O atleta mais bem pago de sempre nasceu em Lamego

 O atleta mais bem pago de sempre nasceu em Lamego

Imagem do filme “Ben-Hur”, de 1959. (© Cinema & Debate)

Conhecido pelo simples nome de Lamecus, Caio Apuleio Diocles (em Latim, Gaius Appuleius Diocles) foi um antigo lusitano-romano, que nasceu, há mais de 1900 anos, no ano 104 d.C. (século II d.C.), em Lamecum ou Lameca (atual Lamego), que pertencia a Emerita Augusta (atual Mérida, Espanha), capital da Lusitânia, e que morreu depois de 146 d.C., em Praenneste (presentemente, Palestrina, na Itália).

Passou a infância e a adolescência em Lamego, onde o pai se estabeleceu com um negócio de transporte. E, aos 18 anos de idade, tornou-se um auriga ou condutor de quadrigas (carro puxado por quatro cavalos, lado a lado) lusitano e, comparativamente, considerado o atleta mais bem pago de sempre, aplaudido e idolatrado por todo o Império Romano.

(www.tricurioso.com)

De acordo com o estudo, de 2010, de Peter Struck, professor de estudos clássicos da Universidade da Pensilvânia, com base em fontes históricas e, particularmente, em inscrições que registam os dados relativos ao auriga, Apuleio foi o atleta mais bem pago de todos os tempos. Estima-se que os 35.863.120 sestércios ganhos na sua carreira de 24 anos equivaleriam a cerca de 12 mil milhões de euros (mais propriamente, 11,6 mil milhões, o correspondente a cerca de 15 mil milhões de dólares), bastante mais do que a marca atingida por Cristiano Ronaldo até 2020 (a acumular mais de mil milhões de dólares desde o início da carreira) que, segundo a Forbes, se tornou o primeiro bilionário do futebol, e bastante mais do que Ronaldo e Lionel Messi juntos.

Apuleio, que terá plantado, no dizer dos promotores dos vinhos Lamecus, os seus vinhedos na encosta do Castelo de Lamego, apostando sempre nas terras férteis, terá começado a correr aos 18 anos em Ilerda (atual Lérida, Catalunha, na Espanha) e rapidamente ganhou notoriedade

Talvez não custe a acreditar, se olharmos as caraterísticas e a longevidade de Caio Apuleio Diocles, bem como a importância e o alcance das corridas de cavalos na sociedade romana.

Apuleio, que terá plantado, no dizer dos promotores dos vinhos Lamecus, os seus vinhedos na encosta do Castelo de Lamego, apostando sempre nas terras férteis, terá começado a correr aos 18 anos em Ilerda (atual Lérida, Catalunha, na Espanha) e rapidamente ganhou notoriedade. Daí seguiu para o local onde se jogava a “liga milionária”, o Circo Máximo, em Roma, onde adotou o nome profissional de Lamecus, em honra da cidade capital da Lusitânia, fundada por Trajano, após a destruição da anterior, situada, segundo alguns no que é hoje o território da freguesia de Queimada, do concelho de Armamar.

(© A História Partilhada)

Com a prestação no desporto competitivo de um dos seus naturais, a vetusta cidade do Douro Sul ganhou, ao tempo, renome mundial. Assim, a urbe exibe uma estátua que encima o fontanário defronte do jardim, conhecido como Jardim do Campo, situado em frente dos Paços do Município, onde ainda se encontra um painel de azulejos, pintado pelo famoso pintor Jorge Colaço, a retratar a aptidão do exímio atleta de corridas em quadrigas.

Vivi em Lamego mais de nove anos e, durante mais de 20 anos, visitava aquela cidade por motivos de ofício. Falava-se com frequência no monumento ao Lamego e vi-o muitas vezes, mas não sabia da sua identificação e da sua história, até que, num dia destes, em conversa com amigos de profissão e de curiosidade, o tema veio à baila e tentei clarificá-lo. 

Os ganhos de Apuleio provinham exclusivamente dos prémios das corridas de quadrigas, numa época em que não existia publicidade nos media, nem patrocínios de marca nem contas milionárias nas redes sociais. Sem patrocínios e sem direitos de imagem para vender, a única fonte da fortuna do corredor era a dos prémios do campeonato, decorrentes das apostas dos adeptos.

(Direitos reservados)

E o que torna a sua carreira ainda mais notável é a sua longevidade. Com efeito, eram altamente perigosas as corridas de quadrigas, podendo uma queda dar azo a que o auriga fosse pisado pelos cavalos dos rivais ou arrastado pela arena. Por isso, muitos dos atletas não chegavam à casa dos 30 anos. Assim, os aurigas que competiam no Circo Máximo frequentemente sofriam acidentes e perdiam a vida nos jogos por volta dos 20 anos. Mesmo nos dias de hoje, 24 anos de carreira sempre nos primeiros lugares é uma longevidade invulgar para qualquer atleta. Porém, o caso de Lamecus foi bem diferente, tendo-se reformado aos 42 anos, após mais de 20 anos no topo do desporto, e decidido ir viver calmamente na Itália rural com a sua família.

