Mitos e filosofia
Na Antiguidade grega, muito antes do despontar do pensamento filosófico, os mitos davam respostas às múltiplas perguntas, muitas delas perplexidades que pairavam e, até, inquietavam o espírito das gentes. Para além de marcarem padrões importantes na vida social, nomeadamente, na ética e na moral, os mitos apontavam as origens do Mundo, caracterizavam e descreviam as vidas e os feitos de uma ampla variedade de deuses, deusas, heróis, heroínas, ninfas e de outras criaturas ou divindades mitológicas, veiculando uma concepção religiosa do mundo à sua volta.
“Mito” (do grego mythós) começou por significar, apenas, “palavra”, no simples sentido de algo que se diz ou escreve. Mas evoluiu, ganhando o valor de uma narrativa digna de crédito. Entende-se, assim, por mito uma crença fundamentada em relatos fictícios e imaginados. Mitologia é a disciplina vocacionada para o estudo dos mitos, sendo, muitas vezes, o nome usado para aludir à religião, quer dos clássicos Gregos quer dos Romanos. Diga-se que “mitologia” é um vocábulo moderno (neologismo) introduzido e usado por quem estudou os mitos. Nunca pelos que os criaram e narraram.
É neste contexto que surge a filosofia (do grego philo, amor, interesse, e sophia, sabedoria, conhecimento). Platão e Aristóteles (para citar apenas dois, de entre os mais conhecidos), consideravam os mitos como relatos fictícios ou absurdos, afastados do logos, o discurso racional. A filosofia é, com efeito, uma atitude mental completamente distinta das narrativas mitológicas, surgida como uma espécie de rompimento com a visão mítica do mundo grego. Enquanto os mitos não dispunham de qualquer suporte racional, a filosofia inaugurava o discurso abstracto e universal, amparado na argumentação, formulava concepções do Mundo isentas de contradições e de imperfeições no que respeita o raciocínio lógico. Neste quadro, uma das mais importantes contribuições dos primeiros filósofos foi dessacralizar e despersonalizar as narrativas tradicionais sobre a origem e organização do cosmos, uma problemática, sem dúvida, no pensamento dos filósofos do presente, mas cujos avanços devemos, sobretudo, ao trabalho dos astrofísicos.
Fazendo a ponte dos mitos para a religião, poderemos dizer que, ao contrário desta, que tem por suporte a fé, que respeita e não se afasta da tradição e dos textos sagrados, a ciência, entendida como parte importante da filosofia, serve-se exclusivamente da razão para aceitar ou rejeitar quaisquer que sejam as teses.
Berço da civilização ocidental, a História da Grécia Antiga remonta ao século VIII a.C., com o surgimento da poesia grega de Homero e de Hesíodo. De Homero pouco ou nada se sabe. Habitualmente referido como o autor dos ditos poemas, poderá ter sido, alguém que os reuniu. Acredita-se, hoje, que Homero não foi um indivíduo histórico, mas um nome fictício, ao qual têm sido atribuídos poemas de antigos autores desconhecidos, envolvendo muitos séculos de História, contados oralmente. Qualquer que tenha sido a sua existência, Homero representa a personificação colectiva da memória da Antiga Grécia. O poema “Ilíada” narra os acontecimentos decorridos nos últimos dias da Guerra de Troia. Na sequência deste, a “Odisseia” relata o regresso de Odisseu (Ulisses, na mitologia romana), herói grego dessa guerra, que dá nome ao poema. Além de nos dizerem, ainda, como eram as poleis (plural de pólis, a cidade-estado), as epopeias homéricas são a primeira expressão da poesia mitológica grega. Reunindo séculos de tradição oral, ambos os poemas terão sido passados a escrito, crê-se que no final do século VIII a.C.
Hesíodo, figura real do século VIII a.C., nascido por volta de 778 a.C., veiculou, através da sua poesia – a primeira criada na Europa –, as bases da religião grega, técnicas agrícolas, princípios de economia e outros. Em “Teogonia”, também conhecido por “Genealogia dos Deuses”, o poeta descreveu a mitologia grega em 1022 versos, nos quais ele é o narrador. O poema é uma narrativa sobre a origem do Mundo (mito cosmogónico) que se desenvolve com gerações sucessivas de deuses e o envolvimento destes com os homens, originando, assim, os heróis. Neste poema, Hesíodo serve-se das divindades para expor ideias sobre a constituição do universo e sobre aspectos próprios da natureza humana. Em “Os Trabalhos e os Dias”, poema com 828 versos, foca o mundo dos mortais e a sua organização social, centrado nos problemas do trabalho e da justiça. É só, cerca de duas centúrias depois (século VI a.C), que encontramos os primeiros cultores de uma nova atitude mental que terá recebido, de Pitágoras, o nome de filosofia.
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11/03/2024