La Tirana e a Virgem do Carmelo na História do Chile
A Santíssima Virgem do Carmelo é invocada no Chile como Rainha, Mãe, Padroeira e General Juramentada das Forças Armadas e da Ordem. Títulos que são fruto do especial reconhecimento da proteção da Mãe de Deus ao longo da História.
Vários anos antes do espanhol Pedro de Valdivia (1497-1553) iniciar a conquista do Chile, de acordo com a localização actual do território nacional, o primeiro templo Mariano do país já estava activo. Era uma pequena ermida erguida na cidade de La Tirana (no norte do país), em homenagem a Nossa Senhora do Carmelo. A data de sua fundação é incerta, mas sabe-se que foi fundada pelo padre mercenário Frei Antonio de Rondón.
Mais tarde, no ano de 1595, os padres agostinianos chegaram ao Chile e, na cidade de Concepción (no sul do país), introduziram a devoção à Virgen del Carmen, fundando ali a primeira Irmandade do Carmo, em 1648. Esse fervor religioso espalhou-se rapidamente na cidade, sendo a virgem carmelita acolhida com um fervor especial. Fervor manifestado, essencialmente, durante todo o dia 16 de Julho, dia em que a Igreja celebrava a festa de Nuestra Señora del Carmen, cuja imagem os padres agostiniano levavam em procissão pelas principais ruas da cidade de Concepción.
Dada a devoção do povo chileno pela Virgem do Carmelo, ela passou a ser invocada nas etapas mais importantes da História do país e, de forma muito especial, na luta pela independência nacional, em que a sua maternal intervenção foi muitas vezes invocada.
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A Virgem de La Tirana
A celebração da Virgem de La Tirana realiza-se, anualmente, na região de Tarapacá, sendo uma das mais importantes do norte do país. De origem colonial, a festividade em homenagem à Virgem que se encontra no povoado de mesmo nome, tem fortes influências andinas, apresentando confraternizações de dança semelhantes às dos vizinhos povos do altiplano boliviano, como as Diabladas ou Morenadas (que são figuras mascaradas). A festividade adquiriu um novo carácter no final do século XIX, por ocasião da Guerra do Pacífico (1879/1884) e da incorporação do território de Tarapacá no Chile.
Hoje, a festa de La Tirana convoca uma multidão de fiéis que vêm não só da região, mas também de áreas distantes e até da Bolívia e do Peru, para cumprir as promessas feitas à Virgem durante o ano.
Realizada anualmente na cidade de La Tirana, na comuna de Pozo al Monte, na região de Tarapacá, no Chile, a celebração acontece no dia 16 de Julho (embora a 10 de Julho, ocorra o verdadeiro começo da festa La Tirana Iquique), em homenagem à Virgen del Carmen. Foi reconhecida pelo Papa Francisco durante sua visita apostólica ao Chile, em Janeiro de 2018, onde também coroou a imagem da Virgem, em Iquique. É a maior festa religiosa do Norte Grande do Chile e a mais popular do país, reunindo, nesta cidade com apenas cerca de 800 habitantes, entre 250 mil a 300 mil visitantes durante a semana das comemorações.
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A lenda da Virgem de La Tirana
A lenda recolhida e popularizada pelo historiador peruano Rómulo Cúneo Vidal (1856-1931), narra que o espanhol Diego de Almagro (1475-1538), na sua viagem de conquista e descobrimento do Chile, desde Cuzco (no Peru), trazia, com as suas tropas, um príncipe cativo, da cultura inca, chamado Huillac Huma, que era o último sacerdote adorador do deus Inti(o Sol, na cultura inca). Junto dele, estava a sua formosa filha, a princesa Ñusta Huillac.
Quando a tropa estava num local próximo da actual cidade de Pica, muitos dos yanaconas incas1 fugiram para a pampa do Tamarugal2, incluindo Ñusta Huillac e o seu pai. Refugiados nas florestas de Tamarugo, Ñusta Huillac organizou uma rebelião para restabelecer o poder da sua nação. Foi tal o seu poder de luta que os seus inimigos, com temor e respeito, a batizaram de “La Tirana del Tamarugal”.
Um dia, chegou um jovem expedicionário português chamado Vasco de Almeyda, que se havia perdido a caminho da “Mina del Sol” (descoberta pouco depois de 1473). O encontro entre ambos – a jovem e bela rainha e o português – foi inevitável, assim como a paixão que, mutuamente, se manifestou. Quando o relacionamento foi descoberto, ambos foram condenados à morte. Os soldados que trabalhavam para a princesa Ñusta Huillac, atacaram-nos com uma “chuva de flechas”.
Vasco de Almeyda, com o propósito de fazer o seu amor durar para sempre, convence Ñusta Huillac a ser batizada e, assim, após a morte, ficariam juntos para a eternidade, na vida e na morte. Descobertos durante a cerimónia foram mortos pelos nativos.
Em 1540, o frade Antonio Rendón3 estava na cidade de “La Tirana”, onde descobriu uma cruz. E, para homenagear o casal de namorados, construiu uma capela com o nome de Nuestra Señora del Carmen de La Tirana.
É de destacar, nesta festividade, o reencontro do sagrado e do profano, em que as figuras demoníacas, com as suas endiabradas danças, prestam homenagem a Nossa Senhora e aos fiéis, com máscaras coloridas e roupas magníficas, vestimentas ricas em bordados de lantejoulas e vidros coloridos. Quando observo estas danças e estas máscaras não posso deixar de lembrar aquela surpreendente representação da ilha de Bali, na Indonésia, filmada pela primeira vez por Margaret Mead4 e Gregory Batenson, que narra o encontro mitologico entre Rangda e Barong, uma das mais belas formas parateatrais da Humanidade.
Notas:
1 – “Yanacona” é uma palavra, provavelmente, de origem quechua (de “yanakuna”) que significa escravos da nobreza.
2 – Tamarugo é uma árvore endémica do norte de Chile, cresce particularmente na pampa do Tamarugal, planície extensa localizada a 70 quilómetros a leste da cidade de Iquique.
3 – Frei Antonio Rendón y Sarmiento (1495-1497?), natural de Jerez de la Frontera, foi, sem dúvida, um dos agostinianos que mais se destacou pelo trabalho desenvolvido na zona, durante a segunda metade do século XVI, distinguindo-se tanto na propagação do cristianismo como no apoio às tropas espanholas na conquista e na organização da província chilena, como afirma Emilio José Luque Ascoma, no seu estudo “Fray Antonio Rendón: un mercedario en el Chile del Quinientos”.
4 – Margaret Mead (1901-1978) foi uma antropóloga e poeta norte-americana. Realizou investigações etnográficas nas décadas de 1920 e de 1930. No seu estudo comparativo “Sex and Temperament in Three Primitive Societies”, Mead introduziu, em 1935, a ideia revolucionária de que, como a espécie humana é extremamente maleável, os papéis e os comportamentos sexuais variam de acordo com os contextos socioculturais. Assim, ela foi pioneira no uso do conceito de “género”, amplamente utilizado posteriormente nos estudos feministas.
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24/07/2023