Número de denúncias indicia decréscimo da violência no namoro

 Número de denúncias indicia decréscimo da violência no namoro

O número mais baixo de queixas apresentadas aconteceu em 2018, com 1920 queixas. (sites.google.com/site/violencianonamorocom)

O número de denúncias de violência no namoro foi, em 2022, o mais baixo dos últimos quatro anos. Com efeito, segundo a Polícia de Segurança Pública (PSP),houve 2019 denúncias por violência no namoro no ano passado, menos do que em qualquer um dos últimos anos.

Também é factual que, nos mais novos, há tendência similar. A polícia está convicta de que estamos perante boas notícias, mas os especialistas continuam preocupados e têm as suas razões.

As 2019 denúncias por violência no namoro que a PSP recebeu no ano passado indiciam uma diminuição das queixas apresentadas, comparativamente com 2020 (em que se registaram 2051) e com 2021 (tendo sido contabilizadas 2215), bem como relativamente aos anos da pré-pandemia (2185 queixas, em 2019). O número mais baixo de queixas apresentadas aconteceu em 2018, com 1920 queixas.

Créditos fotográficos: Sinitta Leunen (Unsplash)

A tendência mantém-se também entre os mais novos. Na verdade, a faixa etária compreendida entre os 13 anos e os 25 anos, acusa a diminuição: 500 denúncias em 2022 (dados provisórios).

Crê a PSP que, para este decréscimo, contribui o trabalho de proatividade do seu pessoal, “nomeadamente através das ações de sensibilização junto da comunidade escolar”. Di-lo fonte daquela força de segurança, vincando que a diminuição das queixas “é muito relevante”. E conta que, naquelas ações, se abordam “os tipos mais comuns de violência, desde a física, passando pela restrição ou proibição de contactos com outras pessoas do círculo de amigos da pessoa violentada, restrições à forma de vestir ou de conviver, etc.”.

Nos últimos cinco anos, entre os mais novos – ou seja, com idades compreendidas entre os 13 anos e os 25 anos –, a PSP registou mais de três mil denúncias, sendo 2019 (com 845) o período com mais queixas. Em 2018, o registo foi de 703 queixas; em 2020, foi de 688 declarações de violência no namoro; e, em 2021, foi de 733 denúncias. E a PSP deixa o apelo: “As vítimas, ou qualquer outra pessoa que seja testemunha, devem apresentar queixa nas esquadras ou procurar ajuda junto das equipas da Escola Segura ou das equipas de Proteção e Apoio à Vítima.”

Violência doméstica e no namoro (Escola Segura / PSP).  (esmaior.pt)

No âmbito do programa Escola Segura, no último ano letivo, a PSP desenvolveu 1297 ações de sensibilização relacionadas com a violência no namoro, envolvendo a participação de 24 mil alunos.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) considera essencial vincar que, tal como na violência doméstica, nestes casos, há uma “cifra negra” que pode esconder uma realidade mais preocupante do que a revelada pelo número de denúncias. Daniel Cotrim, psicólogo e responsável pela área de violência doméstica e de género da APAV, considerando que o decréscimo de denúncias possa não significar diminuição deste tipo de crime, afirma: “Acreditamos que o número negro pode ser mais elevado. Por outro lado, haver uma diminuição do número de denúncias é importante, porque significa que as campanhas de prevenção e sensibilização estão a surtir efeito.”

APAV contra a violência no namoro: “Se te marcam sabes com quem podes partilhar” (APAV –portalalentejano.com)

O fenómeno da violência no namoro – diz o psicólogo – imita, muitas vezes, o da violência doméstica. Também aqui, o controlo constante da vítima por parte do agressor dificulta a denúncia. Na verdade, como aponta, “há muitas jovens que nem dizem aos pais que namoram, quanto mais denunciar”; o que “é mais uma barreira”. No século XXI, continua a haver raparigas de 12, de 13, de 14 ou de 15 anos a dizerem que os pais não as deixam namorar e que, “se souberem, ficam de castigo”. Esta desigualdade em relação aos rapazes e o discurso patriarcal inibidor continuam a vincar muito esta forma de violência. Por isso, é necessário envolver as famílias e as comunidades nestes processos. E muitas mentalidades devem mudar, para proveito dos jovens e para a realização do bem comum, nas melhores condições de tolerância, de igualdade e de bem-estar.

As vítimas são maioritariamente do género feminino e raramente são as próprias a pedir ajuda. À APAV, os casos chegam por via de professores que se apercebem das relações violentas ou porque a vítima lhes confidenciou.

Daniel Cotrim, psicólogo e responsável pela área de violência doméstica e
de género da APAV. (dn.pt)

E Daniel Cotrim observa que uma das formas mais comuns de agressão às vítimas de violência no namoro é o controlo, principalmente nas redes sociais, na forma de vestir, nas amizades e com quem se pode falar. Outra forma de violência no namoro é o ciúme, tolerado como “manifestação romântica”. É frequente, na violência sexual, a pressão para ter relações, forçando a vítima com a ameaça de, “se não fizer, vai ser contado na escola e aos amigos”. E há a violência na Internet, por exemplo, com a ameaça de que, se quiser terminar, serão divulgadas fotos e conversas íntimas.

