Lula e a comunicação

 Lula e a comunicação

Luiz Inácio Lula da Silva e o jornalista Marcos Uchôa, no programa “Conversa com o Presidente”. (Créditos fotográficos: CanalGov – Conversa com o Presidente #8 – youtube.com)

Não é de hoje que temos discutido a falta de um projeto de comunicação no governo Lula da Silva. Já foi assim nos primeiros mandatos e segue agora no retorno. Existem ações isoladas, sem ligação umas com as outras e não há uma estratégia eficaz para dar combate a toda a enxurrada de desinformação e mentiras que trafega pelos meios de comunicação comerciais e pelas redes sociais. Pois, agora, Lula fala em criar um canal de televisão com alcance internacional. Opa! Parei para prestar atenção. Mas, ao aprofundar o tema, mais uma decepção.

(Créditos fotográficos: CanalGov – Conversa com o Presidente #8 – youtube.com)

A proposta do presidente é de criar um canal internacional, tipo a Telesur da Venezuela. Só que, em vez de seguir a lógica da emissora criada por Hugo Chávez (que é de promoção da Pátria Grande e da divulgação das grandes lutas dos povos), a ideia de Lula, exposta de maneira clara, no seu discurso dentro do programa “Conversa com o Presidente”, é a de ter um canal para “divulgar a cultura, as oportunidades de turismo e de negócios no Brasil”. É impossível uma proposta tão esperada criar mais decepção!

E disse ainda: “Não pode ser que, se queremos ver notícias do Brasil quando estamos fora, tenhamos de ver a Telesur, que é um canal venezuelano. Temos de mostrar nossas riquezas ao mundo.” Ora, a Telesur não é um canal venezuelano, é latino-americano, e a sua proposta sempre foi a de mostrar a cara da América Latina, nas suas lutas e na sua beleza. Não nasceu para viabilizar negócios nem para incentivar o turismo.

(Créditos fotográficos: CanalGov – Conversa com o Presidente #8 – youtube.com)

Lula informou que já demandou ao ministro das Comunicações, Paulo Pimenta, um estudo para a criação deste canal internacional. Segundo ele, não será para mostrar o governo, nem o congresso, mas o Brasil tal qual é: “Mostrar a cara do Brasil lá fora.”

A fala do presidente mostra aquilo que já apontámos muitas vezes: não há um projeto desenhado e claro para a comunicação como um todo, capaz de fazer frente à colonização mental a que estamos submetidos. Tanto que a proposta do canal é de ser internacional, ou seja, para ser visto fora do Brasil. Não se sabe ainda se, no desenho da emissora, está também a possibilidade de ser aberta, para o público interno, sem a necessidade de antenas parabólicas. Na verdade, não há nada pensado ainda.

Também preocupa o que parece ser o principal objetivo: garantir negócios, chamar investimentos, fazer girar a roda do capital, aparentemente, sem a pretensão de mudar a estrutura de manutenção da mais-valia ideológica, típica dos canais de televisão comerciais, que apenas mantém as pessoas prisioneiras da lógica consumista e capitalista.

Assim, o que poderia ser uma boa ideia, acaba esboroando no ar da atmosfera liberal. Sempre é bom lembrar que Chávez, quando assumiu o governo na Venezuela, traçou um plano de comunicação certeiro e eficaz, ao aprovar a Lei Resorte – que garante as condições materiais para a produção de conteúdo de caráter popular –, criando emissoras de televisão com alcance nacional abertas, para reprodução de conteúdo produzido pelos movimentos sociais, para a divulgação da verdadeira História da América Latina e da Venezuela, apoiando verdadeiramente a comunicação comunitária. Enfim, todo um pacote que se confronta com a comunicação comercial a serviço do capital. Além disso, a Telesur propõe ser um canal latino-americano. Claro, Hugo Chávez tinha uma proposta política clara de caminhada para o socialismo. Coisa que não dá para esperar de Lula.

(Créditos fotográficos: CanalGov – Conversa com o Presidente #8 – youtube.com)

É também claro que é impossível transplantar o exemplo da Venezuela, mas é importante conhecê-lo, para que saibam o que é ter um projeto de emancipação e de soberania comunicacional. Não eram bravatas ao vento. Era uma totalidade em contraponto com a lógica comercial/liberal. Aqui, no Brasil, estamos longe disso.

A proposta, ao que parece – há que ver como vai caminhar – é usar o canal para atrair investimentos de fora.

E para dentro, Lula da Silva, o que teremos? Como o governo enfrentará a investida da ultradireita, que segue viva e atuante, trilhando, em alta velocidade, as estradas das redes sociais, preparando a tomada de prefeituras e de câmaras de vereadores em 2024. Quando teremos um projeto de informação para a nossa gente, com jornalismo que seja forma de conhecimento, com documentários que contem da nossa história e da nossa vida, com soberania e autonomia? Quando?

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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07/08/2023

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Elaine Tavares

Jornalista e educadora popular. Editora da «Revista Pobres e Nojentas», com Miriam Santini de Abreu. Integra o coletivo editorial da «Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos». Coordenadora de Comunicação no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (no Brasil).

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