Meryl Streep

 Meryl Streep

A actriz Meryl Streep, de 73 anos, tem três Óscares, oito Globos de Ouro, dois BAFTA e três Emmy no currículo e, com mais de quarenta anos de carreira, ganha Prémio Princesa das Astúrias 2023. (Créditos fotográficos: Mario Anzuoni / Reuters – publico.pt)

O Prémio Princesa das Astúrias das Artes 2023 distinguiu, em Oviedo, na Espanha, a actriz norte-americana Meryl Streep.

O júri, presidido por Miguel Zugaza, ressalta, na acta final, o trabalho da actriz em “dignificar a arte da representação e conseguir que a ética e a coerência transcendam através do seu trabalho”, salientando ainda que Meryl Streep tem a virtude de fazer realçar a capacidade e o dever que os seres humanos, as mulheres em particular, têm de “vencer e destacar-se a partir da sua singularidade e da sua diferença”, como lemos na edição de 26 de Abril do jornal Observador.

Júri do Prémio Princesa das Astúrias, presidido por Miguel Zugaza, destaca a actividade artística da actriz norte-americana Meryl Streep, por “dignificar a arte da representação e conseguir que a ética e a coerência transcendam através do seu trabalho”.
(Créditos fotográficos: Claudio Onorati / EPA – observador.pt)

E os membros do júri concluem, na referida acta, datada de 26 de Abril do corrente ano: “Ao longo de cinco décadas, Meryl Streep desenvolveu uma brilhante carreira encadeando actuações nas quais dá vida a ricas e complexas personagens femininas, que convidam à reflexão e à formação do espírito crítico do espectador. A honestidade e a responsabilidade na escolha das suas obras, ao serviço de narrativas inspiradoras e exemplares, atravessam o ecrã e os palcos com uma técnica de representação impecável, armados apenas com os seus gestos, voz e olhar. Activista incansável em prol da igualdade, com seu talento e rigor tem possibilitado a diferentes gerações desfrutar de espectáculos inesquecíveis, conquistando o respeito que esta grande arte merece.”

(pt.wikipedia.org)

Lembro-me perfeitamente do filme que nos fez olhar para ela, destacadamente, pela primeira vez, era o drama “Kramer contra Kramer”, filme norte-americano de 1979, escrito e realizado por Robert Benton, baseado no romance homónimo de Avery Corman.

Parecia um tema banal, à volta do desencontro de um casal, da separação e, consequentemente, da mágoa causada ao único filho do matrimónio.

Voltei a rever esta pelicula há pouco tempo, pensei que o título poderia ter sido “A Solidão dos Kramers”. De repente, ela (Joanna Kramer, interpretada por Meryl Streep) descobre a sua infelicidade na relação e abandona, em solidão, o lar, deixando para trás o seu marido Ted Kramer (cujo papel coube a Dustin Hoffman), também em solidão e o seu filho pequeno. Na solidão do abandono, Ted Kramer, o esposo e pai, vai procurar, por todos os meios, continuar com o seu papel de pai e de trabalhador, mesmo quando perde o emprego e se volta a empregar com um salário substancialmente mais baixo.

Ted Kramer fica responsável por todas as tarefas domésticas e, sobretudo,
em cuidar do filho Billy (personagem atribuída ao pequeno Justin Henry),
algo é bastante difícil, no início, devido ao distanciamento entre eles, bem
como à rotina do trabalho e à saudade da mãe que o menino
experimenta. (papodecinema.com.br)

É comovedora a cena na qual o Kramer pai (Dustin Hoffman) fala com o seu filho, que, adormecido, não ouve as suas palavras. O seu discurso é de compromisso e, obviamente – como em todo o monólogo –, é para nós que ele fala; somos nós, enquanto espectadores, os ouvintes. A esposa voltará mais tarde para reclamar a custódia do filho e, como em tantos outros filmes norte-americanos, as cenas seguintes passam no tribunal, até ao desfecho ou final do filme.

A mãe recupera legalmente o seu filho. Nas cenas finais, a solidão dos Kramers volta a manifestar-se, sobretudo, no dia em que ela deve recolher o pequeno Billy. Renunciará à custódia, dialogando com o ex-marido, enquanto o menino espera, num andar superior, pela mãe. Solitariamente, a mãe vai despedir-se do filho, apanhando o elevador que, mecanicamente, se fecha, deixando em solidão o pai, no outro lado. Lá em cima, uma criança solitária espera pela despedida.

“A Escolha de Sofia”: um conto trágico do amor de um escritor por uma sobrevivente do Holocausto. Estamos perante um filme de grande intensidade dramática protagonizado por Kevin Kline e por Meryl Streep. (rtp.pt)

Alguns anos mais tarde, viria o grande momento dramático da actriz no filme “A Escolha de Sofia” (“Sophie’s Choice”, de 1982), com argumento e realização de Alan Jay Pacula e baseado no romance (best-seller) de William Styron, publicado em 1979.

