Nos antípodas

 Nos antípodas

O Presidente da República presidiu, no Palácio de Belém, à reunião do Conselho de Estado, que decorreu, a 21 de Julho de 2023, sob o tema “Análise sobre a situação económica, social e política em Portugal”. (presidencia.pt)

O Conselho de Estado reuniu para fazer o balanço de um ano da legislatura em curso. Desconheço se a coisa corria bem ou se corria mal, quando o primeiro-ministro (PM) anunciou que não podia continuar presente, pois “outros valores mais altos se alevantam”: ir à Nova Zelândia ver o jogo de abertura da Selecção Feminina de Futebol no Mundial, que ali decorre.

O insólito, porém, nem é tanto o facto em si, que já vamos estando acostumados a “tácticas” destas na “baixa política” que domina Portugal, de Leste a Oeste e de Norte a Sul. Não faltando um Presidente da República (PR) a fazer publicidade subliminar (objectivamente, foi; de boas intenções está o Inferno cheio, diz-se) de um produto que lhe devolvia a força de uma refeição completa (o que os médicos e nutricionistas negaram ser verdade) e até Ventura, um boçal saído do bas-fond da extrema-direita, via comentador de futebol, no meio deste abaixamento, até parece, às vezes, um tribuno!

Mais insólito do que isto é uma conversa entre pessoas licenciadas (hoje, também quer dizer pouco para atestar da sua cultura e do grau de conhecimento, é verdade), que, a propósito do dito Conselho, comentam:

– Mas, depois, como foi? As coisas correram mal?

– Ah, pois, correram! Perdemos o jogo!

Parece uma anedota ou um diálogo do “Bartoon”, no jornal Público, ou uma ficção de Ricardo Araújo Pereira, com a sua ironia fina, mas não. Passou-se mesmo e foi-me relatado por quem assistiu à conversa.

(Créditos fotográficos: Reuters – record.pt)

Por momentos, a governação portuguesa, representada pelo seu chefe, deslocou-se para os nossos antípodas. E fez bem: a política, hoje, em Portugal (e, tendencialmente, por todo o Mundo), está nos antípodas do que ela deveria ser numa defesa da Res Publica.  E a bola está do lado dela.

Não faz mal, o Conselho de Estado regressa em Setembro. Então, já todos passaram pelo Algarve ou quejandos e o mercado das contratações do futebol estará fechado. Até lá, para além da propaganda sobre a guerra na Ucrânia e aquelas notícias do Correio da Manhã a fazerem chorar as pedrinhas da calçada, também nada mais se passa. E o que se passar serão sempre casos e casinhos. Importante, com o que o povo se preocupa, diz o PM, é com as coisas reais do dia-a-dia. Tem razão: termos perdido o jogo no Mundial Feminino.

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31/07/2023

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Jorge Castro Guedes

Com a actividade profissional essencialmente centrada no teatro, ao longo de mais de 50 anos – tendo dirigido mais de mil intérpretes em mais de cem encenações –, repartiu a sua intervenção, profissional e social, por outros mundos: da publicidade à escrita de artigos de opinião, curioso do Ser(-se) Humano com a capacidade de se espantar como em criança. Se, outrora, se deixou tentar pela miragem de indicar caminhos, na maturidade, que só se conquista em idade avançada, o seu desejo restringe-se a partilhar espírito, coração e palavras. Pessimista por cepticismo, cínico interior em relação às suas convicções, mesmo assim, esforça-se por acreditar que a Humanidade sobreviverá enquanto razão de encontro fraterno e bom. Mesmo que possa verificar que as distopias vencem as utopias, recusa-se a deixar que o matem por dentro e que o calem para fora; mesmo que dela só fique o imaginário. Os heróis que viu em menino, por mais longe que esteja desses ideais e ilusões que, noutras partes, se transformaram em pesadelos, impõem-lhe um dever ético, a que chama “serviços mínimos”. Nasceu no Porto em 1954, tem vivido espalhado pelo Mundo: umas vezes “residencialmente”, outras “em viagem”. Tem convicções arreigadas, mas não é dogmático. Porém, se tiver de escolher, no plano das ideias, recusa mais depressa os “pragma” de justificação para a amoralidade do egoísmo e da indiferença do que os “dogma” de bússola ética.

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