Manuel Gusmão (1945-2023): o poema era ele

 Manuel Gusmão (1945-2023): o poema era ele

O poeta e ensaísta Manuel Gusmão. (Créditos fotográficos: Leonardo Negrão – arquivo – tsf.pt)

A notícia da morte de Manuel Gusmão foi, praticamente, ignorada pelas televisões e não mereceu chamada à “primeira página” em nenhum dos jornais nacionais. Ensaísta, crítico, tradutor, académico, poeta e cidadão comprometido com o futuro, Manuel Gusmão ocupa lugar cimeiro na cultura portuguesa dos séculos XX e XXI.

Manuel Gusmão. (Créditos fotográficos: Revista Caliban – abrilabril.pt)

Professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, especialista em literaturas francesa e portuguesa e em literatura comparada, Manuel Gusmão colaborou nas revistas O Tempo e o Modo e Vértice (de que foi coordenador), assim como no jornal Crítica (com Eduarda Dionísio, Luís Miguel Sintra e Jorge Silva Melo), foi deputado à Assembleia Constituinte pelo Partido Comunista Português (PCP), tendo integrado o seu Comité Central (CC) do IX ao XIX Congresso e sido membro da direcção da Organização Regional de Lisboa. Era, até à actualidade, membro da Comissão Nacional da Cultura junto do CC.

Manuel Gusmão nunca desligou, no seu percurso pessoal e literário, a estética e a política. Os seus ensaios sobre Fernando Pessoa e Carlos de Oliveira são exemplares, assim como a sua tradução de Francis Ponge. Prestou particular atenção à poesia de Ruy Belo e de Gastão Cruz, bem como à prosa de Nuno Bragança e também de Maria Velho da Costa. Mereceu amplo reconhecimento crítico e venceu os prémios da Associação Portuguesa de Escritores, do PEN Clube, D. Dinis e Vergílio Ferreira. Em Fevereiro de 2019, recebeu a Medalha de Mérito Cultural em reconhecimento, pelo Governo português, do “inestimável trabalho de uma vida dedicada à produção literária e à poesia”.

(festadoavante.pcp.pt)

Sobre a sua obra, outros falarão melhor do que eu. Mas permito-me relatar, aqui, dois episódios que o definem como intelectual comprometido e cidadão exemplar. O primeiro aconteceu em 2008, na Festa do Avante. Manuel Gusmão apresentou o “Manifesto Anti-Pu”, de César Príncipe, que então editei. À hora aprazada, o poeta surgiu na grande tenda da “Festa do Livro” de sorriso largo a encimar o seu corpo frágil. E durante a sua intervenção sentenciou: “Estes manifestos pré-anunciam novas expressões literárias.”

O segundo aconteceu alguns anos mais tarde. Num dos jornais televisivos da hora do almoço, em dia de “clássico” futebolístico. Um repórter irrompeu num café próximo do Estádio do Dragão, no Porto e, de microfone em punho, começou a disparar a pergunta que marcava o dia: “Quem acha que vai vencer?” Um dos interrogados foi Manuel Gusmão, que interrompeu a toma do café para confessar, humildemente, o seu desconhecimento sobre tão premente matéria. O intrépido repórter também desconhecia quem abordou e logo partiu à procura de um novo e sábio interlocutor. Valha-lhe Deus!

Manuel Gusmão foi professor, ensaísta, crítico, dramaturgo, poeta e tradutor de poesia. A sua obra poética é considerada uma das mais importantes e singulares da poesia portuguesa contemporânea. (app.pt)

Fonte consultada: Nota do Secretariado do Comité Central do PCP.

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13/10/2023

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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