Lítio ou não lítio em questão na serra da Argemela
Quase um ano depois da notícia de que o anterior governo de António Costa tinha chumbado o pedido de exploração mineira na serra de Argemela, na Beira Interior, a Direcção-Geral de Energia e Geologia torna público o requerimento da celebração de um contrato de exploração naquela área. André Silva, do PAN, diz que «fazer um processo de consulta pública nesta fase, na prática, é boicotá-lo e é silenciar a população». O Grupo pela Preservação da Serra de Argemela considera «inacreditável» o referido despacho. Mais um vírus para o debate, em tempos de pandemia.
É muito recente e controverso o aviso no «Diário da República» (2.ª série do «DR», de 2 de Abril) ao tornar público que a PANNN, Consultores de Geociências, Lda. requereu a celebração do contrato de exploração para uma área denominada «Argemela», território de transição entre os concelhos da Covilhã e do Fundão.
O aviso n.o 5628/2020, assinado em 10 de Março pelo director-geral de Energia e Geologia (João Pedro Bernardo), informa que a empresa PANNN pediu a concessão de exploração de depósitos minerais de lítio, estanho, tântalo, nióbio, volfrâmio, rubídio, cobre, chumbo, zinco, ouro, prata, césio, escândio, terras raras e pirites, para a dita zona da Argemela, localizada nas freguesias de Coutada e Barco (no concelho da Covilhã) e de Silvares e Lavacolhos (no concelho do Fundão), ficando a corresponder-lhe uma extensão de 403,71 hectares.
O mesmo pedido – que decorre de um aviso de 2017 (embora o processo de atribuição de concessão mineira tenha sido iniciado em 2011), ao qual se opuseram as respectivas populações e autarquias locais – pode ser consultado «dentro das horas de expediente» e na página electrónica da Direcção de Serviços de Estratégia e Fomento de Recursos Geológicos da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), no âmbito do Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC), tutelado por João Pedro Matos, anterior ministro do Ambiente e da Transição Energética.
No entanto, os interessados em apresentar reclamações fundamentadas teriam 30 dias a contar da data de publicação do referido aviso para o fazer. Prazo este que, de acordo com os procedimentos legais, já foi ultrapassado, numa época de sucessivas quarentenas, restrições sociais e preocupações relacionadas com a pandemia do novo coronavírus. Situação que o Grupo pela Preservação da Serra da Argemela (GPSA) repudia, sobretudo numa altura em que o país está sujeito às regras de confinamento obrigatório, reduzindo os contactos humanos e comunitários ao essencial.
Num comunicado enviado à agência Lusa e ao qual deu o título «Covid-19 acelera febre da mineração em Portugal?», o GPSA qualifica de «inacreditável» este despacho da DGEG, salientando manifestar «falta de humanismo e de compreensão pelos mais elementares princípios de ética que devem reger uma sociedade».
«Que mal viria ao mundo se esta publicitação fosse adiada para data mais oportuna? No respeito pela citada Lei, cujas medidas já vinham sendo anunciadas e discutidas, pelo menos desde o Conselho de Ministros de 12 de Março, o adiamento não teria sido mesmo um imperativo?», questiona esta estrutura representativa das populações que convivem com a serra da Argemela, na sequência da sua dinâmica de contestação a uma eventual exploração mineira naquela zona do distrito de Castelo Branco.
Governo não se coíbe de avançar com processos polémicos
No debate quinzenal no Parlamento, a 22 de Abril (quarta-feira), quando Portugal estava num período de estado de emergência por causa da Covid-19, com o plenário da Assembleia da República (AR) a decorrer com muitos lugares vazios, o porta-voz do PAN (partido das Pessoas-Animais-Natureza), André Silva, disse que não podia deixar de lamentar algumas decisões do Governo, «num momento em que estamos todos focados nos contributos para o combate a esta epidemia». Segundo criticava o deputado, apesar de a Assembleia da República [AR] deter a competência de fiscalizar a acção governativa, mesmo estando «em serviços mínimos», «o Governo não se coíbe de avançar com processos polémicos para as populações envolvidas, como são os casos do aeroporto do Montijo, do metro de Lisboa e da consulta pública sobre a exploração de lítio em Argemela».
«Um processo de consulta pública antecipado implica a realização de reuniões, de deslocações ao terreno e audiência das populações e de organizações não-governativas de Ambiente», observou André Silva, adiantando que «fazer um processo de consulta pública nesta fase, na prática, é boicotá-lo e é silenciar a população, visto que todas estas acções que envolvem a consulta pública estão legalmente restringidas, em virtude das medidas do estado de emergência». Nesse sentido, o porta-voz do PAN solicitou a António Costa a suspensão do aludido processo de consulta pública, retomando-o depois de «levantadas as restrições que vivemos».
O primeiro-ministro respondeu que «uma das medidas que o Governo tomou foi a suspensão dos prazos procedimentais, designadamente dos processos em consulta pública». Por isso, António Costa sublinhava que, «no que diz respeito à exploração do lítio em Argemela, o prazo da consulta pública está suspenso e [que] assim se manterá enquanto mantivermos a suspensão dos prazos procedimentais e processuais».
