Liberdade, querida Liberdade

 Liberdade, querida Liberdade

Festejos em Lisboa, no dia 25 de Abril de 1974. (Créditos fotográficos: Miranda Castela, Arquivo Histórico Parlamentar – app.parlamento.pt)

“Grândola, Vila Morena”, uma das senhas que ajudou a concretizar o golpe militar que pôs termo a um regime fascista, herdeiro de outro golpe, o de 28 maio de 1926. É uma canção que evoca a Liberdade.

Cinquenta anos após o 25 de Abril de 1974, “Grândola, Vila Morena” continua a ser a grande bandeira da Revolução dos Cravos. O que diz muito da sua mensagem. E da voz que dá corpo à sua popularidade: José Afonso.

José Afonso (Direitos reservados)

Para quem se tornou jovem com essa canção no pensamento, mas também com a “Queixa das Almas Jovens Censuradas”, com poema de Natália Correia e música e voz de José Mário Branco – e que, igualmente, acompanhou em coro o “Porque”, de Sophia de Mello Breyner Andresen e de Francisco Fanhais –, sente uma enorme alegria, ao concluir que, 50 anos após esse Abril de 1974, são as mulheres a dar voz à Liberdade.

Capicua, Aldina Duarte ou Cátia Mazari Oliveira são, apenas, três dos exemplos que cantam a “nossa” revolução e que denunciam uma democracia ainda imperfeita.

“A Garota Não”, criação de Cátia Mazari e de Sérgio Mendes, tem vindo a impor-se devagarinho, com a segurança que todos os projectos genuínos trazem consigo.

Uma renovação das canções de protesto com muito público, porque trazem com elas também a poesia da Liberdade.

Capicua, Aldina Duarte e Cátia Mazari Oliveira (“a garota não”). (Créditos fotográficos: ctalmada.pt e teatrosaoluiz.pt)    

Onde muitos se reconhecem e fazem seus os hinos e as amarguras de uma juventude inquieta, bem-educada, mas não domesticada. Com uma consciência aguda do seu direito à Liberdade, pessoal e comunitária.

Ainda recordo o espanto quando, em Setúbal, numa noite de poesia na 50Cuts Associação de Cinema, escutei pela primeira vez a voz (à capela) de Cátia Mazari Oliveira.

Um sentimento bem alto se levantou dos versos de Florbela Espanca na voz da jovem setubalense. Um canto fundo que já está em Homero, nos mantras e em tudo o que respira Humanidade.

Perante o que nos eleva enquanto seres humanos, comovemo-nos e guardamo-lo na memória para sempre.

“Momento musical com “a garota não” acompanhada por Tiago Morais, numa iniciativa integrada nas Comemorações Bocageanas, promovidas pelo Município de Setúbal, em Setembro de 2019. (facebook.com)

Uns anos depois “a garota não” (nome tão ao acaso como é o da criação popular), reencontrei a Cátia Mazari Oliveira em palco, numa sala esgotada, em Alcains (fevereiro de 2023) a cantar “Urgentemente”, com palavras de Eugénio de Andrade, no ano do seu centenário; provando-me, uma vez mais, que o impossível não existe no dicionário dos que acreditam e trabalham.

E quando a Alma Azul1 decidiu encerrar a entrega do Prémio Ciranda, após tê-lo entregue à mais talentosa criadora portuguesa, nascida um mês antes do 25 de Abril de 1974 (16 de Março), Patrícia Portela e ao seu livro “Hífen-’’ (da Editorial Caminho) – uma criação literária que, julgamos, se transformará com o tempo num clássico da Língua Portuguesa; e já ocupada a preparar novos modelos (“conceitos”, dizem os economistas) de trabalho com as bibliotecas públicas –, resolveu também, para concluir o projecto, entregar um Prémio Ciranda Especial a quem escreve canções; quem organiza pensamento social capaz de levantar a moral e a dignidade de um povo.

E entregou o Prémio Ciranda 2023 ao álbum “2 de Abril”, de “a garota não”, que acaba de ser distinguido também com o Prémio José Afonso.

Entrega do Prémio Ciranda 2023 ao álbum “2 de Abril”, de “a garota não”. (Direitos reservados)

Quem esteve na entrega do último Prémio Ciranda, no dia 5 de Outubro de 2023, na Biblioteca da Fundação Manuel Cargaleiro, a Cátia Mazari Oliveira, que se fez acompanhar pelo pai e pelo seu companheiro, sabe que viveu um momento histórico da cidade de Castelo Branco; e confirmou que as suas canções são as de uma pessoa digna: transparente como a poesia e inteira como a madrugada de que nos fala Sophia.

E de todas as canções, se tivermos de agradecer à Cátia Mazari Oliveira o seu talento, destacando um só trabalho, inspirado e solidário, a escolha recai sobre o canto à Liberdade que “a garota não” dedica a José Mário Branco (“Canção a Zé Mário Branco”):

Palavras que povoam o nosso imaginário comum como um hino, oferecendo-nos alento para fazer e refazer o tão esperado Portugal Futuro.

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Nota da Redacção:

1 – A Alma Azul é uma editora e produtora de actividades literárias que, sob a coordenação de Elsa Ligeiro, promove programas de leitura em bibliotecas municipais.

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29/04/2024

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Elsa Ligeiro

Editora e divulgadora cultural.

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