Carlos Luís reconhece igualmente que o transporte público de passageiros não criou dificuldades às pessoas que tiveram de se deslocar ao concelho contíguo devido ao fecho do tribunal bombarralense. Nesse entendimento, exemplifica: “Quem vive na freguesia do Carvalhal ou na localidade de Barrocalvo, desde longa data, vai mais vezes à cidade das Caldas da Rainha do que à sede do concelho”. O que é confirmado por Acácio de Almeida, comparando a dinâmica dos dois municípios: “Caldas foi sempre uma outra terra e um concelho mais desenvolvido!”
Sem falarmos da denominada “justiça de proximidade” nem da especificidade da reorganização judiciária, quisemos saber da impressão que estes dois cidadãos retiveram quanto aos impactos do fecho do tribunal no comércio local. O antigo carteiro garante que, nesse período de mais de dois anos, “o comércio não sofreu nada, porque, mesmo nos dias de julgamentos, só vinha meia dúzia de pessoas à vila”. “O comércio, nessa altura, já estava morto! Antes, o Bombarral enchia-se de gente que trabalhava nas vinhas e nas vindimas”, rememora Acácio de Almeida, aludindo às migrações internas que se deslocavam para esta zona rural.
Refira-se que a povoação do Bombarral pertenceu ao concelho do Cadaval até 1852. Todavia, passou a integrar o concelho de Óbidos até 1914, quando se autonomizou como município, constituído pelas freguesias do Carvalhal, da Roliça e do Bombarral. Com a inauguração da linha férrea do Oeste, em 1 de Agosto de 1887, a vila e o próprio concelho conseguiram um forte desenvolvimento agro-industrial. “O Bombarral, há 50 anos, tinha mais vida do que hoje”, recorda Carlos Luís, reiterado pelo antigo funcionário dos correios: “Ah, pois tinha!”
Para os nossos entrevistados, o encerramento do tribunal constituiu uma forma de desclassificação do concelho. “Isso não deu valor à nossa terra. Aliás, o Bombarral está morto!”, exclama Luís Carlos, para quem, “ao fim e ao cabo, o [actual] juízo de proximidade é um tribunal que não é um verdadeiro tribunal”. “Por acaso, nunca ali entrei”, salienta Acácio de Almeida.
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“Temos a percepção de que é preciso corrigir muita coisa”
Igualmente na área de influência da que seria a circunscrição do Oeste (de acordo com a anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ou Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, se viesse a ter plena concretização; o que não sucedeu, na sequência da suspensão do alargamento desse “novo” mapa judiciário, em Maio de 2010, pelo XVIII Governo Constitucional, chefiado por José Sócrates), mas no distrito administrativo de Lisboa, o município do Cadaval – contrariamente aos concelhos que até agora observámos – teve um crescimento populacional entre 2001 e 2011, passando de 13.943 para 14.238 habitantes (todavia, os dados definitivos do INE indicam 14.228 indivíduos). O aumento de 295 residentes corresponde a uma evolução demográfica positiva de 2,12%. Em sentido inverso, como indica a Pordata, entre 2010 e 2019, a população do Cadaval diminuiu de 14.257 para 13.650 indivíduos. Ou seja, neste período, o concelho perdeu 607 habitantes. Esta tendência negativa ou variação da população residente acentuou-se ligeiramente (-5,9%), entre 2011 e 2021, como verificamos na plataforma de divulgação dos resultados preliminares dos Censos 2021.
A Comarca de Lisboa, ajustada ao distrito administrativo, compreendia as comarcas de Alenquer (a qual incluía o município da Azambuja), da Amadora, do Cadaval, de Cascais, de Lisboa, de Loures (juntando o município de Odivelas), da Lourinhã,
de Mafra, de Oeiras, de Sintra, de Torres Vedras (abrangendo o concelho de Sobral de Monte Agraço), de Vila Franca de Xira (envolvendo o município de Arruda dos Vinhos).
No que se relaciona com a organização e os recursos humanos, a comarca do Cadaval, cujo tribunal era de competência genérica, dispunha de um juiz no seu quadro legal e em exercício de funções. O mesmo acontecia a respeito dos magistrados do Ministério Público, encontrando-se apenas um elemento no respectivo quadro legal e a exercer no tribunal local. Considerando ainda informação reportada a 16 de Junho de 2011, a comarca do Cadaval integrava seis oficiais de justiça no seu quadro legal, mas eram cinco os profissionais que ali desempenhavam funções.
Acerca do movimento processual e da média das entradas na comarca do Cadaval, entre 2008 e 2010, a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) assinalava, por ordem decrescente, o registo de 197 execuções, de 76 processos na área da Família e Menores (FM), de 58 processos de média instância cível, de 45 processos no foro do Trabalho, de 37 processos de média instância criminal, de 36 processos de pequena instância cível, de 30 processos de pequena instância criminal e, ainda, de 21 processos de grande instância cível. A DGAJ observava igualmente, no movimento da então comarca do Cadaval, oito processos na área do Comércio, a par de quatro processos de instrução criminal e de dois processos de grande instância criminal. No conjunto das 20 comarcas que acabariam por ser encerradas pelo MJ, a partir de Setembro de 2014, o tribunal de competência genérica do Cadaval foi o terceiro em relação à média das acções entradas, com 514 processos contabilizados pela DGAJ.
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A resposta forense que era dada no concelho do Cadaval
Na oportunidade da publicação do Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária (que, seis meses depois, deu corpo ao documento Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária), a resposta forense no concelho do Cadaval, nas áreas Cível, Penal, Família e Menores e do Comércio, era dada no tribunal competente dessa comarca oestina, enquanto os causas no foro do Trabalho eram resolvidas no antigo Tribunal do Trabalho de Torres Vedras.
Na instância central do Tribunal Judicial do Distrito de Lisboa (TJDLx), a DGAJ propunha, em 15 de Janeiro de 2012, a localização em Cascais da 1.ª Secção Cível, com competência territorial para os concelhos de Cascais e de Oeiras. A 2.ª Secção Cível, com sede na cidade de Lisboa, assumiria competência territorial para o próprio município lisboeta. A 3.ª Secção Cível, estabelecida em Loures, teria uma área de competência territorial nos municípios de Alenquer, de Arruda dos Vinhos, da Azambuja, de Loures, de Odivelas e de Vila Franca de Xira. Por sua vez, à 4.ª Secção Cível do TJDLx, localizada em Sintra, seria atribuída competência territorial para os concelhos da Amadora, do Cadaval, da Lourinhã, de Mafra, de Sintra, de Sobral de Monte Agraço e de Torres Vedras.
Igualmente a nível da instância central do TJDLx, as 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª secções criminais – respectivamente, situadas em Cascais, em Lisboa, em Loures e em Sintra – teriam competências territoriais semelhantes às das quatro secções cíveis referidas.
Em relação às secções de competência especializada, o MJ sugeria, no alcance do TJDLx, a existência da 1.ª Secção do Trabalho em Cascais, cuja área de competência territorial abrangeria os municípios de Cascais e de Oeiras. Já as 2.ª e 3.ª secções do Trabalho seriam localizadas em Lisboa (com competência para o município lisboeta) e em Loures (abrangendo a área de Loures e de Odivelas), enquanto a 4.ª Secção do Trabalho, com sede em Sintra, assumiria competência territorial para os municípios da Amadora, de Mafra e de Sintra. Por sua vez, à 5.ª Secção do Trabalho, estabelecida na cidade de Torres Vedras (entretanto, instalada provisoriamente no município do Cadaval) seria atribuída uma área de competência territorial envolvendo os concelhos do Cadaval, da Lourinhã, de Sobral de Monte Agraço e de Torres Vedras. Quanto à 6.ª Secção do Trabalho, localizada em Vila Franca de Xira, esta instância especializada teria competência territorial para os municípios de Alenquer, de Arruda dos Vinhos, da Azambuja e de Vila Franca de Xira.
No âmbito das acções executivas, a 1.ª Secção de Execução, com sede em Lisboa, teria uma área de competência territorial em todo o município lisboeta, enquanto a 2.ª Secção de Execução, situada em Loures, assumiria uma área de competência territorial nos municípios de Alenquer, de Arruda dos Vinhos, da Azambuja, de Loures, de Odivelas e de Vila Franca de Xira. Ainda neste domínio forense, a 3.ª Secção de Execução, estabelecida em Oeiras, teria competência territorial nos concelhos de Cascais e de Oeiras. Já a 4.ª Secção de Execução, localizada em Sintra, possuiria competência territorial nos municípios da Amadora, do Cadaval, da Lourinhã, de Mafra, de Sintra, de Sobral de Monte Agraço e de Torres Vedras.