Uma conversa adiada durante meses foi restabelecida no início de Dezembro de 2019, com Maria do Carmo Mendes, que, por razões profissionais lectivas na Universidade da Beira Interior (UBI), não teve disponibilidade para participar na reunião para efeitos de reportagem, agendada para 21 de Maio, com os membros do GPSA, de que é co-fundadora.
«Desde a notícia do “chumbo” do pedido de exploração experimental, que veio a público em Maio, desconhece-se por completo se, de facto, se efectivou», considerou Maria do Carmo Mendes que, em Janeiro de 2018, foi a primeira subscritora da petição que solicitava a adopção de medidas com vista à preservação da serra da Argemela, contra a extracção mineira. Posição colectiva que foi transmitida numa audiência da Comissão Parlamentar do Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação que então decorreu na AR, onde também estiverem os presidentes das câmaras municipais da Covilhã e do Fundão, bem como os responsáveis autárquicos da União de Freguesias (UF) de Barco e Coutada e das juntas de freguesia de Silvares e de Lavacolhos.
«Não foi emitido nenhum documento oficial, por parte das entidades competentes, que certifique cabalmente o anúncio feito, e isso pode-se verificar na página da DGEG, onde nada consta para além do pedido em causa», declarava Maria do Carmo Mendes em Dezembro do ano transacto, acrescentando: «Legalmente, um pedido de exploração experimental inscreve-se no âmbito dos pedidos de prospecção e pesquisa, e não no âmbito dos pedidos de exploração, pelo que não é exigível estudo de impacte ambiental [EIA] para os primeiros.»
«Como se constatou numa notícia posteriormente publicada no “Expresso”, creio que em Agosto, o próprio CEO [presidente da administração] da Almina, empresa que é a maior accionista da PANNN, Consultores de Geociências, Lda. e que está verdadeiramente por detrás disto, nada refere relativamente ao “chumbo” nas suas declarações», sustentou a co-fundadora do GPSA, agora um pouco distanciada dessa estrutura de intervenção comunitária.
Aludindo ao conjunto de iniciativas que foram sucedendo neste contexto, Maria do Carmo Mendes disse que ajudou a organizar, juntamente com a Associação Guardiões da Serra da Estrela (para a qual foi convidada a integrar, em Abril de 2019), o Fórum do Lítio, realizado em Junho pela Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, na localidade de Barco. Em Agosto, já como elemento da Associação Guardiões da Serra da Estrela, participou num debate, no ensejo do Festival Paredes de Coura, que contou igualmente com as presenças da geóloga Teresa Fontão, do ex-director-geral da Energia e Geologia Mário Guedes e do geólogo e professor universitário Carlos Leal Gomes.
«A 21 de Setembro, mobilizaram-se várias associações e movimentos formados no âmbito desta luta, e manifestámo-nos em Lisboa», afirmou ainda a mesma activista, anotando que, em Outubro, ocorreu uma reunião na qual foi lançada «a ideia da criação de uma plataforma/associação nacional, para fazer face a esta escalada mineira sem precedentes na história do país». Segundo Maria do Carmo Mendes, essa intenção surgiu no Encontro do Lítio, que decorreu em Boticas, a 11 de Maio de 2019, tendo intervindo a convite da Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso, entidade que organizou o evento, no qual também participaram as associações Guardiões da Serra da Estrela e Montalegre com Vida.
Semanas depois da sua participação, em 11 de Novembro, no programa televisivo Prós e Contras, esta activista na defesa da serra da Argemela deslocou-se à AR, na qualidade de representante da «futura plataforma/associação», com o presidente da Montalegre com Vida – Associação de Defesa Ambiental, para serem ouvidos relativamente «ao processo de Montalegre e restantes.» No dia seguinte, houve uma audição pública promovida pelo Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), presenciada por Maria do Carmo Mendes e pela «maioria de movimentos e associações» que lutam por esta causa.
No que se trata «especificamente» com o processo da Argemela, esta activista argumentou que, como «a lei o comprova, a notícia do “chumbo” não foi nada mais do que uma estratégia de distração», admitindo que «o processo continua» e que a empresa interessada na concessão mineira teria de apresentar o EIA até 7 de Fevereiro do corrente ano, data em que se cumpriram «os dois anos que a lei determina para entrega, após decisão sobre a Proposta de Definição de Âmbito». «Caso não entregue o EIA, o pedido é negado. Assim dita a Lei!», manifestava a activista e docente na UBI.
Deslocação à região de Argemela
Na manhã de 21 de Maio de 2019, ainda na cidade de Coimbra, enquanto folheava rapidamente os jornais daquela terça-feira, saboreando o primeiro café do dia, li num diário nacional: «Governo chumba pedido de exploração na serra da Argemela». Levantei-me mais cedo e preparava-me, naquele preciso momento, para viajar de automóvel até à localidade de Barco, no concelho da Covilhã, zona que faz fronteira com as terras do Fundão
Obviamente, comprei a edição do «Público» para surpreender o presidente da UF de Barco e Coutada com essa novidade. Enganei-me. O autarca Luís dos Reis Morais e os elementos do GPSA tinham assumido um pacto de silêncio com o primeiro-ministro, António Costa, e o então secretário de Estado da Energia, Ambiente e Transição Energética (actual secretário de Estado Adjunto e da Energia), João Galamba, desde 17 de Maio de 2019 (sexta-feira), à margem de uma iniciativa socialista realizada na Covilhã. Então, sob alguma reserva de divulgação, os políticos anteciparam o propósito de o Governo «chumbar» o pedido de exploração experimental de vários minérios na serra da Argemela, incluindo o tão badalado lítio, por então não ter estudo de impacte ambiental (EIA).
