Meter a foice em seara alheia
Tive um bom professor de Filosofia, em Évora, nos 6.º e 7.º anos do liceu (actuais 10.º e 11.º anos de escolaridade), chamava-se António Hortênsio da Piedade Morais. Ao longo da vida, mantive um certo respeito por uma matéria que nunca aprofundei. Lembro-me de uma frase sua: “A Filosofia é, sobretudo, a via que conduz o nosso cérebro ou a nossa mente a pensar sobre o pensamento”. E é esta a noção que conservo desta disciplina. Percebe-se, assim, por que razão os filósofos são, muitas vezes, referidos como pensadores.
Há uns anos, tive curiosidade em passar os olhos sobre o programa oficial desta disciplina, no nosso ensino secundário, e uma das frases que li e que transcrevo é esta: “Iniciar a discursividade filosófica, prestando particular atenção, nos discursos/textos, à análise das articulações lógico-sintácticas e à análise dos procedimentos retórico-argumentativos.”
Um discurso tão desnecessariamente rebuscado pode revelar o elevado nível filosófico de quem o escreveu, mas deixa dúvidas, no que respeita à sua qualidade pedagógica. Uma frase assim faz fugir, “a sete léguas”, um qualquer adolescente. A mim, cuja idade pesa mais do que cinco adolescentes, foi o que me aconteceu, fugi.
Com boa vontade, podemos admitir que todos somos filósofos, sempre que procuramos saber ou investigar algo, seja sobre minerais ou rochas, borboletas, literatura, castelos, gastronomia, pintura, planetas e satélites, jardinagem ou, até mesmo, futebol, moda ou tauromaquia. Tudo é sabedoria e tudo é, de facto, para os respectivos cultores, motivo de amor ou de interesse. Mas o conceito académico de “filosofia” é algo mais profundo, a tratar por quem ganhou estatuto para tal. É, por assim dizer, uma sabedoria com uma longa História, vasta e complexa, que abarca a universalidade do conhecimento, que o questiona, explora e, tantas vezes, vai à frente dele.
Como disciplina dos programas escolares do ensino secundário, a Filosofia é um ramo do conhecimento como qualquer outro. Afasta muitos alunos porque, como se viu, usa demasiadas vezes um vocabulário para eles erudito e hermético, fora do seu dia-a-dia. Na realidade, tem um “falar caro” que, se for “trocado por miúdos”, deixa de “meter medo”, passa a ter significado e, até, acredite-se, pelo menos para mim, tem beleza.
Como filósofo que sou, no estrito sentido de gostar de saber coisas, das mais simples e vulgares, como levantar uma parede de tijolos, ao porquê das ondas de gravidade previstas por Einstein, há 100 anos – e agora, finalmente, descobertas –, não resisto a “meter o nariz e espreitar” este maravilhoso domínio do génio humano.
Fique claro que não pretendo “meter a foice em seara alheia”. Não adquiri preparação académica em Filosofia. Limito-me, pois, a procurar tornar acessíveis as leituras que a condição de “arrumado na prateleira”, na situação de aposentado, desde 2001 (há 22 anos, é muito tempo), me vão ensinando.
Dada esta explicação, que me desculpem os leitores mais letrados, professores e outros que, certamente, dispensarão, estas minhas incursões. Mas é que eu sei que são muitos os que esperam de mim estas conversas. E é a pensar neles que vou pondo aqui, “enquanto é tempo” (o horizonte de vida não permite dilatar o tempo), o que aprendi e continuo a aprender, bem como o que meditei ao longo da vida.
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14/12/2023