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A violência no namoro é um ato (ou um conjunto de atos) de agressão, pontual ou contínua, cometida por um dos parceiros (ou por ambos) numa relação de namoro, com o fito de controlar, de dominar ou de ter mais poder do que o outro envolvido na relação.

Esta violência assume várias modalidades. A mais óbvia é a violência física e acontece quando há empurrões, manietação, lançamento de objetos contra o outro, bofetadas, pontapés, murros ou mesmo ameaça de uso da força ou de agressão.

Culpa e vergonha levam a que muitas vítimas de violência no namoro não apresentem queixa.

A violência verbal, que pode anteceder a violência física, acompanhá-la ou ser-lhe subsequente, ocorre, por exemplo, quando há nomes inconvenientes ou gritos, críticas humilhantes ou comentários demolidores, intimidação ou ameaça.

A violência sexual consiste em obrigar o parceiro à prática de atos sexuais (sexo anal, oral e/ou vaginal), ou a carícias.

A violência psicológica acontece quando o parceiro parte ou estraga objetos ou roupa da outra pessoa, quando lhe controla a maneira de vestir, quando lhe vigia o que faz nos tempos livres e ao longo do dia, quando lhe liga constantemente ou quando lhe envia mensagens ou ameaça terminar a relação como estratégia de manipulação.

A violência social ocorre, por exemplo, quando o parceiro humilha o outro, o envergonha ou tenta denegrir a sua imagem em público, especialmente junto dos familiares e amigos, ou mexe, sem consentimento, no seu telemóvel, nas suas contas de correio eletrónico ou na sua conta do Facebook ou de outras redes sociais, e o proíbe de conviver com os amigos e/ou com a família.

Podem acontecer diferentes formas de violência na mesma relação. Na maior parte das vezes, vai do rapaz para a rapariga, mas também funciona em sentido contrário ou em sentido recíproco, tal como sucede na relação entre pessoas do mesmo sexo, sobretudo quando uma das partes tem resistências na família ou esta não sabe do que se passa (aí a ameaça é constrangedora).

Houve 2019 denúncias por violência no namoro no ano passado, menos do que nos últimos anos. 
(Créditos fotográficos: Jonas Hafner – expresso.pt)

Todas as formas de violência no namoro têm um escopo: magoar, humilhar, controlar e assustar.

A violência nunca é um gesto de amor. E o ciúme nunca pode ser pretexto para a violência. Aliás, a violência no namoro é insustentável, pois o namoro não é propriamente constitutivo de vínculo.

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No entanto, a maioria dos jovens acha legítima a violência no namoro, o que é assustador.

Um estudo da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta, publicado em 12 de fevereiro de 2021 (a mentalidade não terá mudado significativamente desde então), mostrava que 67% dos jovens considera legítima a violência no namoro, dos quais 26% dos jovens acha legítimo o controlo, 23% a perseguição, 19% a violência sexual, 15% a violência psicológica, 14% a violência através das redes sociais e 5% a violência física.

Entre estes quase cinco mil jovens, cuja média de idades é de 15 anos, 25% considera aceitável insultar durante uma discussão, outros 35% que é aceitável entrar nas redes sociais sem autorização, 29% que se pode pressionar para beijar e 6% entende mesmo que pode empurrar/esbofetear sem deixar marcas.

No atinente às diferenças por género, é por parte dos rapazes que a legitimação é maior, com destaque para o comportamento “pressionar para ter relações sexuais”, em que a legitimação entre os rapazes (16%) é quatro vezes superior à das raparigas (4%).

Quase sete em cada dez jovens que participaram nesse estudo sobre violência no namoro acha legítimo o controlo ou a perseguição na relação e quase 60% admitiu já ter sido vítima de comportamentos violentos.

A maioria dos jovens acha legítima a violência no namoro, o que é assustador. (Foto: Divulgação – ominho.pt)

No respeitante aos indicadores de vitimação, o estudo mostra que 58% dos jovens inquiridos reconheceu já ter sofrido de violência no namoro, havendo 20% que admitiu ter sofrido violência psicológica, 17% de ter sido vítima de perseguição ou ainda 8% que foi vítima de violência sexual. Os indicadores de vitimação mais frequentes são insultar durante uma discussão (30%), proibir de estar ou de falar com os amigos (23%) ou incomodar/procurar insistentemente (17%). Também na vitimação há uma diferença de género, com uma prevalência de vítimas entre as raparigas, sobretudo na violência psicológica (22%), na perseguição (19%) ou no controlo (15%).

Tais dados foram apresentados durante um webinar sobre prevenção e combate à violência no namoro, promovido pela Comissão para a Igualdade de Género (CIG), no âmbito da campanha #NamorarSemViolência, criada pela então Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, a propósito do dia de São Valentim.

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Os números lembram o que falta alcançar: que as relações saudáveis não sejam privilégio só de alguns, mas que sejam transversais na sociedade. Para tanto, há muito a fazer no refrescamento das mentalidades, das atitudes e dos comportamentos. Valores éticos são precisos.

02/02/2023

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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