Novo e horrível crime de uma aldeia velha!

 Novo e horrível crime de uma aldeia velha!

(© Record TV Europa)

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A menos de cem anos de um horrível crime ocorrido numa aldeia serrana do Norte do país, com o assassínio de uma jovem mulher, queimada viva por outras mulheres que diziam acreditar estar a jovem possuída pelo Diabo – horrendo crime que deu origem à obra “O Crime de Aldeia Velha”, de Bernardo Santareno –, recentemente, a 20 de Junho de 2022, um pouco mais a Sul, mas ainda em Portugal, uma menina de três anos terá sido torturada até à morte por três adultos que, dessa forma, pretenderiam forçar a mãe da vítima a pagar uma suposta dívida de 400 euros.

(© In-Libris)

Em 1953, vinte anos depois do crime da “Aldeia Velha” (assim designada para não recordar o verdadeiro nome da aldeia), em plena ditadura do chamado Estado Novo – um regime sem liberdades e com censura ao que se escrevia –, o assassínio, numa fogueira inquisitorial, de uma jovem mulher ainda era falado com horror na região onde ocorreu. Guardei este testemunho directamente da minha mãe, que, vinda do Sul, se fixou a Norte, naquele ano, numa pequena cidade relativamente perto dessa aldeia velha.

Também o assassínio da menina de três anos, notícia dominante nos variados espaços informativos dos canais de televisão em Portugal, corre o risco de ficar gravado na memória dos nossos pesadelos. Estranhamente, ambos os casos estão embrulhados numa névoa de obscurantismo que toca universos de bruxarias – a vítima de 1933 era vista como bruxa, filha de bruxa; e a principal suspeita do crime de 2022 será bruxa de “profissão” e terá participado no assassínio da menina de três anos, para forçar a mãe a pagar uma dívida por uma “consulta” de bruxaria.

Foi isto o que passou, até à exaustão, em longas emissões em directo nos vários canais de televisão portugueses, que reportaram o cortejo fúnebre da menina. E foi isto o que se transmitiu, no final de Junho, à porta do Tribunal de Setúbal, onde os suspeitos começaram a ser ouvidos. Tudo isto com recolhas de testemunhos, sempre não editados, mesmo quando são testemunhos que potenciam os sentimentos mais primários, que casos como estes inevitavelmente provocam.

Créditos: Julio César Velásquez Mejía (Pixabay)

Por muito que me custe admiti-lo, a linha informativa que esteve a marcar o caso da menina assassinada para forçar a mãe a pagar uma suposta dívida contraída numa suposta consulta de bruxaria também é desinformação. Isto quase um século depois do crime de Aldeia Velha e quase meio século após Portugal ter começado a viver em Democracia!

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

25/07/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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