Recordo que, no dia 29 de Abril de 2019, tinha sido subscrito um memorando contra a concessão da exploração mineira, a céu aberto, na serra da Argemela, por iniciativa do GPSA, ao qual aderiram os presidentes das câmaras municipais da Covilhã e do Fundão, bem como os presidentes das juntas de freguesia de Barco e Coutada, Silvares e Lavacolhos. Esse documento foi enviado ao Ministério do Ambiente e da Transição Energética (MATE, agora MAAC), com o conhecimento de João Galamba e das entidades envolvidas no processo de concessão.
Serra seduz exploradores de riquezas
Depois de um percurso não muito fácil por serranias ainda com as cicatrizes dos fogos florestais de 2017, cheguei a esta povoação cuja história e o próprio nome são indissociáveis do rio Zêzere, o qual abastece as bacias hidrográficas de Castelo de Bode, Cabril e Bouçã, antes de desaguar no Tejo. As ruas da aldeia encaixada entre as serras da Estrela e da Gardunha (sendo esta um braço da Estrela, com cerca de 20 quilómetros de comprimento) estavam praticamente desertas, o que não é de estranhar, quando sabemos que a densidade populacional da UF é de 36,6 habitantes por quilómetro quadrado (um ano após, o confinamento social devido à Covid-19 sublinharia a impressão de despovoamento). À porta do edifício da Junta de Freguesia, na Estrada Municipal, esperava-me um homem afável que me cumprimentou como se nos conhecêssemos desde longa data.
Dirigimo-nos ao seu gabinete apinhado de arquivos e documentação mais ou menos avulsa mas tida como fundamental para a gestão desta autarquia que, no âmbito da reforma administrativa nacional em 2013, agrega as antigas freguesias de Barco e Coutada, a norte do distrito de Castelo Branco. Sentado à frente de Luís Morais, coloquei o gravador na sua mesa de trabalho e começámos a entrevista. Através da única janela daquela divisão, vemos o monte de Argemela, onde – dizem as vozes populares – ainda se encontram restos de três muros que terão pertencido a um acampamento romano. O que não é confirmado pelo presidente da UF, embora seja conhecedor da tradição local que associa a construção desse acampamento, por um procônsul romano, à intenção de defesa contra Viriato.
Este território de múltiplos recursos naturais, muitos deles minerais, tem seduzido várias gerações de exploradores de riquezas, a exemplo do volfrâmio e do estanho, cuja extracção está paralisada há algum tempo. O pai de Luís Morais experimentou trabalhar, durante um dia, na Mina dos Ingleses, mas não gostou.
Empresa requer prospecção e pesquisa na Argemela
Apesar da concessão para prospecção e pesquisa de diversos minérios na serra da Argemela (depósitos minerais de lítio, estanho, tântalo, nióbio, volfrâmio, rubídio, cobre, chumbo, zinco, ouro, prata e pirites), a então recusa governamental «prometida» aos defensores da preservação do Cabeço da Argemela e da área circundante impediria a empresa PANNN – Consultores de Geociências, Lda. de intensificar ou aprofundar trabalhos, por não ter apresentado qualquer EIA, pelo que o presidente da UF de Barco e Coutada estampava no rosto a alegria das populações que representa.
«Para já, é uma situação óptima! Estamos imensamente satisfeitos. Após anos de luta, conseguimos reverter o processo», declarou Luís Morais, enquanto mostrava um dossiê que ganhou volume na sequência do Aviso n.º 3213/2011 (em 31 de Janeiro de 2011, na 2.ª série do «DR»), tornando público que a PANNN requereu a atribuição de direitos de prospecção e pesquisa na área «Argemela», localizada nos concelhos da Covilhã e do Fundão.
Nessa data, eram convidados «todos os interessados a apresentar reclamações, ou a manifestarem preferência, nos termos do n.º 4 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de Março, por escrito com o devido fundamento, no prazo de 30 dias». Refira-se que o indicado pedido esteve «patente para consulta, dentro das horas de expediente, na Direcção de Serviços de Minas e Pedreiras da Direcção-Geral de Energia e Geologia», entidade para a qual deveriam ser remetidas as reclamações.
À espera de esclarecimentos sobre o contrato
Desde 2011, vários cidadãos (alguns dos quais viriam a constituir o Grupo pela Preservação da Serra da Argemela) e forças políticas (como o PEV, salientando-se a intervenção parlamentar do deputado José Luís Ferreira, a par dos pedidos de esclarecimento por parte dos deputados socialistas Hortense Martins e Eurico Brilhante Dias, eleitos pelo distrito de Castelo Branco, entre outros) questionaram o Governo sobre o contrato de prospecção e pesquisa de depósitos celebrado, a 27 de Outubro desse ano, com a mencionada empresa. Nele se previa a prospecção mineira numa extensão de 22,451 quilómetros quadrados, área que passou a exceder 400 hectares (abrangendo as localidades de Barco e Coutada, no concelho da Covilhã, e de Lavacolhos e Silvares, no concelho do Fundão), com o pedido de atribuição de concessão de exploração para minério publicado em «DR», a 19 de Janeiro de 2017.
