Levantai hoje, de novo, o ego de Portugal
Toda a gente sabe que, para se ser repórter televisivo, tem de se desenvolver uma técnica muitas vezes subvalorizada: a capacidade de encher chouriços. Neste mundial de futebol, os repórteres foram mais longe, encheram chouriços ao mesmo tempo que encheram o ego dos portugueses. Não foi fácil, sobretudo porque não havia álcool nas imediações dos estádios.
Carregamos a ideia de que já fomos grandes e isso pode tornar-se mais penoso do que ser-se sempre pequeno. Trocámos as rotas marítimas pelos relvados, mas nem aqui conseguimos disfarçar a necessidade de validarmos que não somos um desastre, apesar de errarmos.
Por isso, apreciei o esforço de alguns repórteres para questionar os adeptos de outros países sobre se gostam de Portugal. A pergunta parece inofensiva, mas tem rasteira. Naquele contexto, o entrevistado pode ficar confuso: Portugal país ou Portugal seleção de futebol? Nós gostamos de ambiguidades.
Gostamos de acreditar que fomos colonizadores menos maus que os demais, procuramos na língua, quando convém, uma afinidade que nos aproxime, sentimo-nos reconhecidos quando alguém estrangeiro pronuncia Cristiano Ronaldo. É neste lugar que cresce em nós a sensação de que somos adorados por todos e os repórteres sabem-no.
Imagine-se ocupar o tempo de antena a divagar sobre o contraste de Portugal ser um país pequeno, mas ter tido a maior comitiva política no mundial de futebol. Seria muito aborrecido.
Também por este motivo fingimos que o Qatar respeita os direitos humanos, porque até nós gostámos de brincar a esse faz de conta, impedindo pessoas de entrarem num estádio de futebol português por estarem solidárias com os trabalhadores migrantes. Foi excesso de zelo e isto diz muito sobre nós.
Um retrato apontado a nós próprios: somos um país pequeno com grandes problemas, mas esqueçamos isto. Vamos, mas é ver a bola! Ai, não, não chegámos às meias! Já nos podemos preocupar com o que realmente importa. Mas, primeiro, vamos lá tirar uma selfie.
15/12/2022