Novo Pacto de Financiamento Global: discurso histórico de Lula da Silva
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva participou no encontro sobre o Novo Pacto Financeiro Global e, na manhã de 23 de Junho (sexta-feira), em Paris, fez um discurso histórico em que questionou as actuações do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos países mais desenvolvidos do Mundo, alertando para a necessidade de os acordos comerciais passarem a ser mais justos.
Ao intervir nesta reunião ou cúpula internacional, que contou com a presença de vários chefes de Estado, Lula da Silva marcou também a retoma do diálogo entre o Brasil e a França, especialmente em torno da temática do meio ambiente.
Na sua comunicação, sem ler o discurso que disse ter alterado diversas vezes, o presidente brasileiro, frisando a importância do combate às mudanças climáticas, começou por notar que a realização da 30.a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Novembro de 2025, na cidade de Belém, no estado do Pará, acontecerá “num país amazónico”.
“Eu espero que todas as pessoas que prezam tanto a Amazónia, que admiram tanto a Amazónia e que dizem que a Amazónia é o pulmão do Mundo […] tenham a noção do que é, realmente, a Amazónia”, observou Lula da Silva, sublinhando que “muita gente fala, mas pouca gente conhece” aquele território que, no Brasil, representa cinco milhões de quilómetros quadrados, sendo habitado por quatrocentos povos e recheado de trezentos idiomas e que urge tirar das mãos do garimpo e do crime organizado.
Todavia, a Amazónia estende-se igualmente pelas regiões equatoriana, colombiana, peruana, venezuelana, boliviana, da Guiana (país na costa do Atlântico Norte, na América do Sul) e do Suriname (pequeno país da costa nordeste) e da Guiana Francesa, enquanto região ultramarina da França na costa nordeste da América do Sul, como enfatizou Lula da Silva, dirigindo-se ao presidente Emmanuel Macron, ao seu lado nesta reunião.
“E nós vamos fazer, no dia 12 de Agosto, um grande encontro, no estado do Pará, com todos os presidentes da América do Sul [ou seja, dos nove países] que compõem toda a região da Amazónia, para que a gente possa formar uma proposta para levarmos para a COP28 [Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 ou Conferência das Partes da UNFCCC, a realizar, entre 30 de Novembro e 12 de Dezembro, na Expo City, na cidade de Dubai], nos Emirados Árabes [Unidos]”, referiu Lula da Silva, acrescentando: “Vamos querer conversar com o Congo e com a Indonésia, porque queremos compartilhar uma proposta única entre os países que ainda mantêm grandes florestas em pé. Nós queremos fazer disso um património não apenas de preservação ambiental, mas um património económico para ajudar os povos que moram na floresta.”
“Nessa floresta brasileira [que integra a maior mancha florestal tropical do Mundo], nós temos quatrocentos povos indígenas e […] trezentos idiomas. E, nessa mesma região, enfrentamos muitas adversidades. Nós enfrentamos o garimpo. Nós enfrentamos o crime organizado. E enfrentamos, muitas vezes, pessoas de má-fé, que querem tentar fazer com que, nessa floresta, se plante soja, se plante milho e se crie gado, quando, na verdade, não é necessário fazer isso”, assinalou o presidente do Brasil, no seu discurso politicamente crítico e incisivo.
“Os empresários responsáveis sabem que é errado e sabem que isso vai causar um problema muito sério [em relação] aos produtos que eles têm de vender para outros países”, referiu, acentuando que “o Brasil é um país que tem uma matriz energética” que, a seu ver, é, “possivelmente, a mais limpa do Mundo”. Aludindo ao sector da energia eléctrica, Lula da Silva frisou que “87% da energia brasileira é renovável” e que, em “todo o conjunto” energético mundial, “50% da energia brasileira é renovável”. “Isso significa que nós estamos caminhando para cumprir a nossa famosa proposta de campanha que é chegar ao desmatamento zero em 2030”, recordou, numa altura em que a desflorestação na Amazónia brasileira estará a diminuir.
Pouco depois, o presidente brasileiro declarava: “Eu não vim, aqui, para falar somente da Amazónia. Eu vim, aqui, para [dizer] que, junto com a questão climática do Presidente Macron [para quem “o clima não pode esperar”, apelando ao respeito dos compromissos climáticos na COP27], nós temos de colocar a questão da desigualdade mundial. Não é possível que, numa reunião entre presidentes de países importantes, a palavra ‘desigual’ não apareça.”
Reconhecendo a existência de desigualdade salarial, “de raça”, de género, na educação e na saúde, Lula da Silva vincou: “Estamos num mundo cada vez mais desigual e [no qual] cada vez mais riqueza está centrada na mão de menos gente. E a pobreza concentrada na mão de mais gente. Se nós não discutirmos essa questão da desigualdade e se […] não colocarmos isso com tanta prioridade quanto a da questão climática, a gente pode ter um clima muito bom e o povo continuar a morrer em vários países do Mundo.”
A intervenção do presidente brasileiro, ouvida em silêncio pelos participantes no conclave sobre o Novo Pacto de Financiamento Global, foi, também, um manifesto contra aqueles que insistem em condenar os países da América Latina e de África a permanecerem no mapa da fome.
No seu discurso, Lula da Silva chamou a atenção para a actuação desajustada aos novos tempos das instituições mundiais sucedâneas da Segunda Guerra Mundial, como a ONU, o FMI e o Banco Mundial, exemplificando: “A ONU foi capaz de criar o estado de Israel, em 1948, e não é capaz de resolver o problema da ocupação do estado palestino.” Ao admitir que a ONU não tem força política, o presidente do Brasil repara: “Então, se nós não mudarmos essas instituições, a questão climática vira uma brincadeira. E porque é que vira uma brincadeira? Quem é que vai cumprir as decisões emanadas dos fóruns que fazemos? Vamos ser francos… Quem é que cumpriu o Protocolo de Quioto? [O Protocolo de Quioto é um tratado internacional ambiental, de 1997, com compromissos para a redução da emissão dos gases que produzem o efeito estufa.] Quem é que cumpriu as decisões da COP15 [no ano de 2009], em Copenhaga? Quem é que cumpriu o Acordo de Paris?”
Pode ver e ouvir, aqui, o aludido discurso de Lula da Silva na cúpula ou cimeira sobre o Novo Pacto Financeiro Global, na manhã de 23 de Junho, em Paris.
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13/07/2023