Mais uma moedinha, mais uma voltinha nas eleições catalãs

 Mais uma moedinha, mais uma voltinha nas eleições catalãs

Os jornais espanhóis gostam de batizar as eleições com o dia e o mês em que decorrem, uma moda que, tal como a política local, se pode tornar algo confusa. Na Catalunha, em 2012 foi o 25-N, em 2015 27-S, em 2017 o 21-D e, em 2021, o 14-F. Isso mesmo, dez anos com quatro eleições e o mesmo impasse relativo à questão da independência que continua a impedir qualquer política de futuro para a região. A votação, no passado dia 14 de fevereiro, para o governo regional acabou com a maioria para os partidos independentistas, mas, como em 2017, com um partido anti-independência a receber mais votos.

Chegar a estas eleições não foi fácil. Em novembro, falei da saída pouco graciosa do presidente da Generalitat que forçou o ato eleitoral. Devido à Covid-19, o governo regional publicou um decreto que adiou a votação de fevereiro para maio. Contudo, o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha decidiu não acatar o pedido o que, duas semanas antes do 14-F, lançou os partidos num corrupio.

A pandemia baixou o tom da questão independentista e esteve no centro das eleições por um motivo inesperado. Num gesto político arrojado, o Partido Socialista da Catalunha (PSC) escolheu o ministro da Saúde do Governo espanhol como candidato. Salvador Illa, catalão e antigo presidente da câmara na região, havia assumido a pasta em janeiro de 2020 e foi uma das personagens mais mediáticas na luta contra a Covid. Um ano depois, abandonou o cargo e voltou a casa para tentar ser o centro do voto anti-independentista.

Illa tornou-se logo o alvo a abater. É espantoso que um partido com um resultado tão mau em 2017 (apenas 17 deputados eleitos, 13% dos votos) tenha provocado tanto medo nas hostes independentistas. Aliás, a preocupação foi tão grande que os partidos pró-independência — Juntos pela Catalunha (Junts), Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Partido Democrata Europeu Catalão (PDECat) e a Candidatura de Unidade Popular (CUP) — assinaram um pacto para que, independentemente dos resultados das eleições, ninguém aceitasse formar governo com o PSC de Illa.

Enquanto não chegavam as eleições, as sondagens continuavam a dar uma ligeira vantagem ao PSC. Fato engraçado sobre eleições na Espanha: a lei eleitoral proíbe a difusão de estudos de opinião a partir de cinco dias antes da votação. Contudo, a lei em Andorra não o impede, por isso o “El Periòdic d’Andorra” continua a publicar sondagens e os jornais partilham com gosto os links à “sondagem proibida”.

Entre medidas anti-Covid e algumas incertezas sobre se haveria gente suficiente para abrir todas as mesas de voto, as eleições decorreram com normalidade. Marcadas por uma forte abstenção (46% vs 20% em 2017), o 14-F revelou que os medos dos independentistas eram infundados.

Sim, o PSC ganhou (23% dos votos), mas com os mesmos 33 deputados que conseguiu a ERC (21%), e com a coligação JxCat logo a seguir com 32 deputados (20%). Num parlamento de 135 pessoas, a maioria está nos 68, número a que os independentistas podem chegar com a inclusão dos 9 eleitos da CUP num acordo de governo. O partido vencedor em 2017, Ciudadanos, esfumou-se no ar, passando de 36 deputados (25% dos votos) a apenas 6 (!) eleitos (5% dos votos). O outro dado que fica para a história é a maneira como o Vox — partido de extrema-direita — entra no parlamento catalão, logo com 11 deputados e como quarta força política mais votada (7% dos votos).

Resumindo, muitas voltas para ficar tudo como estava: um acordo de maioria independentista, como já existia, e pouca esperança de que a Catalunha volte a ter estabilidade política, sem braços de ferros com o governo central.

A questão da independência merece ser discutida e, de acordo com o desejo de alguns catalães, perseguida, mas quatro eleições em 10 anos representam uma década perdida para a região. O referendo para a independência em 2017 (conhecido, obviamente, como “1-O”) foi um momento fraturante para a sociedade catalã e, desde então, ainda não vi nenhum governo da Generalitat interessado em governar de verdade. O futuro tem de passar pelo presente e, por entre os refrões da independência, a vida na Catalunha continua tensa e cheia de incertezas.

04/03/2021

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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