Lá vai o Brasil, descendo a ladeira
A verdade é como um esqueleto no armário. Mais dia, menos dia, ela aparece, ainda que seja tarde. É assim que, agora, vai se revelando o que todos sabíamos: o juiz Sérgio Moro, que conduziu o processo contra Luiz Inácio Lula da Silva manipulou, mentiu, agiu ilegalmente e tudo mais. O que era nítido naqueles dias agora ressurge com nova roupagem, visto que são os juízes da Suprema Corte que estão apontando os erros. Ainda assim, as emissoras de televisão, que foram pródigas em condenar o líder petista, comportam-se de maneira muito contida na divulgação dos fatos. O que antes era acompanhado de análises rebuscadas e áudios proibidos, agora aparece como mera notícia, sem maiores explicações. E não poderia ser diferente. A mídia comercial está sempre agarrada ao poder.
O fato é que a farsa montada em Curitiba tirou do páreo o ex-presidente Lula e abriu caminho para a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. A condenação do dirigente petista e a facada falsa foram gasolina no fogo do fascismo que se assanhava. Muito provavelmente tivesse sido Lula o candidato, e vencido, o país não estaria vivendo esse filme de terror, no qual todos os dias morrem mais de três mil pessoas sem que cause qualquer desconforto a não ser na família de quem morreu. Não que Lula fosse a melhor opção, mas certamente enfrentaria a pandemia de outra forma e não estaríamos vivendo esse massacre diário, com mais de 300 mil pessoas perdendo a vida por conta da incompetência e da má-fé.
Chegamos ao segundo ano do mandato de Jair sob um governo eminentemente militar – já há mais de 11 mil milicos nos cargos – e que, a todo o momento, acena com mais e mais endurecimento a tal ponto de quase anunciar um ato-golpe. Os milicos conformam quase 15% dos postos no governo. Dilma teve 2,5% e Temer 4%, só para comparar. Os últimos acontecimentos, com a saída do ministro da Defesa, mais do que uma crise nos quartéis, mostram que o presidente segue com a rédea firme e não é sem razão que o governo acene com aumento salarial apenas para os militares entre os funcionários públicos. Analistas apontam que a hipermilitarização do governo, incluindo aí as escolas militares que seguem sendo implantadas no país, está carregando o país para um fechamento conservador, ainda que siga com aparência de democracia. Bolsonaro está seguro de que tem os militares sob seu comando, tanto que chama de “meu exército” e não hesitará em endurecer o regime. Até porque segue sem oposição concreta.
A maneira autoritária como está comandando a pandemia, dizendo que não vai fechar nada, que não usa máscara, que não compra vacina e o escambau, sem uma oposição séria, mostra que está bem seguro no cargo e que pode ir apertando a corda. Sabe-se lá até quando.
Enquanto as peças do tabuleiro conservador vão se montando a esquerda partidária fica no silêncio. Não se manifesta, não promove agitação das massas, e o máximo que consegue fazer é mapear candidaturas para 2022. Parece não compreender que pode nem haver eleição e que a batalha está sendo dada agora. Diante do silêncio dos partidos de esquerda, das centrais sindicais e de boa parte dos movimentos sociais, sobra o salve-se quem puder.
Enquanto os quartéis se reorganizam e a presidência se fortalece, os brasileiros seguem morrendo. Até ontem parecia um pesadelo que se chegasse a três mil mortos por dia, agora já vamos caminhando para quatro mil e tudo parece normal. Há quem diga que logo chegaremos a cinco mil mortos por dia e a população segue apática como se tudo fosse designíos de deus e não uma deliberada política de extermínio. O caos na saúde foi uma ação planejada e teve como objetivo justamente fomentar o medo. Um povo com medo fica acuado e quieto. Para o governo importam muito pouco as perdas em vida, afinal, ali, ninguém é coveiro, e tem muita gente no país para manter a máquina do capital funcionando. Logo, está tudo bem.
Bolsonaro segue esticando a corda, sem oposição. O gigante da América do Sul parece um ursinho domesticado e assustadiço. E, enquanto o regime vai endurecendo, nos partidos políticos fala-se nas eleições de 2022 com esperanças. Os últimos acontecimentos envolvendo Lula reacenderam as expectativas sobre uma candidatura do ex-presidente. Ora, nem Lula nem o Brasil são os mesmos de 2018. Essas criaturas vivem como Alice no país das maravilhas. É aterrador.