Menina com livro
Quando a menina entrou no “303”1, já a senhora de meia-idade falava ao telemóvel com a amiga Zeza. A custo, conseguiu sentar-se no banco em frente da referida senhora, a qual não afastou nenhum dos quatro sacos de plástico que tinha plantados a seus pés.
A senhora de meia-idade falava alto. Tão alto que todos nós ficámos a saber que “o Virgílio, o homem da Amélia” tinha ido para o “hospital com um ataque“. Nada que a espantasse, pois “ele não liga nenhuma ao que os médicos lhe dizem e continua a beber ‘minis’ umas atrás das outras…”
Alguns minutos depois, desligou a chamada com a amiga Zeza. E, acto contínuo, passou a jogar um jogo no seu telemóvel. Febrilmente! Tal qual a esmagadora maioria dos outros passageiros do “303”.
Indiferente às jogatanas da senhora, a menina, com doze ou treze anos metidos em corpo esguio, colocou uns fones e sacou um livro2 da mochila. Abriu-o, tirou o marcador de página e começou a ler. Era a única que tinha consigo tão estranho objecto…
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Notas:
1 – Linha “303” de autocarros da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP) circulando por algumas das mais conhecidas ruas e praças da cidade, como o Campo 24 de Agosto, na parte oriental, a Praça de Mouzinho de Albuquerque, popularmente conhecida por Rotunda da Boavista, ou a Rua de D. Manuel II, que aloja os exuberantes Jardins do Palácio de Cristal e o Museu Nacional de Soares dos Reis.
2 – Mais de metade dos Portugueses não lê livros. A conclusão resulta de um inquérito do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICSUL), tornado público em Fevereiro de 2022. Segundo esse estudo, 61% dos inquiridos não leu um único livro em papel e, dos 39% que “afirmavam ter lido”, a maioria leu pouco. Tal realidade está fortemente associada à educação, já que “muitos não têm memória de os pais alguma vez os terem levado a uma livraria ou lhes terem oferecido um livro”.
Sobre o papel da escola (envolvendo actividades como as visitas de estudo e os programas de incentivo à leitura, por exemplo), o aludido “estudo assinalou a sua relevância em contextos em que os jovens não beneficiam de socializações de âmbito cultural em contexto familiar”. É entre os mais jovens que se “encontram maiores hábitos de leitura de livros impressos”: 44% tem entre 15 e 24 anos de idade, enquanto 46% se situa na faixa etária dos 25 e aos 34 anos.
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05/06/2023