“Milhazes” aos molhos
Somos um país recheado de “Milhazes”. Mesmo que tenham nomes e origens geográficas diferentes. Eis alguns desses “Milhazes”: Azeredo Lopes1, Henrique Burnay, Evgueni Mouravitch e Pavlo Sadokha, presidente da Associação de Ucranianos em Portugal. O que estes “Milhazes” dizem nas tevês deve fazer o Zé2 roer-se de inveja. Tal o azedume que exibem quando alguém ousa contrariar a sua cartilha pró-americana e pró-Zelensky. Os quatro “Milhazes” acima só invocam as histórias que lhes convém. A eles e ao imperial pensamento único que servem.
Um exemplo: Burnay, “sénior partner da Eupportunity, a primeira empresa portuguesa de consultoria em assuntos europeus”, disse, há dias, na SIC Notícias, que a Rússia é um “estado terrorista”. E que Putin é um criminoso. Duvido, contudo, que o também colunista do Diário de Notícias, do Observador e membro do painel do “Café Europa”, na Rádio Observador, também use tal classificação para retratar a invasão norte-americana do Iraque (em 2003). Ou os bombardeamentos das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki (em 1945); e o apoio dos Estados Unidos da América ao golpe de estado no Chile (em 11 de Setembro de 1973), que derrubou o presidente SalvadorAllende3, democraticamente eleito, e instalou no Palácio de La Moneda o ditador Pinochet4.
A ditadura militar vigorou entre 1973 e 1990. Matou mais de 3.200 pessoas, prendeu e torturou 38 mil cidadãos, entre eles, a ex-presidente dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Michelle Bachelet, e condenou ao exílio 200 mil chilenos. Uma coisa é certa: cinquenta anos depois, as Forças Armadas resistem a abrir os seus arquivos, e o poder económico e político dos defensores da ditadura continuam presentes, enquanto as vítimas continuam a clamar por justiça.
Agora, estes e outros “Milhazes” televisivos, perante a anunciada morte do chefe do bando paramilitar russo Wagner5, que viajaria num avião particular, não têm dúvidas: Prigozhin e os seus homens foram mortos por ordem do diabo do Kremlin. Não digo que não, mas os carrascos também podem ser da Ucrânia ou de qualquer outra geografia, pois trata-se de gente de mau porte como confirmam as suas investidas, nomeadamente na República Centro-Africana.
Talvez a CIA, que nunca descobriu o verdadeiro assassino do presidente John Fitzgerald Kennedy (1917-1963), em breve nos diga quem ditou a morte dos homens do bando Wagner. Até lá ouviremos Evgueni Mouravitch, correspondente da RTP em Moscovo, dizer que o antigo vendedor de “cachorros” era, assim, a modos como que um “Che” Guevara (1928-1967), parido nas margens gélidas do mar Báltico. Uma falsidade do tamanho da imensa Federação Russa, o maior pais do Mundo com uma área total de 17.075.200 quilómetros quadrados, que só pode ser dita por ignorância ou por ser uma verdade conveniente à beatificação de Yevgeny Prigozhin, por oposição à total diabolização de Putin – um criminoso tão criminoso como os presidentes Harry S. Truman (1884-1972), Richard Nixon (1913-1994) e George W. Bush (1946), como bem sabem os filhos e netos das 241 mil pessoas que morreram em Hiroshima e Nagasaki, os chilenos que sobreviveram à ditadura de Pinochet e o massacrado povo iraquiano. Apenas para citar três nomes de uma longa lista de inquilinos da impoluta Casa Branca.
Finalmente, era bom que estes e outros “Milhazes” televisivos dissessem ao presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal que o Partido Comunista Português (PCP) é um dos fundadores do nosso regime democrático e que muitos dos seus militantes pagaram com a vida a luta pela Liberdade. A liberdade que agora lhe permite manifestar-se contra os comunistas do país que o acolhe. Tal qual aconteceu, há dias, na lisboeta Avenida da Liberdade. Uma manifestação de ódio, feita de megafone em punho, que não seria possível na sua Ucrânia natal, pois o seu querido líder tratou de ilegalizar todos os partidos opositores e proteger os oligarcas que fizeram dele presidente e um homem muito rico.
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Notas:
1 – Apresentado pela CNN Portugal como um expert em política internacional, Azeredo é muito azedo com o major-general Agostinho Costa, que nunca perde a compostura e lhe responde sempre com um sorriso. Recordo: Azeredo Lopes foi ministro da Defesa (2015-2018), mas demitiu-se do cargo, em consequência do roubo de armas dos Paióis Nacionais de Tancos. Foi constituído arguido, mas acabou absolvido dos quatro crimes de que estava acusado: denegação de justiça, prevaricação, abuso de poder e favorecimento pessoal.
2 – José Manuel Milhazes Pinto é um jornalista, historiador e tradutor português, assumindo actualmente as funções de comentador político da SIC, da Antena 1 e do Observador.
3 – Salvador Allende (1908-1973) foi presidente do Chile, entre 1970 e o dia 11 de Setembro de 1973, quando foi deposto por Augusto Pinochet, que, então, era chefe das Forças Armadas. Allende, médico e político social-democrata, que fundou o Partido Socialista do Chile, foi eleito pelos votos dos seus concidadãos. Foi o primeiro marxista a ser eleito democraticamente como presidente na América. Suicidou-se no Palácio de La Moneda, durante o golpe de Pinochet.
4 – O ditador morreu em Dezembro de 2006, sem ser condenado. Manteve-se como chefe supremo das Forças Armadas e foi senador vitalício no parlamento chileno. Pinochet foi detido pela Scotland Yard, em Londres, onde se encontrava para tratamento médico, em 16 de Outubro de 1998. A prisão do ex-ditador obedecia a um mandado de busca e apreensão internacional, que visava a sua extradição para Espanha, país onde seria julgado por crimes contra os Direitos Humanos. Contudo, o pedido feito pelo juiz espanhol Baltasar Garzón não surtiu efeito. Ficou detido em prisão domiciliária, na capital britânica e acabou por ser libertado. Alegadamente, por razões médicas. A então primeira-ministra Margaret Thatcher, grata pelo apoio do ditador na Guerra das Malvinas, que o considerou “um amigo que ajudou a combater o comunismo”, recusou a sua extradição. Ironia das ironias: Augusto Pinochet morreu a 10 de Dezembro de 2006, exactamente, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, estabelecido pela Organização das Nações Unidas.
5 – O Grupo Wagner é tão genocida como o Batalhão Azov, milícia paramilitar fundada por neonazis e ultranacionalistas ucranianos. Liderados pelo activista de extrema-direita Andriy Biletsky, o qual, no início deste ano, anunciou que o seu regimento passou a ser uma brigada separada das Forças Armadas Ucranianas.
Fontes consultadas: Infopédia e Wikipédia.
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Nota do Director:
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28/08/2023