O «Jornal do Fundão» (em edição on-line de 1 de Março de 2017) noticia que o anúncio do contrato de concessão da exploração (publicado na 2.ª série do «DR» de 6 de Fevereiro de 2017) «está a gerar natural preocupação entre os autarcas das freguesias que partilham o Cabeço da Argemela» e que a «empresa já reuniu com as câmaras do Fundão e da Covilhã, mas continua a haver pouca informação sobre aspectos concretos de uma exploração mineira que poderá representar um investimento de 35 milhões de euros e a criação de 120 postos de trabalho», como comunicou o presidente da edilidade Paulo Bernardo Fernandes, na Assembleia Municipal do Fundão.
Em Março desse ano, na AR, o deputado do PEV José Luís Ferreira lembra que se trata de «um ecossistema preservado constituído essencialmente por pinhal, mato e algumas manchas de eucalipto», coexistindo olivais e terrenos de cultivo no contexto de uma agricultura de subsistência.
Ao questionar o então ministro da Economia (Manuel Caldeira Cabral), o mesmo deputado dava conta da preocupação do seu partido «com as consequências e impacto ambiental da eventual exploração que, a julgar pela área cartográfica prevista, incidirá sobre locais emblemáticos da Serra, onde se localiza o “Castro da Argemela”, que remonta ao final da Idade do Bronze e integra a “Rota dos Castros”, classificado como Imóvel de Interesse Municipal [IIM]», como regista o jornal digital «BeiraNews».
Populações não são informadas
Foram formalizados em 2011, com o Ministério da Economia dois contratos de prospecção e pesquisa de depósitos minerais (denominados «Argemela» e «Fundão»), os quais se concretizaram sem a devida informação junto das populações directamente envolvidas. O presidente da UF de Barco e Coutada – tal como fez o deputado do PEV na AR, há mais de três anos – quer preservar a qualidade de vida dos cidadãos que o mandataram e interroga-se sobre o aumento da área total de exploração a céu aberto (onde cabem 400 campos de futebol), a par da existência de um plano de protecção (ou de conservação) de um monumento classificado como IIM e da antiga mina de volfrâmio.
«Inicialmente, constitui-se uma comissão – cujas funções são atribuídas à PANNN [empresa formalizada a 12 de Outubro de 2010] – só para fazer a prospecção, a qual concluiu justificar-se avançar com a exploração. Por isso, emitiram um parecer com um pedido à Direcção-Geral de Energia e Geologia [DGEG]. E esse pedido já abrangia mais de 400 hectares!», notava Luís Morais, aludindo ao pedido de atribuição de direitos de exploração mineira, a céu aberto, na Argemela, atingindo uma área de 403,71 hectares (conforme o Aviso n.º 1412/2017, no «DR», de 06.02.2017).
Na opinião do presidente da UF de Barco e Coutada, «a bandeira do lítio serviu» para aquela empresa requerer a exploração mineira, tendo subjacente que o lítio é uma hipótese viável para diminuir as emissões de dióxido de carbono. Contudo, são criados novos problemas ambientais.
«Entretanto, ficámos à espera de vários pareceres…», recordava Luís Morais, assinalando a oposição conjunta assumida pelas duas câmaras municipais perante as intenções, por parte do consórcio requerente, de proceder aos trabalhos em céu aberto, a que se juntaram 21 freguesias dos dois municípios.
«Nós não pomos entraves à exploração da mina. A céu aberto é que não!», frisou o autarca, lembrando o que se passou com as minas da Panasqueira e as escombreiras ali abandonadas, constituindo estruturas instáveis, nas quais não se encontra vegetação. Assim é porque ao depósito de material proveniente do processamento do minério (ganga) se juntam compostos tóxicos. Por isso, o presidente da UF de Barco e Coutada também insistia na mensagem de que a sua região «tem já um considerável passivo ambiental e, desde há muito tempo, devido à actividade mineira e à existência de um complexo mineiro, ainda hoje em actividade», como relevava o texto do memorando entretanto diligenciado pelo GPSA.
Memorando duvida da “maioria dos estudos”
«A inviabilidade e a insustentabilidade destes projectos que, em particular, brandem o estandarte do lítio, são determinadas pela séria dúvida da maioria dos estudos, pesquisas ou relatórios efectuados na Argemela, quanto ao aproveitamento económico do depósito mineral concreto (sobretudo, pela disseminação do minério na rocha, pela sua quantidade, pelos métodos da sua extracção)», regista o memorando resultante da reunião de 29 de Abril de 2019 e dado a conhecer às populações locais. Por outro lado, o GPSA e os restantes signatários do mesmo documento chamam a atenção para as «várias alternativas mais limpas ou mais baratas, que se vão afirmando, por exemplo, na indústria automóvel», mostrando-se cépticos no que respeita a um futuro basicamente eléctrico da mobilidade.