Também na instância central do Tribunal Judicial do Distrito de Lisboa e na expectativa de que a “criação do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão e do Tribunal da Propriedade Intelectual reduzirão o volume processual de entradas”, a DGAJ estruturava a 1.ª Secção de Comércio em Lisboa, cuja competência territorial se estenderia aos concelhos de Alenquer, de Arruda dos Vinhos, da Azambuja, de Cascais, de Lisboa, de Loures, de Oeiras, de Odivelas e de Vila Franca de Xira. Por sua vez, a 2.ª Secção de Comércio, estabelecida em Sintra, admitiria competência territorial para os municípios da Amadora, do Cadaval, da Lourinhã, de Mafra, de Sintra, de Sobral de Monte Agraço e de Torres Vedras.
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Recomendações da DGAJ e competências territoriais
Na mesma altura, a DGAJ recomendava que 1.ª Secção de Instrução Criminal (IC) fosse colocada em Cascais, atribuindo-lhe uma área de competência territorial nos municípios de Cascais e de Oeiras. Quanto às 2.ª, 3.ª e 4.ª secções de IC (sediadas em Lisboa, Loures e Sintra), o Ministério da Justiça atribuía-lhes competência territorial, respectivamente, para o município lisboeta, para os municípios de Alenquer, de Arruda dos Vinhos, da Azambuja, de Loures, de Odivelas e de Vila Franca de Xira; e para os concelhos da Amadora, de Mafra e de Sintra. Em relação à 5.ª Secção de Instrução Criminal, a DGAJ queria, então, que fosse localizada na cidade de Torres Vedras, concedendo-lhe competência territorial para os municípios do Cadaval, da Lourinhã, de Sobral de Monte Agraço e de Torres Vedras.
No foro da Família e Menores (FM) e no campo de acção do TJDLx, o Ministério da Justiça privilegiava a instalação de sete secções de FM, localizadas na Amadora, em Cascais, em Lisboa, em Loures, em Sintra, em Torres Vedras e em Vila Franca de Xira. Refira-se que a 6.ª Secção de Família e Menores, com sede na cidade de Torres Vedras, abrangeria os concelhos do Cadaval, da Lourinhã, de Sobral de Monte Agraço e de Torres Vedras.
Ao reconhecer, em Janeiro de 2012, que a “entrada em vigor do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade introduziu alterações significativas que impossibilitaram uma leitura estatística rigorosa” relativamente ao volume processual, a DGAJ sugeria que a Secção de Execução de Penas tivesse sede em Lisboa, admitindo que a sua área de competência territorial corresponderia ao então “distrito judicial de Lisboa e Estabelecimentos Prisionais de Alcoentre e de Vale de Judeus”.
No contexto das instâncias locais do TJDLx, o volume processual expectável e subsistente à especialização então proposta pela DGAJ sinalizava, particularmente na comarca do Cadaval, 94 processos em matéria cível e 67 processos na área criminal, totalizando 161 processos nas duas áreas. Por conseguinte, a Direcção-Geral da Administração da Justiça observava que, no distrito de Lisboa, “existe uma comarca que apresenta um volume processual muito reduzido”: a do Cadaval.
Tendo em conta o movimento processual, a evolução demográfica e também a existência de instalações adequadas à actividade do tribunal, a par da oferta “de alternativas de acesso à informação para apoio ao cidadão, nomeadamente, a existência de Julgados de Paz e seus postos de atendimento, assim como Postos de Atendimento ao Cidadão”, a DGAJ fundamentava a extinção da comarca do Cadaval, única nestas circunstâncias no distrito de Lisboa e que viria a ser encerrada com a reforma implementada a 1 de Setembro de 2014, ao abrigo da Lei da Organização do Sistema Judiciário, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março.
A propósito, relembramos o que escreve o jurista Nuno Garoupa, no ensaio O Governo da Justiça, publicado em Setembro de 2011: “[…] é preciso ter em conta que nem em França nem em Itália os mecanismos alternativos resolveram a congestão dos tribunais cíveis, acabando mesmo as instâncias de mecanismos alternativos de resolução de litígios congestionados a médio prazo”. Conforme sustenta o mesmo autor, os “recentes julgados de paz em Portugal também se aproximam a largos passos dessa situação, como mostram as estatísticas disponíveis para 2005-2009 (o número de processos pendentes aproxima-se dos três mil e o número de processos entrados supera o número de processos findos)”. Ou seja, este académico alega que os “mecanismos alternativos de resolução de litígios são geradores de litigância, uma vez que acabam por ser complementares e não substitutos à justiça cível”.
Outra razão para a então extinção da comarca do Cadaval relacionava-se com a sua proximidade de Torres Vedras. Com base no serviço ViaMichelin, o Ministério da Justiça argumentava que a distância de 32 quilómetros entre essas duas comarcas oestinas poderia ser percorrida em 29 minutos.
Com um ano de experiência no alcance da nova reforma judiciária, o advogado Paulo Rocha, enquanto autor de um artigo publicado na revista Julgar (edição n.º 27), constata que, descendo “para o Centro e Sul do país, consegue-se identificar, como denominador comum, tal como em todo o país, o grande atraso na marcha dos processos executivos”. Todavia, segundo o articulista, verifica-se “a existência, aqui e acolá, de verdadeiros “clusters” com um saldo positivo digno de nota”, designadamente, os casos de Torres Vedras, da Lourinhã, de Alenquer e de Benavente, em que, “neste último caso, para além de manter algumas competências, viu o resto da sua competência dispersa por outros três tribunais, nomeadamente, Entroncamento (execuções), Santarém (Grande instância cível e crime) e Vila Franca de Xira, com o qual mantém a mesma relação que já tinha quanto à competência do Tribunal de Família e Menores” (sic).
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Entre a celeridade processual e a sucessão de poderes
“Feita uma abordagem a quem predominantemente ali trabalha”, o jurista Paulo Rocha conclui que, em 2015, “a implementação do mapa está a resultar muito bem”, principalmente “as marcações das diligências estão a acontecer e os processos a mexer”. “Todo está mais célere e, lá está, afinal mais acessível!”, comenta ainda o advogado, no referido artigo divulgado na revista Julgar (edição n.º 27). .
No anexo do documento Indicadores de A[c]tividade nos Arquivos dos Tribunais 2014, publicado pela DGAJ, em Março de 2015, é referido que, na Comarca de Lisboa Norte, ao ser encerrada a instância do Cadaval, o seu arquivo, relativo ao ano de 2014, ficou, na sua totalidade, no Arquivo Central da Comarca de Lisboa Norte (localizado no Palácio da Justiça do Cadaval), apresentando uma extensão de 528 metros de prateleiras e uma extensão documental com 327 metros, resultando um saldo positivo de 201 metros. O aludido documento não regista os processos eliminados e remetidos para o arquivo distrital, entre 2003 e 2014.
Na sequência de algumas tentativas de agendamento de uma entrevista presencial com o presidente da Câmara Municipal do Cadaval, José Bernardo Nunes acedeu responder, em 29 de Abril de 2021, a um conjunto de questões que lhe dirigimos, na troca de mensagens electrónicas.
Quase um ano depois, a lista liderada por este social-democrata consegue nova maioria absoluta (com 52,23% dos votos), mas com menos um elemento na vereação, comparando com os resultados das eleições autárquicas de 2017 (quando obteve 61,05% dos votos e cinco vereadores, no conjunto dos sete atribuídos ao município do Cadaval).
No seu primeiro mandato na liderança da edilidade, iniciada em 2013, José Bernardo Nunes obteve 45,14% dos votos, sucedendo ao também social-democrata Aristides Lourenço Sécio, que presidiu à edilidade cadavalense durante três mandatos (de 2001 a 2013) e que, no pós-25 de Abril, mais tempo esteve em funções na Câmara.
Na sessão da Assembleia Municipal (AM) do Cadaval de 20 de Dezembro de 2013, foi aprovada a acta da sessão ordinária da AM de 15 de Novembro de 2013, tendo o então presidente da AM, Joaquim Carlos Almeida Conde, informado que tinham chegado à Mesa da Assembleia duas moções acerca da manutenção do Tribunal Judicial da Comarca do Cadaval (TJCC) e da manutenção do Serviço de Finanças do Concelho do Cadaval, subscritas pelos grupos municipais do PS, do PSD, do Centro Democrático Social (CDS) e da Coligação Democrática Unitária (CDU), pelo que colocava à votação a inclusão destes assuntos na ordem de trabalhos daquela sessão camarária (em 20 de Dezembro).
Relativamente à moção pela manutenção do TJCC, “sendo do conhecimento geral da população a intenção deste Governo [XIX Governo Constitucional, liderado por Pedro Passos Coelho, de 20 de Junho de 2011 até 30 de Outubro de 2015] no enquadramento dos serviços públicos, neste caso em particular do Tribunal Judicial da Comarca do Cadaval”, foi considerado que tal “medida põe em causa o acesso dos cidadãos à justiça, direito fundamental, previsto nos artigos 13.º (princípio da igualdade) e 20.º (acesso ao direito e tutela jurisdicional efe[c]tiva) consagrado[s] na Constituição da República Portuguesa”.
