Margarida Tengarrinha (1928-2023): conheceu a liberdade pela mão de César Príncipe

 Margarida Tengarrinha (1928-2023): conheceu a liberdade pela mão de César Príncipe

Margarida Tengarrinha (Foto publicada por Sofia Magalhães Costa, na sua página de Facebook)

Pelos primeiros dias de Maio de 1974, uma multidão juntou-se ao redor do coreto do Jardim Basílio Teles, em Matosinhos. Mário Cal Brandão, fundador do Partido Socialista, e Emídio Guerreiro, do então PPD (antiga sigla do Partido Popular Democrático, actual Partido Social Democrata), falavam à multidão sobre a queda do regime fascista. A dada altura, César Princípe topou Margarida Tengarrinha, deu-lhe a mão, subiu com ela ao coreto e proclamou: “Margarida Tengarrinha. É o meu nome!”1

Foi assim que o escritor e jornalista a resgatou à vida clandestina a que tinha sido obrigada vinte anos antes, em 1954. Por ser militante do Partido Comunista Portugês (PCP). Durante esse longo período, Margarida também foi Teresa, Leonor, Marta, Beatriz. E a falsificadora que, na “oficina” que criou com o seu companheiro José Dias Coelho, produziu “os documentos de identificação e outros necessários à intervenção clandestina” do PCP – o seu partido de sempre. Margarida tornou pública essa sua actividade no seu livro “Memórias de uma Falsificadora”, editado em 2018.

César Príncipe fotografado por Ursula Zenger.

Após o assassinato de José Dias Coelho, em 1961, Margarida Tengarrinha ruma ao exterior. Trabalha em Moscovo com Álvaro Cunhal e exerce tarefas na Rádio Portugal Livre. Regressa ao país seis anos depois. Integra a redacção do Avante! e do jornal A Terra e “torna-se responsável pelos organismos do Trabalho Camponês do Norte e posteriormente de Lisboa”.

Margarida Tengarrinha nasceu a 7 de Maio de 1928, em Portimão. Interveio nas lutas estudantis de 1949 e de 1952, em Lisboa. Foi na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL) que conheceu e se apaixonou por José Dias Coelho – o pintor a quem José Afonso dedicou a sua canção “A Morte Saiu à Rua” e na qual prestou homenagem ao artista plástico morto pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), em 19 de Dezembro de 1961.

Em 1962, após o assassinato de José Dias Coelho, Margarida Tengarrinha foi para o exterior, tendo exercido tarefas na Rádio Portugal Livre. (pcp.pt)

Escritora, jornalista, ilustradora, pintora, Margarida Tengarrinha participou nas Exposições Gerais de Artes Plásticas e foi expulsa da ESBAL, “pelo papel desempenhado na direcção da luta pela Paz aquando da reunião da NATO em Lisboa em 1952”. Em 1953 e em 1963, participou no “Congresso Mundial de Mulheres” realizado em Copenhaga e em Moscovo, respectivamente.

Após o “25 de Abril”, integrou o Comité Central do PCP, até 1988, bem como a Direcção da Organização Regional de Lisboa, a “Comissão para o Trabalho com os Pequenos e Médios Agricultores” e a “Comissão para a Reforma Agrária”. Regressou à sua cidade natal em 1986 e, apesar dos seus 95 anos, foi membro da Presidência do Conselho Português para a Paz e Cooperação.

Margarida Tengarrinha nasceu no ano de 1928, em Portimão.
(museudoaljube.pt)

Toda a minha vida ouvi falar de Margarida Tengarrinha, mas só a conheci pessoalmente em 1999. No Mercado de Olhão, onde participou numa acção da CDU (Coligação Democrática Unitária), cuja campanha reportei para o Jornal de Notícias. Foi uma conversa de largos minutos, que permanece na minha memória afectiva.

Foi esse episódio e o protagonizado por César Príncipe, há quase 50 anos, em Matosinhos, que recordei com o escritor e jornalista, a quem me liga uma longa amizade sem mácula, quando a notícia do seu falecimento2 foi conhecida. Margarida Tengarrinha é um daqueles seres que justifica a espécie humana.

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Notas:

1 – Em Julho de 2018, Margarida Tengarrinha deu uma entrevista ao Fumaça – Podcast de Jornalismo de Investigação em que contou episódios da sua vida clandestina. Revelou, também, o seu encontro com César Príncipe, em Matosinhos: “O 25 de Abril para mim foi o César Príncipe.” 

2 Ainda a tempo:  O Secretariado do Comité Central do PCP comunicou que o corpo de Margarida Tengarrinha estará em câmara ardente na Casa Mortuária da Igreja do Colégio, em Portimão, amanhã (terça-feira, dia 31 de Outubro), a partir das 9h30, saindo às 12h30 para o crematório de Albufeira. A cremação realizar-se-á às 14h00. Entretanto, o Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, informou que, na sequência da notícia do falecimento de Margarida Tengarrinha, decidiu cancelar a Sessão Evocativa do Centenário do Nascimento de José Dias Coelho, ficando de anunciar nova data para a mesma.

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30/10/2023
 

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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