Intenso drama de sobrevivência, relato baseado em factos verídicos, mas no qual ninguém pode, realmente, sobreviver. Sofia (Sophie Zawistowski), uma mãe polaca, protagonista da história, tenta refazer a sua vida nos Estados Unidos – destruída nos campos de concentração nazis –, numa relação de amor e amizade a três (ela, Stingo e Nathan Landau), tal como víramos em “Jules et Jim”, aquele fabuloso filme de François Truffaut, em que dois artistas, um austríaco e um francês, se apaixonam pela mesma mulher, num amor que se estende no tempo por mais de duas décadas.

Pouco a pouco, Sofia vai desvelando o seu passado ao jovem Stingo, um aspirante a escritor, até chegar ao momento mais cruel, mais triste, doloroso e dramático que, neste percurso, quase se transforma na sua hybris1 ineludível.  Sofia confessa como foi obrigada, de forma inevitável, a escolher entre os seus dois filhos, para que, apenas, um deles pudesse sobreviver ao Holocausto, em Auschwitz, na Polónia!

(Direitos reservados)

Nem as meias alegrias, nem os grandes abraços, nem os compromissos e promessas de amor do presente a poderão salvar. Sofia e Nathan acabarão enlaçados ou abraçados, suicidas num leito, tendo conseguido derradeiramente alguma paz para os seus seres atormentados pelo passado de Sofia e pela doença de Nathan.

Quando revejo esta cena final, não posso deixar de pensar no grande escritor europeu Stefan Zweig (1881-1942) que se suicidou, juntamente com a sua esposa, no Brasil, ao temer ser repatriado para uma Europa em guerra e nas mãos dos nazis.

É longa e versátil a carreira desta actriz mais uma vez homenageada, assim tão significativamente. É também enorme o gosto e a admiração que tenho por ela, que tanto me tem proporcionado, enquanto espectador, ao longo da nossa vida em comum.

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Outras duas mulheres exemplares

Rita Lee (Créditos fotográficos: Divulgação – gshow.globo.com)

Quero ainda recordar outras duas mulheres exemplares: a brasileira Rita Lee e a portuguesa Maria Lamas.

Rita Lee (1947-2023) morreu no dia 8 de Maio deste ano. Foi intérprete, compositora, multi-instrumentista, apresentadora, escritora e activista brasileira. Era conhecida como a “Rainha do rock brasileiro”, mas, sem dúvida, era muito mais do que isso.

Maria Lamas (1893-1983), portuguesa, mulher exemplar, ressuscita numa nova edição de uma das suas obras mais emblemáticas “As Mulheres do Meu País. Ainda não tenho esta obra, mas vou adquiri-la! Entre as minhas colecções sobre mitologia, tenho, sim, a sua “Mitologia Geral”, que muito aprecio, já reeditada mais de uma vez.

Escritora e jornalista Maria Lamas.
(Créditos fotográficos: Arquivo / Global Imagens – e-cultura.pt)

Como escreve Cândido Martins, no jornal Letras & Letras2, “Mitologia Geral” foi editada “originalmente em 1961, a sua autora, a jornalista, escritora e activista Maria Lamas (1893-1983) propõe-nos uma informativa e cativante obra de divulgação sobre as várias mitologias, desde os povos primitivos, às mitologias europeias, orientais ou greco-romana”. “Sem paralelo no panorama editorial português, esta louvável obra de divulgação é constituída por dois volumes bem apresentados, amplamente ilustrados, enriquecidos por dois úteis índices remissivos”, prossegue Cândido Martins, na respectiva nota de apresentação.

(Direitos reservados)

Ainda a propósito da reconhecida obra, em dois volumes (4.ª edição, em 2000, pela Editorial Estampa, de Lisboa), da autoria de Maria Lamas, o apresentador literário Cândido Martins refere que, na “Mensagem”, Fernando Pessoa registou: “O mito é o nada que é tudo.” Por conseguinte, a mitologia é absolutamente essencial para a compreensão artística, da música, da escultura, da pintura e da literatura de todos os tempos”. “Com esta interessante Mitologia Geral, cuja 4.ª edição é, por si só, um facto revelador do seu valor, Maria Lamas propõe-nos uma formativa viagem sobre as várias mitologias, sendo por isso recomendável sobretudo a alunos e [a] professores, mas também a todos os que procuram uma cultura alargada, assente nas suas matrizes ancestrais”, sublinha Cândido Martins.

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Notas:

1 – Como nos explica a Wikipédia, a húbris ou hybris é um conceito grego que pode ser traduzido como “tudo [o] que passa da medida; descomedimento” e que, actualmente, alude a uma confiança excessiva, a um orgulho exagerado, à presunção, à arrogância ou à insolência, que com frequência termina sendo punida.

2 – Jornal mensal, de Novembro de 1987 até Novembro de 1990, n.º 35. Jornal bimensal até Julho de 1993, n.º 98. Revista mensal até Julho de 1994, n.º 110. Passa a ser publicado na Internet, a partir do dia 30 de Dezembro de 1997.

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25/05/2023

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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