A mesma moção indicava que os “prejuízos causados são incomensuráveis e de vária ordem, desde financeiros, económicos, de igualdade, de proximidade, afe[c]tando tanto a autarquia como o seu tecido empresarial e comércio local, mas sobretudo as […] populações, no momento em que estas se debatem com graves carências económicas”. “Trata-se de uma medida que conduzirá a um retrocesso civilizacional, ‘mutilando’ e lesando o poder local na disponibilização dos serviços básicos às suas populações”, acentuava-se na dita moção, argumentando-se que, por “se tratar de uma medida economicista, tal não justifica o encerramento do Tribunal Judicial do Cadaval, uma vez que as instalações são propriedade de Ministério [da Justiça], contrariamente a outras situações”.
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Pressupostos previstos na reforma da reorganização judicial
“Sendo o Cadaval um concelho com grande dispersão geográfica e de grande dimensão territorial, e bem assim, por outro lado, uma comarca judicial instalada no concelho do Cadaval há um quarto de século e com um tribunal construído pelo [E]stado há uma década, os pressupostos previstos na reforma da reorganização da estrutura judiciária irão distribuir as competências do a[c]tual Tribunal Judicial da Comarca do Cadaval, para os Tribunais de Loures, [de] Vila Franca de Xira e [de] Torres Vedras, afastando assim a justiça dos cidadãos em termos institucionais e dificultando o acesso aos tribunais, em virtude das distâncias a percorrer, da eventual escassez de transportes públicos/co[c]letivos, incompatibilidade de horários e preço dos mesmos”, como então se pronunciava a Assembleia Municipal do Cadaval, conforme regista a acta da terceira sessão ordinária do ano de 2013, realizada a 20 de Dezembro.
Por conseguinte, a AM cadavalense tomou uma posição “favorável à manutenção do Tribunal Judicial da Comarca do Cadaval, pois o mesmo encontra-se instalado em edifício recente, construído de raiz para esse efeito e propriedade do Estado, com capacidade para poder servir, também, caso assim o entendam e seja necessário, as populações de outras comarcas que eventualmente sejam abrangidas por esta reforma e cujas instalações dos seus Tribunais não sejam propriedade do Estado e de concelhos limítrofes que não possuam Tribunal [sic]”.
Na ocasião, a AM do Cadaval manifestou “a sua total solidariedade com as populações na luta pelo direito ao acesso à justiça consagrado na Constituição da República Portuguesa”, tendo assumido que daria conhecimento desta moção – subscrita pelos grupos municipais do PS, do PSD, do CDS e da CDU – ao Presidente da República, à presidente da Assembleia da República (AR), ao primeiro-ministro, à ministra da Justiça, aos grupos parlamentares da AR, ao provedor de Justiça, à Ordem dos Advogados e aos órgãos de comunicação regionais.
Como assenta a acta da primeira sessão ordinária da AM do ano de 2014, que decorreu a 13 de Fevereiro, quanto “à questão do Tribunal do Cadaval, sobre a qual estavam presentes para votação nesta assembleia duas moções”, o presidente da edilidade informou de que esteve “numa reunião da Ordem dos Advogados em Lisboa” e de que iria, no dia seguinte, “a uma outra reunião a Coimbra a acompanhar o Senhor Presidente da Câmara Municipal do Bombarral [o social-democrata José Manuel Vieira], uma vez que ele também o acompanhou solidariamente a Lisboa [sic]”.
O autarca social-democrata José Bernardo Nunes comunicou ainda que “tinha havido naquele dia uma reunião de todos os municípios cujos tribunais iam ser extintos ou reduzidos a secções de proximidade e que, como não tinha podido estar presente, enviou o seu Chefe de Gabinete”. Nessa reunião, como consta na mesma acta, “ficou decidido por todos os quarenta e sete municípios pedir uma audiência ao Presidente da República, ao Procurador-Geral da República e ao Provedor de Justiça, manter a comunicação social a par destas decisões, elaborar um documento com os dados de todos os tribunais visados neste processo e subscrever uma providência cautelar relativa ao encerramento dos tribunais nos quarenta e sete municípios [sic]”.
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“Decisão que nos é difícil de entender e compreender”
No editorial da Revista Municipal (edição n.º 46, de Março de 2014), José Bernardo Nunes alerta: “No momento em que escrevo estas notas, encontra-se em aprovação a lei que decretará o encerramento do Tribunal do Cadaval, que levará a um maior distanciamento entre os Cadavalenses e a justiça, com prejuízos para todos, numa decisão que nos é difícil de entender e compreender. [sic]” Nesse artigo que espelha o pensamento do executivo camarário, o presidente da edilidade afirma que, na sequência dos contactos efectuados com o Ministério da Justiça, foi informado de que “seria instalada provisoriamente, no edifí-
cio, a 2.ª Secção do Tribunal de Trabalho que se encontra em Torres Vedras”, e que a ministra da Justiça pretendia ir, em breve, ao Cadaval, “para cumprir com o que foi já tornado público”: “a criação, no Cadaval, de um Centro Nacional de Arbitragem para as matérias fundiárias”.
A mesma publicação trimestral da autarquia cadavalense, na sua edição de Março de 2014, relembra que, na sessão de 13 de Fevereiro da AM, foi aprovada, por unanimidade, a “Moção contra o encerramento do Tribunal do Cadaval”, através da qual delibera a “Assembleia Municipal do Cadaval que o Executivo Camarário inicie de imediato as diligências necessárias e adequadas para, em tempo e oportunamente, intentar uma providência cautelar ou outro procedimento legal contra a decisão de encerrar o Tribunal Judicial da Comarca do Cadaval, tomada pelo Governo em reunião do Conselho de Ministros ocorrida no dia [6] de Fevereiro de 2014”. A Revista Municipal (n.º 46) reaviva a intenção de a AM requerer ainda ao então Presidente da República (o antigo líder social-democrata Aníbal Cavaco Silva) “que peça a fiscalização preventiva do diploma que aprovou o novo mapa judiciário, fundamentado na violação do direito fundamental do acesso à justiça [sic]”.
Reportando-se, igualmente, à segunda sessão ordinária da AM no ano de 2013, realizada a 20 de Dezembro, a aludida Revista Municipal assinala que este órgão autárquico aprovou, por unanimidade, a “Moção pela Manutenção do Tribunal Judicial da Comarca do Cadaval”.
Em declarações ao Correio da Manhã (na edição de 25 de Fevereiro de 2014), a então presidente da delegação da OA do Cadaval confirmava que o previsto encerramento do tribunal local, por decisão da ministra da Justiça, iria afectar uma população rural e que vive em aldeias sem acesso a transportes públicos. “São pessoas com muitas carências que nos procuram até para ler uma carta e tirar dúvidas de coisas que não estão relacionadas com a Justiça”, observava Teresinha Heliodoro, ao referido diário, reconhecendo que o fecho do tribunal cadavalense envolveria a transferência de cerca de dois mil processos para Torres Vedras, para Vila Franca de Xira ou para Loures.
No desenvolvimento desta reportagem, o sinalAberto fez vários telefonemas, dirigiu-se ao escritório de Teresinha Heliodoro e procurou agendar uma entrevista presencial ou à distância com a ex-delegada da OA no Cadaval, mas a jurista declinou a possibilidade de um seu testemunho. Também a causídica Rita Nobre Valdívia, actual delegada da OA neste município do Oeste, se recusou a prestar o seu depoimento sobre os impactos locais da reforma judiciária e do encerramento do tribunal “comum”, durante mais de dois anos.
A propósito, recordamos que a Ordem dos advogados apresentou queixa-crime contra membros do Governo (liderado por Passos Coelho, o qual assinou um acordo governativo com o CDS – Partido Popular, de Paulo Portas) junto da Procuradoria-Geral da República, por atentado ao Estado de Direito, especificamente contra os governantes que estiveram presentes nas reuniões do Conselho de Ministros em que foi aprovado o diploma (Decreto-Lei nº. 49/2014, de 27 de Março) que regulamentou a Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº. 62/2013, de 26 de Agosto) e que definiu o Regime Aplicável à Organização e Funcionamento dos Tribunais.