O GPSA e os restantes signatários do memorando sugerem «várias alternativas mais limpas ou mais baratas, que se vão afirmando, por exemplo, na indústria automóvel»
O presidente da UF de Barco e Coutada sustentou ainda, com base no aludido memorando, que existem «fundadas razões para duvidar da viabilidade económica e ambiental do projecto de concessão proposto», dúvidas que o autarca local e os demais subscritores do documento dizem que «se reforçam com a proposta de um projecto de exploração com cariz meramente experimental – sendo que, um e outro, sujeitariam os cidadãos de toda uma região aos impactos tão nocivos já conhecidos, sem motivos ou fundamentos minimamente consistentes e sem avaliação de impacto ambiental».
A então decisão governamental de não permitir nenhuma exploração mineira sem estudos de impacte ambiental e sem a correspondente aprovação implicava a recusa do pedido de exploração experimental (relativa a um período de cinco anos) que a PANNN fez chegar, há cerca de um ano, à DGEG, para uma área de 7,8 hectares. Num depoimento ao «Público» (de 21.05.2019), o secretário de Estado da Energia, João Galamba, salienta: «Esse pedido vai ser chumbado porque não haverá exploração nenhuma sem estudo e sem declaração.» Porém, o governante reparava que, no caso de vir a ser entregue e aprovado o EIA, o Governo seria favorável à exploração, «se houver respeito por todas as exigências ambientais e ordenamento do território».
Tema em “sede de decisão política”
Na sequência de uma conversa telefónica com António Galopim de Carvalho (professor jubilado, consultor científico e divulgador de Ciência), na manhã de 14 de Maio de 2019, solicitei um depoimento a Mário Machado Leite, especialista do Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia (LNEG), sobre as mineralizações de lítio no país (incorporando cerca de 145 espécies minerais, sendo as mais comuns a espodumena, a lepidolite e a petalite, entre outras) e considerando o Relatório do Grupo de Trabalho «Lítio».
Nesse âmbito, sugeri que atendesse aos prós e contras da «febre» exploratória que os mais optimistas manifestam quanto à utilização do elemento metálico mais leve que se conhece. Acrescento que o aludido relatório, criado por Despacho n.º 15040/2016 do anterior secretário de Estado da Energia (Jorge Seguro Sanches), publicado no «DR» de 13 de Dezembro de 2016, esteve disponível para consulta pública e os interessados poderiam apresentar comentários e sugestões.
Machado Leite respondeu dois dias depois e alegou que, «no momento presente em que o tema está em sede de decisão política», não pretendia pronunciar-se fora dos contextos institucionais onde desenvolve a sua actividade. Todavia, disponibilizava-se para «algum esclarecimento de carácter técnico» suscitado por dois artigos científicos em que participou e que são divulgados no «Boletim de Minas», publicação electrónica onde, a seu ver, «está compilada a melhor informação técnica e científica existente sobre o lítio em Portugal».
Conhecidas nove regiões litiníferas
Num desses trabalhos (da autoria de um colectivo de investigadores da Unidade de Ciência e Tecnologia Mineral do LNEG), lemos que são conhecidas nove «regiões litiníferas (tipo LCT – lítio, césio, tântalo) que se distribuem desde Caminha, no Alto Minho, até Idanha-a-Nova, na Beira Baixa: Serra de Arga, Barroso – Alvão, Seixoso – Vieiros, Almendra, Barca de Alva – Escalhão, Massueime, Guarda (incluindo Seixo Amarelo – Gonçalo, Gouveia, Sabugal, Bendada e Mangualde), Argemela e Segura». Especificam os mesmos autores, a propósito das estruturas mineralizadas, que, em «algumas situações particulares, correspondem a filões quartzosos de natureza hidrotermal», como sucede em Argemela, na denominada Zona Centro-Ibérica.
Nessa edição especial do «Boletim de Minas» (n.º 52, de 2017-18), os cientistas adiantam que as antigas minas da Argemela, exploradas para estanho, tinham três níveis em flanco de encosta – 522 metros (galeria principal com 1,8 quilómetros), 546 e 599 metros, e desmontes a céu aberto, o maior com frente superior a 300 metros.
Quanto a recursos, os investigadores da Unidade de Ciência e Tecnologia Mineral do LNEG afirmam que, para a região de Argemela, «com um Recurso Mineral Inferido (parte superior do jazigo) de 20,1 milhões de toneladas com 0,4% Li2O [óxido de lítio], estima-se, no entanto, a existência para todo o jazigo de mais de 200 milhões de toneladas de minério com teor de 0,4% Li2O para as quais não existem ainda dados completos que as permitam classificar seguramente na categoria de Recurso Mineral».
Da informação disponível na DGEG, «a partir de relatórios técnicos de cinco empresas, com direitos atribuídos de prospecção e pesquisa e de exploração, é possível estimar em recursos mineralizados de lítio, um total de (milhões de toneladas) 29,74 Mt@0,81% Li2O, sendo 16,80 Mt@0,88% Li2O classificados como inferidos, 12,30 Mt@0,68% Li2O como indicados e 0,64 Mt@1,50% Li2O como medidos», adianta o mesmo grupo de investigadores do LNEG. Ao prosseguirem um trabalho sobre este assunto, nos últimos 20 anos, cobrindo diferentes domínios, os peritos salientam que «os teores apontados se referem a diversos tipos de minérios, cujas especificidades próprias de cada um condicionam a rentabilidade de eventuais aproveitamentos para a produção de lítio».
