Nördlingen: uma cidade no interior de um astroblema

 Nördlingen: uma cidade no interior de um astroblema

A cidade medieval de Nördlingen, na Bacia de Ries, na Alemanha, foi erguida dentro da cratera. (cidadesemfotos.blogspot.com)

O astroblema de Ries1 é uma cratera de impacto localizada no distrito de Donau-Ries, na Baviera (na Alemanha), aberta por um asteróide que ali caiu há cerca de 15 milhões de anos, no Miocénico. Com um diâmetro estimado entre 1 e 1,5 quilómetros (km), este grande impactor vindo do espaço terá atingido a Terra a uma velocidade na ordem dos 70 mil quilómetros por hora (km/h), o que equivale a cerca de 20 quilómetros por segundo (km/s).

Deste impacto resultou uma depressão circular, com 24 km de diâmetro e cerca de 100 a 150 metros abaixo dos restos erodidos do rebordo, ocupada, na sua parte central, pela cidade medieval de Nördlingen.

Cidade alemã de Nördlingen. (Créditos fotográficos:  Xavier Photography – Unsplash)

Originalmente interpretada como uma estrutura vulcânica, conhece-se, a partir de 1960, a sua origem impactítica. Nesse ano, o geólogo e astrónomo norte-americano Eugene Shoemaker (1928-1997) e o geólogo chinês Edward Ching-Te Chao (1911-2008) demonstraram essa origem, com base na presença de coesite, o polimorfo de sílica gerado sob as elevadas pressões de choque associadas aos grandes impactos meteoríticos.

A coesite foi encontrada no suevito da pedreira de Otting, o impactito criado a partir das rochas sedimentares mesozóicas locais, usada na construção da Igreja de São Jorge de Nördlingen.

Igreja de São Jorge de Nördlingen. (suoviaggio.com.br)

Acrescente-se que grande parte da cantaria de Nördlingen usou o dito suevito, que aqui se caracteriza também por conter milhões e milhões de microcristais de diamante, todos com menos de 0,2 milímetros (mm). Com efeito, as mesmas condições de pressão e de temperatura, adquiridas a partir da energia libertada na colisão, que geraram a coesite, também deram nascimento ao diamante, a partir de um depósito local de grafite.

Volta-se a lembrar que “suevito” é o nome dado à brecha de impacto, geralmente constituída por fragmentos da rocha do substrato local, englobados numa matriz mais fina e parcialmente fundida. Diga-se que o termo “suevito”, proposto em 1901, pelo mineralogista e geólogo alemão Adolf Sauer (1852-1932),radica em “Suevia”, nome latino da Suábia, região alemã da Baviera.

Admite-se que o impacto que gerou a cratera de Ries tenha sido a fonte dos tectitos (do grego tektos, fundido), conhecidos por moldavitos (do nome do rio Moldava), encontrados na Boémia e na Morávia (na actual Chéquia). Atingindo a Terra com um ângulo de 30 a 50 graus da superfície, no sentido de oeste-sudoeste para leste–nordeste (WSW-ENE), estes tectitos, gerados a partir da rocha sedimentar arenosa superficial, no sítio do impacto, foram ejectados a distâncias de até 450 km da cratera.

Museu da Cratera Ries Nördlingen. (snsb.de)

Este astroblema está na base da criação do visitadíssimo Geopark Ries, de grande importância geológica, com reflexos na economia local em termos de geoturismo. O Museu Rieskrater, que lhe está associado, instalado num antigo celeiro do século XVI, em Nördlingen, é um valioso centro de informação sobre tudo o que se relaciona com astroblemas. Inaugurado em 1990, já recebeu mais de um milhão de visitantes.

Diga-se ainda, a terminar este artigo, que o nome “Ries” evoca a antiga Rhaetia (lê-se Récia), a região dos Récios, povo anterior à civilização romana.

A título de curiosidade, vale a pena dizer que, em virtude das semelhanças com uma cratera da Lua, a de Ries foi usada no treino dos astronautas da Apollo 14.

Associada à cratera de Ries, localizada a cerca de 42 km a WSW dela, existe uma outra, bem mais pequena, com 3,8 km de diâmetro, internacionalmente conhecida por Steinheim Basin, a qual terá sido aberta por um impactor com cerca de 150 m de diâmetro, admitindo-se que terá caído ao mesmo tempo.

Estudos realizados relativamente a estas duas crateras concluíram que os dois impactores teriam feito parte de um único corpo que se fragmentou pouco tempo antes do impacto e que ambos teriam atingido a Terra ao mesmo tempo.

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Nota da Redacção:

1 – Este artigo dá continuidade aos textos de divulgação científica “Astroblemas” e Cratera do Meteoro ou de Barringer” e “Cratera oculta de Chicxulub”, todos da autoria de António Galopim de Carvalho e publicados, respectivamente, nas edições de 27/05/2024, de 30/05/2024 e de 03/06/2024 do jornal sinalAberto.

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06/06/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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