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Luta “contra o retrocesso” da condição de cidadão
Ao tomar a palavra, na segunda sessão ordinária de 2014 da AM, realizada a 24 de Abril, o deputado Jorge Henriques (do PS) aproveitou um ponto prévio, antes da ordem de trabalhos, para questionar acerca do Tribunal Judicial da Comarca do Cadaval, na intenção de “saber qual o ponto da situação relativamente ao cumprimento da Moção aprovada por unanimidade nesta casa, isto é, se[,] em sede da Associação Nacional de Municípios Portugueses, já foram interpostas pr[o]vidências cautelares ou outro mecanismo legal consentâneo com a situação[;] caso não tenha havido desenvolvimento nessa sede[,] se o executivo já iniciou essa tarefa, tentando saber obviamente se já existe processo, ou algum procedimento judicial”.
Prosseguindo a sua intervenção, o socialista Jorge Henriques perguntou onde ocorre o relacionado procedimento judicial, atendendo ao “cumprimento desta recomendação e incumbência que foi tomada por unanimidade por todos os partidos aqui representados”. “Aliás[,] é uma legal e leg[í]tima pretensa desta Assembleia, em nome do povo do [c]oncelho do Cadaval, na luta contra o retrocesso da sua condição de cidadão de plenos direitos[,] mas também de deveres”, salientou o mesmo deputado da AM.
“Caso a resposta ou iniciativa do executivo seja de entendimento diferente, adiantava pelas seguintes ideias relativamente a este assunto”, anotou Jorge Henriques, acrescentando: “Isso a acontecer demonstrará obviamente que a preocupação do executivo, […] o anterior e este, apenas se pretendeu com os interesses desta política do governo e do PSD[,] em detrimento das dificuldades e constrangimentos que a população do concelho do Cadaval irá padecer com a reforma judiciária implantada.”
No entendimento deste socialista local, ficou “patente, embora não estivesse aqui presente nesta sala, mas esteve solidariamente lá fora, juntamente com a manifestação que o [d]eputado Ricardo Miguel juntou à porta da Câmara”. “Apenas [teve de] estar do lado em que se sentisse melhor”, observou Jorge Henriques, alegando que, por conseguinte, “foi do lado da manifestação, embora[,] como sempre[,] as pessoas que se juntam a esta situação tenham sido poucas, quer por falta de in formação, quer por falta de veiculação da própria informação”.
O referido interveniente socialista, recordou que, nesse dia da “celebração” do protocolo com a ministra da Justiça, “foram tecidos aqui largos elogios à persistência e à vontade do anterior executivo [liderado pelo social-democrata Aristides Sécio, o homem que deu ao Cadaval o epíteto de “Flor do Oeste”] e do presente [presidido pelo também social-democrata José Bernardo Nunes] na Instalação do Centro de Arbitragem no nosso concelho, o qual, em sua opinião e o tempo o dirá[;] e se não tiver razão, dará a mão à palmatória, mas[,] pela experiência que tem, talvez essas coisas não sejam bem […] como se pensam, o futuro dirá”. Na perspectiva do mesmo deputado da AM deste concelho do Oeste, a instalação do Centro de Arbitragem “muito pouco resolverá os problemas” que os cadavalenses “vão ter a partir de [S]etembro[,] ao recorrerem à justiça, os quais são já sobejamente conhecidos desta casa, mas pouco divulgados por este executivo junto da população”.
Em tom crítico, o socialista Jorge Henriques manifestou ainda: “Incorrerá em sua opinião, caso a decisão do executivo seja diferente daquela que foi recomendada nesta casa, demonstra ou pode vir a demonstrar que[,] efe[c]tivamente[,] desde o início desta questão[,] já sabiam qual era o destino a dar a este problema e que optaram claramente pela troca do tribunal para o centro arbitral. Isso é uma das interpretações. E não é isso [o] que os cadavalenses esperam deste executivo. Esperam que[,] todos juntos[,] se lute de todas as formas possíveis e legais, para a salvaguarda dos seus elementares direitos, nos quais a justiça e a proximidade dos serviços do [E]stado se encerrem.” Por isso – frisou –, “todos contamos com o executivo para reclamar a justiça”. “Não nos parecendo[,] no entanto[,] incompatível a existência destas duas realidades, tribunal/centro de arbitragem, já que existem instalações suficientes”, comentou o deputado da AM, o qual reclamava que o teor do protocolo, quanto se sabia, não tinha ainda sido “tornado público”, desconhecendo-se “quais os custos e quem os vai suportar, a sua composição e materialização jurídica e calendário da sua criação efe[c]tiva”.
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“Que todos rememos no mesmo sentido”
Ainda na oportunidade da segunda sessão ordinária da AM cadavalense, no ano de 2014, o deputado Jorge Henriques concluía: “Sendo certo que, perto do nosso concelho[,] temos os [jul]gados de paz de Óbidos, cujo seu monitório de trabalho e intenção revela[,] há muito[,] o diminuto e residual peso que tem na resolução de questões do foro voluntário judicial. Fica-se a aguardar pelo cabal esclarecimento e posição do executivo, quanto à ‘Moção’ desta Assembleia Municipal e crentes de que todos rememos no mesmo sentido[;] isto é[,] no sentido do progresso da nossa terra.” Pouco depois, o aludido socialista considerou: “[…] não nos venham com a história das reformas estruturais ou que andamos a viver acima das nossas possibilidades, pois se há dinheiro para salvar bancos roubados, desgoverno, submarinos, etc., etc., etc., tem de haver[,] por força da razão, dinheiro para os direitos mais básicos dos cidadãos.”
Cerca de dois meses depois, a 27 de Junho, na terceira sessão ordinária de 2014 (ou sexta sessão do mandato de 2013 a 2017) da AM, o deputado municipal socialista Jorge Henriques voltou a questionar sobre “o ponto de situação relativamente ao Tribunal do Cadaval, se a 2.ª secção do tribunal de trabalho vinha ou não[,] ou se vinha o tribunal arbitral”. Como constava então, “estavam a ser feitas algumas obras nas instalações”, pelo que perguntava que obras eram.
O presidente da Câmara Municipal, quanto à situação do tribunal local, “informou que o tribunal arbitral estava em desenvolvimento e que passando este período de férias, visto tratar-se de um tribunal de questões fundiárias, ia tentar fazer protocolo com todas as organizações de agricultura, começando pela cúpula, as três confederações nacionais, para divulgar e dinamizar e envolver o número máximo de pessoas para o patrocínio deste tribunal”. Porém, no que dizia respeito às obras que estavam a ser feitas, o edil social-democrata cadavalense referiu que não tinha conhecimento.
José Bernardo Nunes informou, igualmente, “que se estava a tentar fazer um julgado de paz que agregasse os concelhos de Sobral de Monte Agraço, Arruda dos Vinhos, Alenquer, Cadaval e Bombarral, uma vez que não havia capacidade para cada concelho ter o seu julgado de paz”; e “visto Alenquer ser o de maior dimensão”, ali “ficaria a sede de maior importância”, estando convencionado que, “sempre que houvesse processos”, “seria o juiz a deslocar-se a cada uma das sedes de município”.
Com a entrada em vigor da reforma judiciária, a 1 de Setembro de 2014, ao abrigo da Lei da Organização do Sistema Judiciário (regulada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março), a acta da reunião ordinária da Assembleia Municipal realizada em 26 de Setembro regista que, no período de antes da ordem do dia, o deputado José Soares (do Partido Socialista) interveio acerca da situação do tribunal. Na ocasião, o aludido deputado do PS expôs que tinha decorrido, na segunda-feira (22 de Setembro), num canal público televisivo, o programa de informação “Prós e Contras” (conduzido pela jornalista Fátima Campos Ferreira), e cujo tema naquela semana “era a discussão dos transtornos e inconvenientes do programa da Reforma da Justiça em Portugal”.
Para o socialista cadavalense José Soares, estava em causa, nomeadamente, “o acesso ao sítio, o fecho dos tribunais e outros”. Por isso, aquele deputado da AM local lembrou que, nesse debate televisivo, se encontravam “presentes várias individualidades e membros do poder local, inclusive de autarquias bem distantes do poder central”, a exemplo do Baião. Assim, este elemento do PS confessou ter ficado “triste por não ver lá representad[a] a voz” do concelho do Cadaval. O mesmo deputado recordou que foi “questionada a dificuldade dos transportes para a deslocação das pessoas, os inconvenientes, as acessibilidades à justiça, entre outras”. Daí que ele próprio se tenha perguntado: “Será que o Cadaval está conformado com esta situação, não há inconvenientes, corre tudo bem?”
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“Descontentamento” em relação à reforma da justiça
Ao tomar a palavra, o presidente da Câmara Municipal salientou que, relativamente ao programa televisivo “Prós e Contras”, “nem era necessário ser convidado, pois se tivesse tido conhecimento estaria lá presente”. O autarca José Bernardo Nunes afirmou ter estado “presente em todas as manifestações [de] que teve conhecimento” e que se pronunciou, “sempre que possível, pelo descontentamento, em relação à reforma da justiça”.