Processo de transição energética
Já no artigo intitulado «Obtenção de Concentrados de Lítio a partir de Diferentes Minérios Portugueses» (publicado na mesma edição do «Boletim de Minas»), Ana Botelho de Sousa e Mário Machado Leite confirmam que o lítio «tem vindo a assumir crescente importância na economia mundial, devido ao papel que poderá desempenhar no processo de transição energética em curso». Assim, as «enormes reservas que se perspectivam ser necessárias fez direcionar em todo o mundo a atenção dos mercados para a extração de lítio a partir de rochas ígneas, como matéria-prima para o desenvolvimento de baterias e outros dispositivos de armazenamento de energia».
Por isso, estes especialistas do LNEG acentuam que é «na resposta a esta necessidade que Portugal poderá ter um papel determinante, dadas as reservas de lítio existente no país, nomeadamente na zona norte e centro». Nesse pressuposto, é «essencial apostar no desenvolvimento do conhecimento acerca da viabilidade da exploração dos diversos depósitos litiníferos existentes em Portugal: identificação de zonas-alvo de maior potencial; determinação de reservas de vários depósitos já conhecidos; dar continuidade ao desenvolvimento do “paradigma da valorização tecnológica” como ponto fulcral para que as mais-valias do aproveitamento económico revertam a favor da economia nacional, áreas onde os serviços públicos, universidades e empresas têm vindo a fazer apostas concretas nos últimos 20 anos».
É «na resposta a esta necessidade [energética] que Portugal poderá ter um papel determinante, dadas as reservas de lítio existente no país, nomeadamente na zona norte e centro», dizem especialistas do LNEG
Em Outubro de 2018, o GPSA organiza um debate sobre o futuro da Argemela, o qual decorre no auditório da Arpaz (Associação Regional de Solidariedade para o Progresso do Alto Zêzere), com sede na localidade de Barco, em que um dos seus membros fundadores (Alfredo Serra Mendes, marido de Maria do Carmo Mendes, também co-fundadora do GPSA) alerta para «as singularidades da Argemela, nomeadamente a disposição em anfiteatro, a centralidade e proximidade relativa a várias povoações e aos dois municípios (Covilhã e Fundão), a cota de exploração, o efeito do vento e a dispersão de poeiras e a proximidade com o rio Zêzere», destacando ainda – como informa a Rádio Cova da Beira (on-line) – «os problemas graves que a exploração poderia ter para a agricultura naquela zona».
Ao intervir no painel «Concessão da exploração mineira – impacto ambiental e económico, riscos para a saúde pública», Alfredo Serra Mendes defendeu que a recomendação aprovada por unanimidade na AR, em Março (de 2018), em que se exige a suspensão do processo para a exploração de lítio na serra da Argemela, «tem que ter algum impacto político, nomeadamente junto do Governo». O que, entretanto, parecia acontecer.
Relembre-se que, a 4 de Março desse ano (cerca de um mês depois de ter sido tornada pública a concessão de mais de 400 hectares da serra à empresa de mineração PANNN), o GPSA organizou a acção de protesto «Salvar Argemela», na aldeia do Barco, a qual mobilizou as populações locais, os autarcas e diversos políticos e ambientalistas. Nessa oportunidade, Manuel Frexes (ex-presidente da Câmara Municipal do Fundão, então vice-presidente da Comissão Parlamentar de Ambiente e que, então há cerca de um ano, acabara de se demitir da liderança da distrital de Castelo Branco do PSD) manifestou-se contra a «destruição do ecossistema de uma sub-região que, embora não seja muito grande, tem um grande valor patrimonial e ambiental». A primeira recomendação deste social-democrata era que o Governo retirasse «esta área da Serra da Argemela dos planos que prevêem a exploração mineira». «Já bastaram as minas da Panasqueira!», expressava Manuel Frexes.
Note-se que o texto final da Comissão Parlamentar do Ambiente – resultante de um consenso perante as resoluções do PEV (documento subscrito pelos deputados Heloísa Apolónia e José Luís Ferreira), do PAN (Pessoas-Animais-Natureza, Projecto de Resolução n.º 999/XIII/2.º), do Partido Social Democrata, do Bloco de Esquerda, do Partido Socialista e do CDS-Partido Popular – recomendava ao Governo a promoção da discussão pública, envolvendo as autarquias locais, as comunidades directamente afectadas e os peritos na matéria.
A este respeito, os signatários do citado memorando notam que, no «domínio da responsabilidade política, se impõe a Resolução de Recomendação ao Governo de preservação da serra da Argemela, votada por unanimidade na Assembleia da República, contra a instalação de uma exploração mineira que tem de ser atendida». Esta posição justifica-se, «na medida em que, para além da expressão [de uma] unanimidade parlamentar, representa o resultado do trabalho de duas sessões na Comissão Parlamentar do Ambiente […], de propostas individuais de cada um dos partidos ali representados, e da visita de alguns deputados à região para testemunharem a singularidade daquele local».
“Quem espera, desespera”
A este propósito, o entrevistado Luís Morais faz também referência a uma segunda carta (em 17 de Maio de 2017, muito próxima da anterior, datada de 31 de Março) que os presidentes das juntas de freguesias locais, «directa ou indirectamente afectadas pela eventual concessão de uma exploração mineira a céu aberto na Serra da Argemela», dirigiram ao director-geral da DGEG.