E o que torna a sua carreira ainda mais notável é a sua longevidade. Com efeito, eram altamente perigosas as corridas de quadrigas, podendo uma queda dar azo a que o auriga fosse pisado pelos cavalos dos rivais ou arrastado pela arena

Parece que era com uma manobra arrojada na reta final que conseguia a maioria das suas vitórias, as quais faziam dele um ídolo das multidões que enchiam o Circo Máximo e faziam crescer as apostas, ficando muito elevados os prémios acumulados pelo atleta ao longo de 24 anos.

Os jogos, em Roma, são vistos pelos historiadores como a forma encontrada para pacificar as multidões descontentes (os imperadores davam-lhes “panem et circenses”, pão e espetáculos do circo) e para promover o prestígio do Império Romano. E o Circo Máximo era o expoente dos jogos e corridas, tendo sido o seu modelo replicado por todo o Império.

(© Realm of History)

O Circo Máximo foi alvo de várias ampliações desde a sua inauguração, lendariamente com a fundação de Roma, e tinha 66 mil metros quadrados de arena com três pisos de bancadas. Chegou a ter uma capacidade para 385 mil espetadores, no século IV d.C., cerca de cinco vezes o estádio do Maracanã, do Rio de Janeiro, no Brasil, e mais de três vezes o Rose Bowl Stadium, de Pasadena, nos Estados Unidos da América. Os jogos realizavam-se com grande frequência, enchendo o aquele espaço e todas as zonas adjacentes. Geralmente, havia cerca de 200 mil espectadores.

As corridas de quadrigas – que eram o desporto de eleição para os Romanos, mas que surgiram da iniciativa dos imperadores, como foi dito, para entretenimento e satisfação da população e para aumento da popularidade do imperador – estavam envoltas em grandes rituais e iniciavam-se com uma procissão sagrada, desde as ruas até ao Circo Máximo.

No entanto, apesar da popularidade do desporto, os corredores nem sempre eram vistos como grandes estrelas e até eram ostracizados por competirem por dinheiro, tal como os gladiadores (muitos eram escravos ou cidadãos de segunda), sendo raro que algum corredor ocupasse um cargo público ou tivesse plenos direitos. Lamecus não era escravo, mas não ocupou qualquer cargo público.

Estas corridas eram organizadas com quatro equipas – os brancos (albati), os vermelhos (russati), os verdes (prasini) e os azuis (caerulei) – que investiam no treino dos aurigas, em equipamento e nos cavalos, eles próprios verdadeiras estrelas dos jogos.

Recordando Caio Apuleio Diocles (Direitos reservados)

Como foi dito, a grande primeira vitória de Diocles, fora da Lusitânia (atualmente Portugal), foi em Lleida (agora Lérida, na Catalunha), que lhe deu fama internacional. E este arranque promissor fê-lo ir correr para o Circo Máximo de Roma, onde se realizava, então, o maior campeonato do desporto. Na sua primeira corrida, em Roma competiu pelos “brancos” (albati), obtendo a sua primeira vitória dois anos depois. Passados quatro anos, estava a correr pelos “verdes” (prasini). E terminou a carreira de 24 anos a competir pelos “encarnados” (russati). Uma inscrição que lhe é dedicada atribui-lhe 4257 corridas e 1426 vitórias. Nas corridas que não venceu, ficou maioritariamente em segundo lugar.

(© Wikipédia)

Nos 24 anos de sucesso como auriga em que Apuleio foi ídolo, foi produzida documentação sobre as suas façanhas como atleta e feitos registos diversos sobre a sua vida e os seus ganhos, que transparecem em documentos, inscrições, mosaicos e pinturas.

Bernardo de Brito, na segunda parte da Monarchia Lusytana refere que lhe teria sido erguida uma estátua em Roma:

Cap.4 – Do imperio de Claudio, & da vinda do corpo de Santiago a Espanha, & martirio de São Pedro primeiro Arcebispo de Braga, e da estatua que se levantou em Roma a um Portugues chamado Apuleyo Diocles, & por que causa. 

Caio Apuleio Diocles – cuja fortuna daria para abastecer Roma de cereais durante um ano, pois seria cinco vezes mais bem pago do que o governador da sua província – era um famoso condutor de quadrigas, um desporto que, no Império Romano, era o equivalente aos ralis ou à Fórmula 1 da atualidade, e ainda hoje reina como o atleta mais rico da História, como relata o Ancien Origins.

Não há dúvida de que Portugal, tido como um belo jardim à beira-mar plantado, parece que tem um talento especial para criar atletas multimilionários.

04/08/2022

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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