Ministério dos Povos Originários

 Ministério dos Povos Originários

(Créditos fotográficos: Ricardo Stuckert)

A posse de Sônia Guajajara como ministra dos Povos Originários foi recheada de emoção e de simbolismo. Não por acaso, feita junto com a posse de Anielle Franco, no Ministério da Igualdade Racial. Por isso mesmo, reuniu negros, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e toda essa gente que sempre esteve fora dos círculos de mando no país. Foi bonito de ver.

No caso dos povos originários, é importante lembrar que o Brasil tem o maior número de etnias. São 305 etnias e 274 diferentes línguas. Segundo os últimos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase um milhão de indígenas ocupa 13% das terras brasileiras. Observando a população geral, o número parece pequeno, mas há que observar a importância destas comunidades na proteção do ambiente. Os povos originários carregam na sua cosmovivência a ideia de que não há separação entre o homem e a Natureza, daí o cuidado que têm com o espaço geográfico no qual habitam. E esta é uma prática que favorece toda a população.

Brasil registra 274 línguas indígenas diferentes faladas por 305 etnias. (Créditos fotográficos: Mário Vilela/Funai)

Foram os povos originários os primeiros a serem atingidos pelo governo de Jair Bolsonaro, quando assumiu o mando, em 2019. A sua proposta era acabar com a proteção das comunidades e integrar os indígenas no mundo do trabalho, expulsando-os das suas terras e jogando-os nas cidades, para engrossar o cordão de misérias.

Desde o primeiro dia, os povos originários lutaram contra isso, sofrendo as mais duras violências. A prática da invasão de terras por grileiros, fazendeiros, madeireiros e mineradores, incentivada pelo governo, garantiu mortes, estupros e outras violências de todo o tipo. Foram suspensas as demarcações de terras indígenas e começou uma campanha para anular as que já haviam sido feitas. Uma luta sem trégua foi travada e, por isso mesmo, foi extremamente simbólico ver toda aquela festa no centro do poder político.

Há mais indígenas em São Paulo do que no Pará ou no Maranhão. (cebi.org.br)

Além do Ministério dos Povos Originários, dirigido por Sônia Guajajara, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) – desmantelada durante o último governo – também será comandada por uma indígena, a deputada Joênia Wapichana. A partir de agora, passará a se chamar Fundação Nacional dos Povos Originários, saindo do Ministério da Justiça, para ser integrada no dos Povos Originários. É a primeira vez na História que os povos indígenas formularão, eles mesmos, as políticas para as suas comunidades.

Este é um desafio importante para os povos originários, que precisarão de dar contas dos seus dramas e problemas cotidianos – tais como as demarcações de terra, saúde, educação e outros –, além da necessária compreensão de que o grande inimigo é o sistema capitalista de produção. É facto que foi o homem branco que aqui pisou em 1500, trazendo a violência e a opressão, mas também é facto que este invasor foi a ponta de lança para a instalação das bases do capital nas terras de Pindorama (o verdadeiro nome do Brasil antes de chegarem os Portugueses).

Sônia Guajajara durante cerimônia de posse. (Créditos fotográficos: Eraldo Peres/AP – g1.globo.com)

E, hoje, é o capital aquele que avança sobre as terras, buscando mais e mais acumulação. A unidade dos povos originários com os trabalhadores que lutam por outra maneira de organizar a vida é fundamental para construir esse novo Brasil, do qual falou Sônia na sua posse. “Nunca mais o Brasil sem a gente”, ressaltou, mas também reverenciou pessoas não-indígenas, como o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira, assassinados na Amazônia (em 5 de Junho de 2022, numa viagem pelo Vale do Javari, segunda maior região indígena do Brasil), por fazerem parte desse grupo que luta junto com os povos originários, atentos às suas particularidades, mas sem perder a relação com o todo.

Anielle Franco assumiu o Ministério da Igualdade Racial. (Crédiditos fotográficos: Marcelo Camargo/Agência Brasil – exame.com)

Anielle Franco (irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada por milicianos no Rio de Janeiro), que assumiu o Ministério da Igualdade Racial, também fez um discurso forte sobre a situação da população negra no Brasil, sempre excluída e massacrada desde a chamada abolição. Tal como Sônia, também convidou os não-negros a caminharem juntos na construção de um país sem racismo e bom de viver. Uma caminhada de trabalhadores e de trabalhadoras capazes de mudarem o sistema, e não de apenas amansá-lo. Porque o capitalismo tem os seus “hábitos alimentares” inamovíveis, o que inclui destruir a vida daqueles que têm apenas o seu corpo e a sua força de trabalho para vender, e dos que ainda conseguem viver de maneira solidária e cooperativa. São hábitos que não mudam, ainda que o discurso pareça domesticado. Não dá para se enganar. Não há “inclusão boa” no capitalismo.

Não dá para negar que este é um momento importantíssimo para os indígenas e para os negros, historicamente apartados do centro das decisões. Por isso, é preciso celebrar. Mas não pode ser unicamente um espetáculo cheio de emoções. Ele é um momento tático de uma estratégia maior, que é a construção do chamado “mundo novo”. Logo, precisa de ser também o fortalecimento de uma aliança inquebrantável do povo trabalhador, dos pequenos camponeses, dos quilombolas, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos ciganos e de toda a gente que enfrenta a sanha do capital, avançando sobre as suas terras e sobre as suas vidas. O inimigo é o capital. E é tempo de destruí-lo.

12/01/2023

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Elaine Tavares

Jornalista e educadora popular. Editora da «Revista Pobres e Nojentas», com Miriam Santini de Abreu. Integra o coletivo editorial da «Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos». Coordenadora de Comunicação no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (no Brasil).

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