«Apesar de reconhecermos que o prazo decorrido desde a data do envio da primeira carta é em si insuficiente para uma acertada tomada de decisão sobre uma situação tão delicada e complexa, é no entanto nossa obrigação, com esta insistência, dar conhecimento da grande preocupação que nos assola, designadamente porque supostamente se encontra a decorrer, e em vias de esgotar, o prazo legal de 120 dias para ser emanada uma decisão», escreveram então os autarcas.
Admitindo que «quem espera, desespera», os signatários daquela missiva enviada ao director-geral da DGEG expressavam: «[…] creia que é grande o desespero destas populações sobre quem repentinamente caiu a ameaça de terem de mudar de vida ou de local de residência, para poderem continuar a usufruir de uma vida condigna e com saúde, a que acrescem as preocupações com as elevadas perdas em valor patrimonial.»
Ao retomarmos o memorando, ficamos a saber que, a 28 de Março de 2019, o GPSA também reuniu com o secretário de Estado para a Valorização do Interior, João Paulo Catarino, «a fim de espelhar e assinalar» as preocupações das comunidades locais e reconcentrar a mesma «posição, irrevogável»: – Na Argemela, não!
Um conjunto de conclusões do memorando reitera o «conhecimento geral» de que «os principais riscos e impactos da actividade mineira a céu aberto no meio ambiente são a poluição do ar, com partículas finas tóxicas e cancerígenas, a contaminação das águas superficiais e subterrâneas, a acumulação de resíduos sólidos tóxicos nos solos, o armazenamento de resíduos tóxicos nas barragens de lamas, a existência de complexos mineiros abandonados e degradados, bem como a permanência destes prejuízos ambientais por várias gerações após o período de laboração, a ausência de responsabilização dos intervenientes, privados ou públicos». Por outro lado, os subscritores daquele documento avançado pelo GPSA salientavam «toda a repercussão negativa destes riscos e danos na saúde pública, no património material e imaterial das populações locais, e na economia das regiões afectadas».
Com a promessa, por parte do Governo, de que a autorização (ou licenciamento) do processo de exploração experimental dos depósitos minerais não avançaria em Argemela, o GPSA pretendia que a concessão de exploração dos mesmos (ambas pedidas pela sociedade PANNN) viesse também a ser «chumbada».
Plano de intervenção ambiental
Enquanto as populações próximas da serra da Argemela ainda aguardavam que a PANNN apresentasse um EIA, solicitei à então presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro informações sobre o ponto da situação relativamente à Estratégia Nacional do Lítio, na área de influência da CCDR Centro, considerando o anterior Relatório do Grupo de Trabalho «Lítio». Essa tentativa ocorreu no dia 7 de Maio de 2019, após o encerramento do seminário «Os Municípios na Europa das Regiões», em Coimbra. Um mês depois (a 7 de Junho), Ana Abrunhosa (actual ministra da Coesão Territorial, desde Outubro de 2019, e que terá admitido –como lemos no «Expresso» – estar à frente de um ministério que «foi feito um bocadinho à [sua] medida») respondeu, por via electrónica: «Na sequência da sua solicitação, vimos […] transmitir que a informação pretendida deve ser solicitada ao Ministério do Ambiente e da Transição Energética (MATE) ou à Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), pois esta área não é da competência da CCDR Centro, pelo que não dispõe da referida informação».
A título de esclarecimento, diga-se, por exemplo, que a Proposta de Definição de Âmbito n.º 201 da Mina da Argemela conta com o parecer (datado de Fevereiro de 2018) da Comissão de Avaliação de que faz parte a CCDR Centro (actualmente presidida por Isabel Damasceno, sucedendo a Ana Abrunhosa), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), a DGEG, o LNEG, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e o Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves / Instituto Superior de Agronomia. «Aqui, estão, pelo menos, 25 páginas de exigências que as empresas concessionárias têm de cumprir!», observava o presidente da UF de Barco e Coutada, manuseando uma cópia deste documento e mostrando as assinaturas dos organismos envolvidos.
Já no que concerne ao desenvolvimento do EIA, as entidades a contactar, além das câmaras municipais da Covilhã e do Fundão, da UF de Barco e Coutada e das freguesias de Silvares e de Lavacolhos, são necessárias a APA (ex-Administração da Região Hidrográfica), a DGEG, a DGPC, a Direcção Regional de Cultura do Centro, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, o LNEG, a Rede Eléctrica Nacional e ainda a CCDR Centro.
Concessão experimental: escavar 100 mil toneladas
Como frisou Luís Morais, com base na documentação alusiva ao pedido de concessão de exploração experimental, «os testes a desenvolver no projecto da Argemela, durante este período de investigação, destinam-se a seleccionar e a verificar a viabilidade dos métodos de escavação, do transporte de material, da separação/concentração do minério, do tratamento de águas e da gestão dos materiais não aproveitáveis».
Por sua vez, no Plano de Lavra relativo à concessão experimental da Argemela, durante cinco anos, a PANNN diz que serão escavadas cerca de 100 mil toneladas com recurso à aplicação de explosivos e equipamentos mecânicos. «Dessa quantidade, 30 mil toneladas serão de minério, a processar. E 70 mil serão de estéreis, material sem valor económico, que será depositado no local», leu Luís Morais, de forma audível para o gravador.
