Mentiras
Otto von Bismarck, estadista e diplomata alemão do século XIX, dizia que nunca se mente tanto como antes de eleições, durante uma guerra ou depois de uma caçaria. De certa forma, um século e meio depois, é extraordinário verificar quão certas e atuais são estas observações, e quão constante é a natureza humana. De facto, no que toca os sentimentos e emoções, uma pessoa de hoje é exatamente igual a qualquer outra que tenha vivido há séculos ou, até, há milénios. Se alguma diferença existe, ela é ditada por questões de forma e não de substância, impostas pelo ambiente no qual as pessoas estão imersas.
Bismark estava certo ao observar que as pessoas mentem com muito mais intensidade quando disso podem tirar algum benefício. Antes de eleições, promete-se, para ganhar votos, ainda que sem intenção de cumprir. Durante uma guerra, recorre-se à propaganda, ainda que sem correspondência com a realidade, para intimidar o inimigo e obter vantagens no terreno. Depois de uma caçaria, exageram-se os feitos e os resultados para provar a superioridade e o engenho do caçador.
Claro que, se Bismark vivesse nos dias de hoje, teria de acrescentar mais qualquer coisa. É que ele não viveu no tempo das tecnologias de informação e comunicação e, portanto, não poderia imaginar que nunca se mente tanto como quando se usa a Internet.
Curiosamente, alguns – demasiados, diria – ainda acreditam piamente em tudo o que vêm na Internet, nisso sendo iguais aos eleitores antes das eleições, aos soldados e vítimas das guerras, e aos que se deleitam com histórias de caçadores. Se está na Internet é verdade. Se há dúvidas sobre qualquer questão, a Internet esclarece-as e tem a última palavra. Se se procura o que está certo, agarra-se no telemóvel e vai-se à Internet. Se se pretende saber mais sobre alguém, recorre-se às suas redes sociais que, tal qual janela aberta para a interioridade de cada um, nos mostram sentimentos, alegrias, tristezas, gostos, andanças e, sobretudo, status.
Felizmente, os que estão conscientes da verdadeira natureza da informação que se encontra na Internet são em número cada vez maior. Quem alimenta a Internet são as pessoas e, portanto, tudo o que lá se encontra reflete nem mais nem menos do que a nossa natureza. Muitos querem, verdadeiramente, ensinar, aprender, divulgar o que é útil (e o que não é), atuar de forma ética e honesta, procurar conhecimento, recolher dados para formar uma opinião. Outros – ou, até, os mesmos, em momentos diferentes – querem, simplesmente, deixar-se levar pela caótica enxurrada de dados, que nos atira daqui para acolá, de lá para aqui, procurando no acaso algo que lhes alegre o dia. Outros, ainda, querem persuadir ou serem persuadidos, terem algum lucro ou pagar, deixarem-se inebriar por algo, independentemente de ser verdade ou mentira. Não há nisso grande mal. Importante é, naquilo que interessa, não nos deixarmos levar por promessas feitas em eleições, não tomar como certa a propaganda de generais, e não acreditar em gabarolices de caçadores, especialmente se estiverem na Internet.
05/12/2022