Menina com livro

 Menina com livro

(Créditos fotográficos: Paulo Duarte/AP – tvi.iol.pt/mobilidade)

Quando a menina entrou no “303”1, já a senhora de meia-idade falava ao telemóvel com a amiga Zeza. A custo, conseguiu sentar-se no banco em frente da referida senhora, a qual não afastou nenhum dos quatro sacos de plástico que tinha plantados a seus pés.

A senhora de meia-idade falava alto. Tão alto que todos nós ficámos a saber que “o Virgílio, o homem da Amélia” tinha ido para o “hospital com um ataque“. Nada que a espantasse, pois “ele não liga nenhuma ao que os médicos lhe dizem e continua a beber ‘minis’ umas atrás das outras…”

Alguns minutos depois, desligou a chamada com a amiga Zeza. E, acto contínuo, passou a jogar um jogo no seu telemóvel. Febrilmente! Tal qual a esmagadora maioria dos outros passageiros do “303”.

Indiferente às jogatanas da senhora, a menina, com doze ou treze anos metidos em corpo esguio, colocou uns fones e sacou um livro2 da mochila. Abriu-o, tirou o marcador de página e começou a ler. Era a única que tinha consigo tão estranho objecto…

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Notas:

(Créditos fotográficos: Autocarros do Porto / Facebook) 

1 – Linha “303” de autocarros da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP) circulando por algumas das mais conhecidas ruas e praças da cidade, como o Campo 24 de Agosto, na parte oriental, a Praça de Mouzinho de Albuquerque, popularmente conhecida por Rotunda da Boavista, ou a Rua de D. Manuel II, que aloja os exuberantes Jardins do Palácio de Cristal e o Museu Nacional de Soares dos Reis.

2 – Mais de metade dos Portugueses não lê livros. A conclusão resulta de um inquérito do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICSUL), tornado público em Fevereiro de 2022. Segundo esse estudo, 61% dos inquiridos não leu um único livro em papel e, dos 39% que “afirmavam ter lido”, a maioria leu pouco. Tal realidade está fortemente associada à educação, já que “muitos não têm memória de os pais alguma vez os terem levado a uma livraria ou lhes terem oferecido um livro”.

(vozdaplanicie.pt)

Sobre o papel da escola (envolvendo actividades como as visitas de estudo e os programas de incentivo à leitura, por exemplo), o aludido “estudo assinalou a sua relevância em contextos em que os jovens não beneficiam de socializações de âmbito cultural em contexto familiar”. É entre os mais jovens que se “encontram maiores hábitos de leitura de livros impressos”: 44% tem entre 15 e 24 anos de idade, enquanto 46% se situa na faixa etária dos 25 e aos 34 anos.

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05/06/2023

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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