Sublinhe-se que posteriormente aos alertas da associação ambientalista Zero – a qual chamou a atenção para a ausência de uma avaliação estratégica ambiental ao plano nacional do lítio –, o secretário de Estado da Energia garantiu ao «Público» (na edição de 2 de Abril de 2019) um adequado acompanhamento dos trabalhos nas suas mais diversas frentes. Segundo João Galamba, as empresas que vão trabalhar na prospecção, na extracção e na mineração de lítio «serão obrigadas» a entregar anualmente, às autoridades ambientais, um plano de intervenção adequado à área concessionada.
Contactado por telefone e por via electrónica, Nuno Forner, na qualidade de membro da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, mostrou-se disponível para prestar declarações, embora, nessa ocasião, reconhecesse que não tinha informação actualizada que lhe permitisse fazer o ponto da situação acerca das concessões para prospecção e exploração de lítio e dos respectivos impactos ambientais, a nível nacional.
“Ainda não sabemos o que vai a concurso!”
«Ainda não sabemos o que vai a concurso!», expôs (há cerca de um ano) Nuno Forner, aludindo ao concurso que o secretário de Estado da Energia queria colocar até Outubro, relativamente às nove áreas potenciais para exploração mineira de lítio. «Inicialmente, dizia-se que seria em Maio [de 2019] e isso não se viu», critica este membro da associação Zero, verificando que «estamos a falar de um recurso importante».
Todavia, «temos de fazer uma transição energética dos combustíveis fósseis para a electricidade», confirmava Nuno Forner, notando: «Possivelmente, quando estamos a falar de lítio, sabemos que não vai ser a base da mobilidade do futuro. Vai, sim, ser algo transitório, já que surgirá outro tipo de tecnologia relacionada com as baterias. No entanto, o lítio vai ser essencial nos próximos anos.»
«Nós defendemos que todo o processo deve ser transparente. As populações devem saber o que está em causa. Onde é que a consulta pública aparece? Aparece no Diário da República – e duvido que haja muita gente a lê-lo todos os dias – e aparece no site da Direcção-Geral de Energia e Geologia, que não é nada fácil de consultar. O comum português entra lá e assusta-se logo, quando quer encontrar informação!», comenta Nuno Forner.
O representante da associação Zero disse saber de municípios que recebem informação sobre este assunto e que «não a passam às juntas de freguesia». «Assim, o resto da população também não sabe», concluía, advertindo: «Se não tivermos um processo transparente, isto não funciona!»
A propósito da rede ecológica para o espaço da União Europeiaque «tem como finalidade assegurar a conservação a longo prazo das espécies e dos habitats mais ameaçados da Europa, contribuindo para parar a perda de biodiversidade», Nuno Forner releva a salvaguarda da Rede Natura 2000, «com valores naturais associados que devem ser conservados». «Ainda não sabemos, concretamente, o que aí temos de habitats, a fim de redefinirmos todos os limites da RN 2000, porque há valores naturais que ficam de fora», reparou o membro da Zero, atendendo às áreas atribuíveis a concessões e de exploração mineira.
Da meia dúzia de pessoas que então integravam o Grupo pela Preservação da Serra da Argemela (GPSA), encontrei na esplanada do Café Central, no Largo da Amoreira, Deolinda Lopes e Ana Sofia Morão. Pouco depois, chegava de automóvel (da cidade do Fundão) a advogada Joana Morgadinho Bento, então com 31 anos, que nas últimas eleições autárquicas foi candidata, pelo PS, à presidência da Câmara Municipal. É vereadora sem pelouro. Dedica uma parte substancial do seu tempo às causas do GPSA.
No início da tarde de 21 de Maio de 2019 – uma terça-feira muito agradável – e à sombra da única árvore da esplanada, junto da rodovia, estabelecemos uma descontraída conversa em torno da corrida ao «petróleo branco» português e do impacto ambiental que a eventual concessão e exploração de depósitos minerais de lítio na serra da Argemela pode acarretar, dificultando a vida das populações de ambos os concelhos abrangidos.
Nesse meio tempo, disponibilizámos mais uma cadeira para o autarca Luís Morais e falámos da actividade extractiva a céu aberto, bem como das consequências no ambiente e na saúde das pessoas, por causa das alterações no escoamento subterrâneo da água; e da possibilidade de se verificarem reservatórios de água contaminada, onde desemboca a água da lavaria (altamente tóxica e corrosiva). Por outro lado, os trabalhadores e as comunidades próximas estarão expostos a substâncias, a radiações e também a partículas que causam a silicose, o cancro do pulmão e demais doenças profissionais ou de exposição.
Insisti em saber quais eram os sentimentos – naquele dia – das pessoas que têm procurado contrariar os que querem que as populações locais estejam arredadas dos processos de decisão em matérias da exploração mineira do lítio e de outros metais. Joana Bento confessou: «Nós já esperávamos por esta notícia. Só não a tínhamos revelado por uma questão de lealdade institucional. Vemos esta questão com uma grande satisfação!»
Porém, a advogada e interveniente no Grupo pela Preservação da Serra da Argemela declarava que «esta é, apenas, uma decisão política». Por isso, «o GPSA não vai deixar de estar atento àquilo que é o processo na totalidade».