O dirigente autárquico cadavalense lembrou que um dos espaços onde interveio “publicamente” foi “neste local [no Auditório do Edifício dos Paços do Concelho], quando a Senhora Ministra [Paula Teixeira da Cruz] cá veio”, tendo havido a “oportunidade de lhe dizer”. Segundo o edil, a governante foi recebida “na condição de ela o ouvir”. Porém – complementava o presidente do executivo municipal –, “foi-lhe enviado o discurso que ela ia ouvir, caso dissesse que não, escusava de vir até cá”. José Bernardo Nunes mencionou ter estado “na manifestação em frente à Assembleia da República, entre outras” e que disse “sempre aquilo que pensava quando era conta[c] pelos jornalistas”, além de “tudo” ter feito, “inclusive” disponibilizar “transportes para quem se quisesse deslocar às manifestações”.
Nessa altura, o dirigente autárquico oestino reconheceu que o concelho do Cadaval se sente “muito lesado, pois tinha-se um tribunal comum e passou-se a ter um tribunal do trabalho, ou seja, em termos de funcionários o número é o mesmo”. Note-se que nas instalações cadavalenses do Tribunal do Trabalho foi mantido idêntico número de funcionários (cinco), sendo todos residentes no concelho. Isto deve-se ao facto de, com a reestruturação verificada, duas funcionárias saíram do Cadaval para exercerem funções no tribunal de Torres Vedras. Contrabalançando, foram para o Cadaval dois oficiais de justiça de Torres Vedras que habitavam no município cadavalense.
“Com isto, não quer dizer que não se esteja prejudicado, por não termos o tribunal comum [itálico nosso]”, reparou o edil, sustentando que, quanto à utilização do edifício, “já foram verificados alguns constrangimentos”, tendo sido tomadas “algumas diligências no sentido de minorar a audição das testemunhas por videoconferência”.
Segundo este político local, uma das “situações garantidas” pela então responsável pelo Ministério da Justiça, na sua ida ao Cadaval, “foi, precisamente, havendo um tribunal, [a de que] os munícipes podiam ser ouvidos [enquanto testemunhas] por videoconferência”. “Por azar, logo a primeira audiência foi com funcionários da Câmara para serem testemunhas, [na qual] foi solicitado que fossem ouvidos por videoconferência e o Senhor Juiz disse que dentro da mesma comarca não é possível haver audição por videoconferência [sic]”, regista a acta da mesma reunião da AM, realizada em 26 de Setembro de 2014. “Ora, se a comarca é tão grande, lá terão as pessoas [de] se deslocar para Loures”, contestava José Bernardo Nunes, dando conta da sua diligência imediata, junto do magistrado (remetendo essa informação para a ministra), para solucionar “este problema, não [d]escurando o grande prejuízo que se teve com a retirada do Tribunal”.
Como assinala a acta n.º 18 da Câmara Municipal do Cadaval, correspondente à reunião ordinária de 15 de Julho de 2014, o vereador, a tempo inteiro, Ricardo Alexandre da Silva Pinteus informou o executivo camarário de que o presidente da edilidade se encontrava “na manifestação organizada pela Ordem dos Advogados, em contestação à reforma do mapa judiciário, em solidariedade para com os mesmos, pelo que não podia estar presente e por essa razão assumir a presidência da reunião”, tendo a Câmara deliberado, por unanimidade, justificar a falta do autarca.
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Elina Fraga contesta “novo” mapa judiciário
Ao tomar posse a 10 de Janeiro de 2014, como bastonária da OA, Elina Fraga iniciou um triénio (2014-2016) muito agitado, principalmente com diversas iniciativas de contestação ao “novo” mapa judiciário, denunciando o seu impacto nas comunidades directamente afectadas pelas alterações ao “regular” funcionamento da Justiça, com repercussões nas empresas e na generalidade do País. Logo no começo do seu mandato, a representante dos advogados portugueses esteve presente em inúmeros debates, conferências, vigílias e manifestações de rua, tendo apelado aos autarcas a juntarem-se ao movimento que lutava para travar o mapa judiciário aprovado pelo Governo de Passos Coelho, o qual resultou das eleições legislativas de 5 de Junho de 2011, em que o PSD ganhou com maioria relativa.
Assim, em 30 de Maio de 2014, a OA realizou uma assembleia-geral extraordinária para apreciação e discussão da reorganização judiciária, visando a adopção e a concretização das medidas de objecção mais adequadas, na expectativa da reforma judicial e do acesso ao Direito, com a regulamentação e a aplicação da Lei da Organização do Sistema Judiciário. Entretanto, a 15 de Julho de 2014, no “Protesto Nacional de Cidadania Contra o Novo Mapa Judiciário”, os muitos advogados presentes envergaram a toga num acto simbólico de defesa dos direitos de cidadania, junto da escadaria da Assembleia da República.
Na mesma reunião do executivo camarário, a 15 de Julho, o vereador Filipe Manuel Lourenço Pereira aludiu à manifestação pública que, nessa terça-feira, estava a decorrer, defronte da AR, sobre a reforma do mapa judiciário e disse “ter ouvido”, através da comunicação social, que o presidente da Câmara Municipal (CM) de Torres Vedras “está a enveredar todos os esforços para que o Tribunal do Trabalho não seja retirado da sua comarca, pelo que esta será a altura adequada para que o [p]residente da Câmara Municipal do Cadaval, e uma vez que o tribunal do trabalho virá para o nosso concelho, provisoriamente, enveredar esforços no sentido [de o] mesmo poder ficar, definitivamente, no Cadaval”. O vereador socialista expôs, ainda, que “só com a manutenção deste tipo de serviços, no Cadaval, é que se conseguirá promover e dinamizar o concelho”.
Por sua vez, o vereador Dinis Nobre Duarte – a quem o Partido Socialista “retirou toda a confiança”, como ele próprio informou na reunião ordinária da Câmara, em 25 de Março de 2014, sendo actual membro do executivo (pelo PPD/PSD), com mandato em decurso até 2025 – manifestou que, aquando da ida da ministra da Justiça aos Paços do Concelho, “a mesma referiu que faria os possíveis para que esta situação acontecesse, não obstante, pessoalmente, considerar que o Tribunal do Trabalho ficar definitivamente no Cadaval possa ser difícil [sic]”.
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Recorde-se, igualmente, que o Ministério da Justiça e a CM cadavalense assinaram, a 26 de Março de 2014, um protocolo enquadrador da criação de um centro de arbitragem em matéria fundiária, o qual seria sediado no Palácio da Justiça deste município do Oeste. Com o novo centro de arbitragem – de competência especializada no seguimento de conflitos decorrentes da actividade fundiária e agrícola –, procurou-se aproveitar sinergias com o objectivo de agilizar a resolução de litígios no seio de uma realização económica relevante para a região, atendendo também à sua capacidade exportadora de produtos frutícolas e hortícolas. Daí a chamada na primeira página da edição n.º 47 (Junho de 2014) da Revista Municipal: “Tribunal dá lugar a Centro de Mediação e Arbitragem Fundiário”.
No respectivo editorial, o dirigente autárquico José Bernardo Nunes reconhece que, efectivamente, “não […] foi possível contrariar a determinação do Governo quanto ao encerramento do tribunal que, desde 2012, era anunciado”. “Mas foi e será possível fazer tudo para minimizar os seus impactos junto da população”, salienta o político cadavalense, notando: “Para isso, estamos a trabalhar em várias soluções, algumas do conhecimento público, como a criação de um Centro Nacional de Mediação e Arbitragem Fundiária [CNMAF] e, mais recentemente, na possibilidade de ser também criado um Julgado de Paz, à semelhança do que existe noutros locais do país e que permite resolver muitos dos problemas que normalmente vão parar à barra do tribunal. Foi-nos ainda garantido que o Tribunal do Trabalho, que está a[c]tualmente instalado em Torres Vedras, passará provisoriamente para o Cadaval, com todos os seus serviços inerentes.”
Na ocasião da assinatura do acordo de criação do CNMAF, José Bernardo Nunes revelou esperar que o centro constitua «uma mais-valia para auxiliar e promover a resolução de litígios que possam ser submetidos à arbitragem voluntária de todas as matérias relacionadas com as questões fundiárias”, como informa a Revista Municipal, adiantando que o autarca manifestou a sua «insatisfação quanto ao encerramento do tribunal», apesar de compreender “a necessidade da reforma do Estado”.
Nessa oportunidade, o dirigente autárquico fez referência às diligências encetadas pelo município para “minimizar os impactos do afastamento do acesso à Justiça, que resultaram nesta vontade de criar, no Cadaval, o CNMAF”. Como é também exposto nesta publicação, o social-democrata José Bernardo Nunes apelou ao bom senso do Governo quanto à possibilidade de virem a ser realizadas, no Cadaval, “diligências de proximidade como a audiência de testemunhas por videoconferência e quanto à flexibilização do Ministério Público no que respeita às questões de ordem pública”.
