O Café Arcada

 O Café Arcada

(rayanos.com)

Com um vastíssimo espaço, aberto sob as arcadas da Praça do Giraldo, o café que nelas se inspirou nasceu para o público eborense da classe média, nos anos 40 do século passado. Com linhas muito modernas, um sem-número de mesas, muitos empregados e música ao vivo, nas tardes de domingo, assegurada por uma pequena orquestra, ao estilo de café-concerto. Enchia-se até à porta, onde ficavam muitos dos que esperavam uma possibilidade para entrar.

Interior do Café Arcada: empregados (memórias do comércio eborense). (Créditos fotográficos: David Freitas – Arquivo Fotográfico CME – viverevora.blogspot.com)

Por oito tostões (0,04 euros), nas ditas tardes de domingo, mandava vir um “garoto” e, na companhia do meu irmão Mário e de mais três ou quatro amigos, à roda de uma mesa redonda, ouvíamos as músicas mais em voga e conversávamos. Só nessas tardes musicais era aceite, sem reparos, a presença das senhoras e das filhas adolescentes, desde que acompanhadas dos respectivos maridos e pais. No resto do tempo, o “Arcada” era, sobretudo, espaço dos homens.

De manhã, dava assento e convívio a uns tantos reformados e a alguns ociosos com gente a trabalhar por sua conta. Depois do almoço, tomava-se ali a bica na companhia dos amigos, fazendo tempo de voltar ao emprego e, após o jantar, enchia-se com todos aqueles que quisessem conviver fora de casa, sempre muitos nesse tempo, enquanto as mulheres ficavam a lavar a loiça, a costurar e a cuidar dos filhos.

Interior do Café Arcada. (Créditos fotográficos: David Freitas – Arquivo Fotográfico CME – viverevora.blogspot.com)

Às terças-feiras, o grande café, transformado em bolsa de valores e em câmara de comércio, fervilhava de homens ligados à lavoura. Neste formigueiro de gente, entre produtores, compradores e intermediários, comprava-se toda a cortiça de um montado, vendia-se uma vara de porcos, alugava-se uma debulhadora ou arrendava-se uma porção de hectares de terra para fazer uma seara de pão. Também por ali andava um ou outro agiota, cuja presença era providencial no fecho de muitas transacções. Combinavam-se preços, datas e taxas de juros e os negócios eram fechados, sem papéis, com apertos de mão.

O Café Arcada é uma instituição em Évora. (holiday-active.com)

Na grande maioria, estes homens conviviam bem com o regime político de então, mas, entre eles, havia um muito pequeno número de grandes donos de terras, cuja ideologia social e política apontava noutras direcções, e isso fazia com que, também no meio desta pequena multidão, andassem por ali, vendo e ouvindo alguns informadores da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado).

11/12/2023

Siga-nos:
fb-share-icon

A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

Outros artigos

Share
Instagram