Levantai hoje, de novo, o ego de Portugal

 Levantai hoje, de novo, o ego de Portugal

(© Vìtor Higgs / DN)

Toda a gente sabe que, para se ser repórter televisivo, tem de se desenvolver uma técnica muitas vezes subvalorizada: a capacidade de encher chouriços. Neste mundial de futebol, os repórteres foram mais longe, encheram chouriços ao mesmo tempo que encheram o ego dos portugueses. Não foi fácil, sobretudo porque não havia álcool nas imediações dos estádios.

Carregamos a ideia de que já fomos grandes e isso pode tornar-se mais penoso do que ser-se sempre pequeno. Trocámos as rotas marítimas pelos relvados, mas nem aqui conseguimos disfarçar a necessidade de validarmos que não somos um desastre, apesar de errarmos.

Por isso, apreciei o esforço de alguns repórteres para questionar os adeptos de outros países sobre se gostam de Portugal. A pergunta parece inofensiva, mas tem rasteira. Naquele contexto, o entrevistado pode ficar confuso: Portugal país ou Portugal seleção de futebol? Nós gostamos de ambiguidades.

(© CNN Portugal)

Gostamos de acreditar que fomos colonizadores menos maus que os demais, procuramos na língua, quando convém, uma afinidade que nos aproxime, sentimo-nos reconhecidos quando alguém estrangeiro pronuncia Cristiano Ronaldo. É neste lugar que cresce em nós a sensação de que somos adorados por todos e os repórteres sabem-no.

Imagine-se ocupar o tempo de antena a divagar sobre o contraste de Portugal ser um país pequeno, mas ter tido a maior comitiva política no mundial de futebol. Seria muito aborrecido.

(© RTP)

Também por este motivo fingimos que o Qatar respeita os direitos humanos, porque até nós gostámos de brincar a esse faz de conta, impedindo pessoas de entrarem num estádio de futebol português por estarem solidárias com os trabalhadores migrantes. Foi excesso de zelo e isto diz muito sobre nós.

Um retrato apontado a nós próprios: somos um país pequeno com grandes problemas, mas esqueçamos isto. Vamos, mas é ver a bola! Ai, não, não chegámos às meias! Já nos podemos preocupar com o que realmente importa. Mas, primeiro, vamos lá tirar uma selfie.

15/12/2022

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Inês Antunes

Nota biográfica em nome próprio: Nasci em 1990, tenho sardas e passei grande parte da minha adolescência a ler Saramago e a ouvir Pink Floyd. Estudei Jornalismo, Comunicação e Marketing Digital. Nunca quis ter apenas uma profissão, mas sempre soube que queria escrever. E tirar fotografias. E ter uma banda.

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