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“Um tribunal de competência nacional”
A governante Paula Teixeira da Cruz acentuou que o município do Cadaval não deixava de ter um tribunal, mas que efectivamente ganhava “um tribunal de competência nacional”, sublinhando não poder continuar a existir uma organização judiciária “em que num tribunal se trata de tudo”. Na perspectiva da antiga ministra da Justiça, o número de processos no tribunal de competência genérica cadavalense era de um “volume injustificável”, observando que “as necessidades fundiárias” eram as que mais se faziam sentir no concelho. O que, a seu ver, justificava a criação, neste município do Oeste, de um tribunal vocacionado para as questões ligadas à terra, constituindo “uma iniciativa pioneira” no País.
No que concerne às questões dirigidas ao político social-democrata José Bernardo Nunes, eleito para a Câmara Municipal do Cadaval em 2013 e em 2017 e que se recandidatou a um terceiro mandato, em 26 de Setembro de 2021, o edil começa por duvidar das vantagens desta reforma do mapa judiciário: “Essa é uma pergunta que terá de ser feita ao Governo, pois da parte da autarquia não se sentiu qualquer vantagem. Bem pelo contrário!»
Em Junho de 2012, os autarcas dos supostos municípios com tribunais a serem extintos no âmbito da proposta do Ministério da Justiça para a reforma do mapa judiciário decidiram cancelar a manifestação anunciada para o Dia de Portugal, em Lisboa, porque alguns dirigentes autárquicos entenderam que “poderia ser um pouco ousado partir já [então] para essa solução”. Essa decisão foi tomada numa reunião em Coimbra, na sede da ANMP, estrutura que viria a contestar o fecho dos tribunais. “O encerramento do Tribunal da Comarca do Cadaval significou, exactamente, os receios manifestados pela população”, frisa José Bernardo Nunes.
Para o presidente do executivo camarário, o fecho de 20 tribunais, incluindo o da antiga comarca cadavalense denotou, “essencialmente, o afastamento entre a Justiça e os cidadãos e a sensação de ausência de Estado no concelho”. “À medida que se encerram serviços estatais nos territórios, intensifica-se essa sensação de abandono”, esclarece, anotando que, “na prática, esse afastamento é real porque obriga os cadavalenses a deslocarem-se para fora do seu concelho, para, por exemplo, estarem numa audiência de tribunal”. Nessa circunstância, como repara o edil, “ficou ferido o princípio da territorialidade”.
Este político local exemplificou, concretamente, com “o facto de as candidaturas às [então próximas] eleições autárquicas obrigarem a uma deslocação a Torres Vedras para a entrega das listas no tribunal, o que é (no mínimo) caricato, quando continua a existir um Palácio da Justiça no Cadaval, com funcionários”.
Ao perguntarmos se a reforma do mapa judiciário, avançada por Paula Teixeira da Cruz, era necessária, José Bernardo Nunes admite que “a Justiça precisa de uma reforma”, mas declara ao sinalAberto não saber “se o encerramento de tribunais é a solução”. Para este autarca oestino, “sempre que se encerram serviços, decerto que o acesso a estes fica mais reduzido”. Todavia, ante a propalada “desertificação”, particularmente nos concelhos do interior do País – o que não sucede com o Cadaval –, o edil social-democrata julga “que não está directamente relacionada com a oferta de serviços de Justiça, mas pode ajudar”.
No que respeita à efectiva razão dos atrasos na Justiça, quanto à sua capacidade de resposta, em face da pendência ou da entrada de novas acções ou processos, o presidente da Câmara Municipal do Cadaval afirma que não tem “uma opinião formada sobre o assunto”. “Mas, se reduzirmos o número de processos, com certeza o sistema ficará mais ágil”, reflecte.
Ao admitir que os tribunais são órgãos de soberania com competência para “administrar a Justiça em nome do povo”, nos termos da Lei da Organização do sistema Judiciário (de 26 de Agosto de 2013), José Bernardo Nunes, enquanto político com responsabilidades locais, verifica que, com a reactivação das 20 instalações judiciais encerradas em 2014 – as quais passaram a ser juízos de proximidade –, não foram repostas as competências das antigas comarcas. “Não é a mesma coisa. Ficámos a perder com esta alteração”, realça.
“Foi-me transmitido que os julgamentos com maior número de pessoas poderiam voltar a ocorrer no concelho, bem como a audição de testemunhas poderia ser efectuada por videoconferência, mas não sei em que situações em concreto”, diz o presidente do executivo cadavalense, confirmando a inexistência de quaisquer protocolos da autarquia com o Ministério da Justiça (MJ) relacionados com a colocação de oficiais de justiça. “No nosso caso, os funcionários existentes são colocados pelo Ministério da Justiça”, comprova, sem “opinião formada” acerca da escassez de oficiais de justiça, nem sobre se as soluções tecnológicas e de racionalização ajudam a atenuar uma inadequada realocação ou redistribuição destes profissionais.
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“Teremos de reforçar a nossa exigência”
Com a denominada “nova reforma do mapa judiciário”, José Bernardo Nunes verifica que foram identificadas dificuldades, sentidas no terreno, pelos agentes judiciários e pelas populações. “Sim, temos sempre pessoas que reclamam quando são confrontadas com a obrigação de se deslocarem para fora do concelho, para estarem presentes em tribunal, mas, até à presente data [29 de Abril de 2021, quando enviou o seu depoimento escrito ao sinalAberto] ainda não recebi qualquer reacção que implique uma intervenção por parte do município”. O edil observou que – também na expectativa de um espírito de abertura e de diálogo entre o MJ e as autarquias –, “quando esse for um sentimento colectivo, teremos de reforçar a nossa exigência”.
Indagado em relação a um modelo judiciário visto como eficiente, justo, equitativo e com credibilidade, o presidente da edilidade cadavalense é omisso quanto à apreciação da justiça praticada localmente e acerca da sua correspondência com as necessidades de cidadania dos munícipes e dos agentes económicos deste concelho oestino. “Não tenho opinião formada sobre o assunto, embora preferisse ter o Tribunal de Comarca a funcionar no Palácio da Justiça do Cadaval”, responde, atendendo a que o mesmo edifício compreende também a Conservatória dos Registos Civil, Predial e Comercial, além de ter passado a acolher, provisoriamente, desde o início de Setembro de 2014, o Tribunal do Trabalho de Torres Vedras.
Ao querermos saber se faltam, no município do Cadaval, mecanismos que permitam à sociedade (sobretudo, no contexto das comunidades locais e regionais) identificar o papel primordial do poder judicial e judiciário, reforçando a sua confiança, o autarca social-democrata José Bernardo Nunes alega que não tem “tido abordagens da comunidade nesse sentido”.
Mais de dois anos depois de estabelecida a nova organização judiciária do território (entre 1 de Setembro de 2014 e 4 de Janeiro de 2017), a ex-ministra Francisca Van Dunem avançou com alterações no mapa judiciário que possibilitaram a reabertura ou a reactivação de 20 estabelecimentos judiciais. Por isso, o sinalAberto pergunta ao edil se foram ou não repostos os princípios constitucionais de acesso ao direito e aos tribunais no âmbito do seu município. A resposta é clara e breve: “Até voltarmos a ter Tribunal no Cadaval, julgo que não. Afinal, será sempre mais fácil deslocar-se um juiz ao Cadaval, do que várias pessoas para fora do concelho, para irem ao tribunal.”
A respeito dos impactos locais – a nível sociodemográfico, económico, cultural e simbólico – do fecho do tribunal “comum” ou juízo criminal, este responsável autárquico verifica: “O Tribunal do Trabalho está no Palácio da Justiça do Cadaval, a funcionar desde essa altura, pelo que não se sente muito o impacto do ‘encerramento’ do tribunal. No entanto, quando os cidadãos precisam de recorrer à Justiça, têm de se deslocar a Torres Vedras.”
De forma inequívoca, José Bernardo Nunes perfilha a ideia de que a extinção da comarca do Cadaval, com um conjunto de competências que não foi reposto, representou, para o seu município, a negação do acesso à justiça: “É esse o sentimento que temos e é óbvio que a justiça está menos acessível.” Enquanto autarca, vai encontrando reajustamentos na rede de tribunais tendentes a melhorar o acesso da população à justiça. Todavia, insiste: “Temos a percepção de que é preciso corrigir muita coisa.”
A propósito de um eventual balanço que se possa fazer sobre os resultados visíveis da aplicação, no terreno, do novo mapa judiciário, sobretudo tendo envolvido o “fecho” do tribunal local, o nosso entrevistado assume um tom crítico: “Embora, aparentemente, não haja um grande impacto, sempre que os cidadãos precisam de recorrer à Justiça, apercebem-se de que ela está mais longe.”
Na análise dos grandes males da Justiça, no nosso país, José Bernardo Nunes não exclui a possibilidade de a extinção e concentração de alguns tribunais e das respectivas pendências terem tomado uma dimensão que só a política saberá explicar. Por isso, manifesta: “O encerramento de tribunais ajudou, mas o problema da Justiça, em Portugal, vai muito para além do mapa judiciário.”
Ao atender ao quadro sociodemográfico, económico e cultural do município a que dedica grande parte da sua vida, na condição de indivíduo que se preocupa com a comunidade, o autarca refere que, “enquanto direito de cidadania e factor decisivo na economia local, o facto de não existir um tribunal a funcionar tem, sempre, um impacto negativo na população e na imagem do próprio concelho”.
Por conseguinte, com a alteração da matriz territorial das comarcas e com o encerramento do tribunal “comum” concelhio, os cidadãos e as empresas passaram a deslocar-se às instâncias centrais na capital de distrito ou a outros tribunais da região onde foram instaladas as várias instâncias especializadas, o que envolve distâncias significativas e custos acrescidos. Daí que nos interesse averiguar relativamente aos sinais ou marcas que ficam nas populações locais e no tecido empresarial. A esse respeito, o edil reitera que estas circunstâncias reformistas do foro judiciário têm “causado constrangimentos que são difíceis de perceber para quem tem um tribunal instalado num edifício relativamente recente e com boas vias de acesso para que os magistrados aqui se desloquem para os julgamentos”. “Julgo que, no nosso caso, este facto não teve um impacto directo no orçamento municipal. No entanto, teve nos orçamentos das famílias e das empresas”, conclui José Bernardo Nunes.
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“A população andava enervada e contestou”
Isabel Moisés é proprietária de um estabelecimento de restauração que também presta serviço de «take away», na Avenida Dr. Francisco Sá Carneiro. Natural do Cadaval, onde sempre viveu, esta cidadã de 51 anos de idade assume uma vida de trabalho e um temperamento calmo e cumpridor, tal como ela caracteriza a comunidade local.
A única experiência que a associa directamente ao ambiente da Justiça foi na qualidade de testemunha, num processo que a fez apresentar-se no Tribunal de Benavente. Essa deslocação, a uma distância de cerca de 65 quilómetros e durando quase uma hora de viagem em automóvel próprio, foi muito incómoda para si, porque não trabalhou nesse dia e teve despesas com as deslocações de ida e volta, sem ter sido ressarcida. “Se fosse de táxi, era um dinheirão!”, menciona.
Quando se soube que a comarca do Cadaval iria ser extinta, Isabel Moisés confirma que “a população local andava enervada e contestou” o facto de as matérias judiciais começarem a ser tratadas nas instâncias de Torres Vedras e de Loures – exceptuando as do foro laboral, já que o antigo Tribunal de Trabalho de Torres Vedras (agora designado de 2.ª Secção do Trabalho da Instância Local de Torres Vedras da Comarca Lisboa Norte) passou, aqui, a funcionar provisoriamente no início de Setembro de 2014, por falta de instalações no concelho de origem, para onde vai proximamente regressar, de forma definitiva, após obras de 1,1 milhões de euros num imóvel arrendado à Caixa Geral de Depósitos. Mencione-se que em Loures são resolvidos os processos executivos, os processos de insolvência, os comuns colectivos e as acções de valor superior a 50.000,01 euros. Por outro lado, em Torres Vedras são tratados outros tipos de processos: os inerentes ao Tribunal de Família e Menores, os de “pequenos e médios crimes” e as acções comuns de valor inferior a 50.000,01 euros. Nesta cidade, funciona ainda a secção do DIAP – Departamento de Investigação e Acção Penal do Ministério Público.
“As pessoas passaram a ter de se deslocar para fora do concelho… Quando o tribunal veio foi uma melhoria. E, depois, foi como se tivéssemos andado para trás no tempo”, recorda a nossa entrevistada, não compreendendo essa decisão do Ministério da Justiça, considerando que “as instalações eram relativamente novas”. “Anteriormente, o tribunal estava por cima da Caixa de Crédito Agrícola”, comenta Isabel Moisés, reiterando que o tribunal constituiu “um progresso para a terra”.
“Este é um concelho grande, envelhecido e com pouca gente. As pessoas fogem daqui. Ao tirarem-nos este tipo de serviços, estão a afastar as pessoas”, diz ao sinalAberto, apesar de reconhecer que o município do Cadaval “tem riqueza agrícola”. No seu ponto de vista, isto acontece, “um bocadinho, por falta de vários serviços”. “Assim, as empresas acabam por não se desenvolverem, porque não é fácil. Se têm alguma questão judicial para resolver, têm de ir a Lisboa ou a Torres Vedras. Depois, são processos morosos e quanto menos tribunais há mais se demora. Tudo isto faz com que a população fuja daqui!”, argumenta Isabel Moisés, retomando a memória da sua participação na qualidade de testemunha, em que se tinha deslocado a Benavente, para uma audiência que não se realizou, após a chamada das pessoas que foram convocadas. Em face do adiamento da audiência, esta cidadã solicitou o livro de reclamações e pediu para ser ouvida, por videoconferência, na instância judicial cadavalense. O que veio a suceder.
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“O mapa judiciário não pode ser uma estatística de aviamento dos serviços da Justiça”
Para o jurista Nuno Pinto Coelho Faria, a quem foi pedido, pela Câmara Municipal do Bombarral, um relatório conclusivo do processo relacionado com o encerramento do tribunal local e que, há mais de duas dezenas de anos, tem exercido a profissão de advogado “com processos em todas as comarcas da região Oeste”, o aspecto “mais pernicioso da proposta de reforma judiciária que foi apresentada e depois implementada tem a ver com vários critérios, como o do movimento processual não inferior a 250 processos por ano”.
Na visão deste causídico com escritório na Avenida da Liberdade, em Lisboa, “o problema principal era a incoerência que havia e que existiu em virtude de o Bombarral ser do distrito de Leiria e não do de Lisboa”. “Isso faz toda a diferença! O facto de o Cadaval ser parte do distrito de Lisboa também fazia alguma diferença, sendo comarcas contíguas”, constata Nuno Pinto Faria, o qual critica “essa avaliação de pendências”, pois “os números das pendências não tinham em consideração a importância dos processos”.
No âmbito da entrevista por telefone, em 17 de Novembro de 2021, acerca dos impactos sociais, económicos, culturais e/ou simbólicos da aplicação do novo mapa judiciário em 2014, que implicou o encerramento da então comarca do Bombarral, cujo tribunal foi reactivado em 2017, como secção ou juízo de proximidade, o advogado afirma que “o aspecto mais importante da reforma é a falta de ideias claras”.
“Na altura da implementação deste mapa judiciário, ambos os municípios eram do mesmo partido político do Governo que estava a implementar estas medidas [convém lembrar que o social-democrata Pedro Passos Coelho estabeleceu um acordo com Paulo Portas, que incluiu a manutenção do líder do CDS/PP no Governo]. Creio que a disciplina partidária prejudicou aquilo que era a realidade no terreno, bem como a validade da reforma com relação a uma região. O que estou a dizer é que, sendo dois concelhos contíguos, criou-se uma mancha… Ou seja, o objectivo era criar uma mancha de ausência de regulação concreta dos serviços da Justiça”, declara Nuno Pinto Faria ao sinalAberto.
“Ao eliminar essas duas comarcas – na prática, fecharam os tribunais de ambas as comarcas –, estava-se a criar, então, uma mancha na região. De facto, tinham pendências que não cumpriam os números magnos que estavam designados. Acho que até havia algumas discussões acerca da credibilidade desses mesmos números”, expõe o advogado.
“A reforma judiciária foi pensada por imposição da troika, mas, acima de tudo, sem atender às circunstâncias de que, numa folha de Excel, o Bombarral aparece no distrito de Leiria e o Cadaval no distrito de Lisboa”, critica o causídico, reiterando a ideia de que, nesse período, os respectivos executivos camarários “não contestam porque há disciplina partidária”.
Ao intervir em Portugal, a troika foi liderada, em Abril de 2011, por Jürgen Kröger (da Comissão Europeia), contando com as participações de Poul Thomsen (em representação do Fundo Monetário Internacional) e de Rasmus Rüffer (do Banco Central Europeu). Tendo-se mantido no nosso país até 17 de Maio de 2014, esta estrutura internacional, com base no Memorando de Entendimento (assinado a 17 de Maio de 2011), sujeitou a vida dos portugueses às exigências de um resgate que marcou o mercado laboral, incluindo cortes no subsídio de desemprego e flexibilizando os critérios para despedimentos, além de envolver uma redução nas pensões. Tudo isso porque, a 6 de Abril de 2011, o demissionário primeiro-ministro José Sócrates alertava para a inevitabilidade de um pedido de ajuda financeira externa, na sequência do chumbo do Plano de Estabilidade e Crescimento IV (ou PEC IV). Coube ao Governo de Pedro Passos Coelho (XIX Governo Constitucional, resultante das eleições legislativas antecipadas, de 5 de Junho) avançar com o plano da troika, tendo a austeridade dado origem a um clima social crispado e motivador de muitas acções de protesto nas ruas.
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Aproveitar o parque judiciário no Cadaval
“Embora rangendo os dentes, os autarcas engolem em seco, uns menos do que outros. O Cadaval reagiu de uma forma que o presidente [da Câmara Municipal] entendeu dever ser mais concreta. Reagiu e até apresentou uma proposta para contornar isso, a qual foi acolhida pela ministra da Justiça e que acabou por vir a ser levada a cabo”, recorda o jurista, aludindo à criação de um centro de mediação fundiária nacional, com sede no Cadaval.
“A ministra [Paula Teixeira da Cruz] aceitou formalmente e fez um protocolo, o qual foi assinado para a criação disso, no intuito de aproveitar o parque judiciário no Cadaval, que era integrado pelo Tribunal [Palácio da Justiça] construído de novo. Uma coisa que no Bombarral não existia. Naturalmente, isso iria beneficiar toda uma secção – que estava delimitada em planos, inclusive – ligada ao Tribunal do Trabalho”, esclarece Nuno Pinto Faria.
Em relação ao aproveitamento do edificado e dos equipamentos existentes, o jurista acusa a circunstância de os governantes não terem “aprofundado os esforços de ocupação dessa instalação pré-existente e apta a trabalhar” na vila do Cadaval, denunciando que “já não havia uma preocupação tão grande de potenciar projectos parajurídicos ou em conexão com a actividade da Justiça, de forma a rendibilizar o equipamento de qualidade que ali se encontrava”.
“No Bombarral, a coisa era diferente! O tribunal tinha uma dimensão mais pequena. Mas eu acho que o aspecto mais importante da incorrecção desta reforma e destas questões é que a Justiça – ou a necessidade de justiça – não é um serviço quantificável, como sendo um serviço centralizado”, distingue o jurisconsulto conhecedor da realidade oestina.
Porque há um mundo real e de interacção social, a justiça não pode ser outra coisa, “sendo o mais importante”. A propósito do mapa judiciário, Nuno Pinto Faria admite que, “se temos uma determinada realidade administrativa no país judicial, seja ela o que se entender, tem de haver uma lógica de coerência territorial com as divisões que se criam”.
“Há um aspecto que eu acho muito importante: a Europa e Portugal, em concreto, perderam a noção da importância da estabilidade institucional, não só sob o ponto de vista da actuação mas, sobretudo, da existência. O que é quero dizer com isto? Se vamos aos Estados Unidos, sendo um país com meia dúzia de anos, comparando o nosso Estado, as corporações de bombeiros, os serviços de protecção civil, a polícia e os departamentos de combate ao tráfico de estupefacientes, entre outras instituições (boas ou más), têm a mesma configuração, com o dístico e sede fixa, em muitos casos, há 100 anos”, reforça o jurisconsulto.
“Aquilo que nós temos aqui é um problema que, à data de hoje, as reformas do mapa judiciário criam, em si mesmo, um problema de acesso físico à Justiça. Embora sejamos um país pequeno, não somos pródigos em transportes. E os tribunais, todos eles, têm localizações em povoações pouco servidas pelos transportes públicos”, denuncia o causídico, adiantando: “Por muito que se invente naquilo que são as soluções de audição por meios de videoconferência, o mapa judiciário não pode ser uma estatística de aviamento dos serviços da Justiça. Não é um supermercado da Justiça, mas um sítio onde as pessoas querem ver os seus problemas e os seus litígios resolvidos.”
“Aquilo que eu estou a dizer é que, na prática, não se pode encarar isto como uma mera estatística. Ou seja, nós não podemos ter na Justiça, porque envolve direitos fundamentais dos cidadãos, o mesmo conceito que o mercado aplica aos supermercados. Não é assim que as coisas funcionam. Dada a dignidade da sua função, a Justiça não é uma actividade lucrativa, pois não é suposto que dê lucro”, argumenta Nuno Pinto Faria, reconhecendo tratar-se de “uma manifestação de soberania num [qualquer] pedaço do território nacional”, salvaguardando “a satisfação dos direitos fundamentais” das pessoas. “Há traços civilizacionais básicos no exercício do Estado de direito e daquilo que é aplicado no território, tenha ele a dimensão que tiver”, insiste o nosso entrevistado, na convicção de que o exercício do poder público está submetido às normas e aos procedimentos jurídicos, os quais devem poder ser acompanhados e, até, contestados pelos cidadãos.
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A incidência territorial e o conceito de “comarca”
Na sua opinião, “os mapas judiciários não são matérias que possam ser decididas em função de critérios numéricos e de pendências”. “Não podem! Senão têm de ser alterados os critérios de territorialidade”, sublinha o jurista, ao defender que “os critérios fundamentais da incidência e da definição das regras de competência são a incidência territorial e o conceito de comarca”, admitindo que determinado facto se considera praticado no lugar (total ou parcialmente) onde o agente actuou ou devia ter actuado.
No decurso da entrevista, Nuno Pinto Faria destacou que, “até 2017, a própria actividade motora destas zonas [Bombarral, Cadaval e demais municípios do Oeste], que é a agricultura, não era vista – como o é hoje – como mais rendível do que muitas actividades terciárias que existem nos grandes centros urbanos”. O que, no seu entender, “significava que não havia necessidade de investir nas economias locais”. “O Bombarral foi vítima disso, tal como o Cadaval”, sustenta o jurista, reparando no contexto dos respectivos distritos, em que estes dois municípios do Oeste “são as realidades mais pequenas”.
Quanto aos impactos da reforma judiciária e do encerramento de tribunais, Nuno Pinto Faria releva que se “deslocou para fora destes concelhos aquilo que é o primeiro dos litígios, o primeiro dos processos, a primeira das matérias que um tribunal de uma comarca de província trata: os direitos reais” (ou direito das coisas). Esta decisão do Ministério da Justiça interferiu na “regulação de todas as acções referentes aos característicos problemas da ‘província’, transferindo-as para fora dela”. “E introduziu um prejuízo nas próprias comunidades”, atendendo ao “sentimento de menor protecção, de menor tutela efectiva e de menor possibilidade de salvaguarda dos seus direitos e interesses”, a exemplo das acções de reivindicação da propriedade de uma coisa móvel ou imóvel (como sucede com um terreno agrícola ou prédio rústico).
Como advogado com área de prática incidente nos Direitos Reais, Nuno Pinto Faria patrocinou diversas acções no contexto das matérias deste ramo do Direito e que seguem o critério de competência territorial da área dos bens. Assim, interveio profissionalmente em inúmeros processos judiciais na região Oeste, respectivamente nas “comarcas” do Cadaval e do Bombarral, como em Torres Vedras, Caldas da Rainha, Lourinhã, Mafra, e Alenquer, entre outras.
O advogado recorda igualmente que, “não há mais de 25 anos, os parques judiciários antigos e pouco compatíveis com o conceito de funcionamento de órgão de soberania eram remediados, mas cumpriam a sua função com dignidade e acerto, mesmo nos tempos em que o Cadaval tinha um tribunal que era num 1.º andar do edifício da Caixa Agrícola; tal como no Bombarral, sempre com uma sala de audiências pequena”.
“De facto, anos depois, com sala pequena ou grande, deixa de haver tribunal no Bombarral ou desperdiça-se, até, um Palácio da Justiça construído de novo no Cadaval”, expõe o jurista, em tom crítico. “Havia uma visão de justiça que foi abandonada em prol de medidas que, alegadamente, foram impostas pela troika, mas cuja visibilidade para o país real, nascido dos forais e dos pelourinhos, não ia para além da portagem da A8, em Loures”, reitera o advogado. O jurisconsulto Nuno Pinto Faria assume a Justiça como um dos “pilares do Estado de direito democrático”, podendo “ter serviços centrais distritais ou regionais”, mas alega que “não pode perder a sua matriz concelhia e local”.
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A SEGUIR:
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Do Alto Alentejo ao Alentejo Central: a Justiça em Castelo de Vide e em Portel
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(*) Nas próximas semanas, no jornal sinalAberto, continuaremos a desenvolver o dossiê com o título genérico “Justiça: o que não se lê no mapa”, no âmbito das Bolsas de Investigação Jornalística 2020, atribuídas pela Fundação Calouste Gulbenkian.
14/04/2022