O Dia da Vitória sobre o nazismo não é exclusivo de um país
A Alemanha nazi capitulou perante as forças soviéticas, a 8 de maio de 1945 – dia em que o Alto Comando da Wehrmacht assinou, em Berlim, a capitulação incondicional do Terceiro Reich ante as forças aliadas –, mas a vitória era a de todos os Aliados e, hoje, é a de todos os cidadãos e países que rejeitam o nazismo. Todos os sobreviventes respiraram aliviados. Mas o que a maioria – também dos Alemães – sentiu como libertação era, para outros, vergonha e afronta.
Era o fim da Segunda Guerra Mundial, na Europa, cinco anos e meio após o seu início, tendo ficado para o mês de agosto o termo da guerra, a nível mundial, com a rendição do Japão, depois dos bombardeamentos atómicos em Hiroxima e em Nagasáqui.
De acordo com os dados históricos oficiais, na Grande Guerra Patriótica, como é conhecida a campanha soviética da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), morreram 26 milhões de cidadãos soviéticos, entre os quais oito milhões de soldados.
Em 2023, Vladimir Putin quis protagonizar, em exclusivo, a comemoração do Dia da Vitória, convidando poucas personalidades estrangeiras e tomando, pessoalmente, em mãos a organização das cerimónias. E fê-lo na perspetiva da Rússia deste século XXI.
O Dia da Vitória teve o centro das comemorações em Moscovo, com um desfile militar na Praça Vermelha, cujo acesso estava fechado, há vários dias. E em, pelo menos, outras 21 cidades russas e nas regiões ocupadas na Ucrânia, as paradas militares foram canceladas. Os militares não podiam atenuar a sua presença no teatro de operações bélicas.
A habitual marcha do “Regimento Imortal”, como é conhecido na Rússia, foi cancelada por “receio de atos terroristas de Kiev”.
As celebrações em Moscovo decorreram, sem o grande aparato habitual, em ambiente de segurança máxima, de alta tensão entre Moscovo e Kiev, com acusações mútuas de ataques aéreos e com receios, de parte a parte, de aproveitamento da efeméride para novas investidas.
Apesar dos receios, na Ucrânia e na Rússia, de que a data fosse usada para a realização de mais ataques, além de Ursula von der Leyen, em Kiev, estiveram, em Moscovo, alguns líderes estrangeiros.
O presidente do Quirguistão, Sadyr Zhaparov, chegou à capital russa no dia 8 e avistou-se com Vladimir Putin. No mesmo dia, as autoridades anunciaram que o presidente uzbeque, Shavkat Mirziyoyev, e o presidente tajique, Emomali Rakhmon, também estariam nas festividades, bem como o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinyan, e o líder do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev. Dezenas de pessoas, incluindo famílias com crianças, dirigiram-se ao parque Gorky, perto da Praça Vermelha, onde se realizou o desfile militar russo do Dia da Vitória, neste ano, mais limitado. Na entrada do parque, vários cidadãos tiraram fotografias perto das grandes letras “Z” e “V”, que se tornaram símbolos de apoio à ofensiva militar.
“Devemos continuar a comemorar”, disse à agência France-Press o moscovita Roman Goulydov, que visitou o parque com o filho. Para Goulydov, “a história repete-se” na Ucrânia, invadida pela Rússia em fevereiro de 2022.
“Sempre surgiu um sentimento de orgulho durante a parada militar”, afirmou a reitora do Instituto de Desenvolvimento da Educação da cidade de Yekaterimburgo (cerca de 1.500 quilómetros a Este de Moscovo), Svetlana Trenikhina. “Todos nós esperamos e acreditamos que haverá uma vitória”, acrescentou.
No seu discurso, o chefe de Estado russo declarou que a civilização se encontra “perante um novo ponto de viragem” e que a Rússia luta contra o “terrorismo internacional”, referindo-se à guerra na Ucrânia, em curso desde 24 de fevereiro de 2022. E afirmou, perante as tropas em parada, na Praça Vermelha, em Moscovo: “Também defenderemos os habitantes do Donbass, assim como vamos garantir a nossa segurança.”
Sustentou que “não é aceitável”, para Moscovo, “qualquer ideologia de supremacia”. E, acusando as elites ocidentais de “provocar conflitos” e de promover “a russofobia e o nacionalismo”, atirou: “Parece que se esqueceram de quem liderou a demente aspiração dos nazis para a dominação mundial.” Disse que a Ucrânia se tornou refém de um “regime criminoso” liderado pelo Ocidente, que destrói “os valores tradicionais da família” e que tenta “apagar a memória” dos “verdadeiros heróis”, com a destruição de memoriais de combatentes e de generais soviéticos. Estão “a criar um verdadeiro culto ao nazismo”, afirmou Putin, tendo cumprido um minuto de silêncio.
“Durante a Grande Guerra Patriótica, os nossos antepassados provaram que não há nada mais forte do que o nosso amor pela nossa pátria, pela Rússia, pelos nossos militares, pela vitória”, destacou, manifestando orgulho pelos militares que combatem, na Ucrânia, na “operação militar especial”, como designa Moscovo, ainda, a invasão russa do território ucraniano.
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Embora a grande maioria dos meios militares e dos soldados russos estejam destacados na invasão da Ucrânia, Putin tem por hábito usar datas simbólicas para realizar demonstrações de força, desta vez, marcadas por fortes restrições de segurança, que incluem a proibição de drones e serviços de transportes por aplicações nas maiores cidades e até ‘jet skis’ nos canais de São Petersburgo.
As preocupações de segurança agravaram-se, desde que a Rússia acusou a Ucrânia de lançar dois drones contra o Kremlin, para assassinar Putin. A par das várias avaliações independentes de que o ataque foi uma encenação, Kiev negou as acusações de Moscovo e que esteja por trás de outras ações de sabotagem, em território russo, e de bombardeamentos, na Crimeia anexada.
Por sua vez, a Ucrânia tem assistido a uma intensificação dos ataques aéreos russos, que levou ao corte de energia em seis grandes regiões do país, a 8 de maio.
Ao fim de mais de um ano, a situação no terreno caiu num impasse, com avanços e recuos residuais de ambos os lados, à custa de pesadas baixas, sobretudo em Bakhmut (leste), onde se arrasta, desde agosto, a batalha mais longa e sangrenta desta guerra, e quando se espera a contraofensiva ucraniana, que recentemente recebeu tanques pesados e reforço de armamento dos aliados.
Putin considera a invasão da Ucrânia como uma guerra existencial pela sobrevivência da Rússia, usando, entre os seus argumentos, o da desnazificação do regime de Kiev, que devolve a acusação.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, comparou a ofensiva da Rússia ao nazismo, vincando que será vencido, tal como em 1945. E, em novo sinal de afastamento de Moscovo, anunciara que a data da vitória alcançada na Segunda Guerra seria celebrada, no seu país, a 8 de maio, à semelhança do que acontece no resto da Europa ou no “Mundo livre”. Esta decisão mereceu elogios da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que esteve em Kiev, a 9 de maio, depois de ter apresentado ao Conselho da União Europeia o 11.º pacote de sanções contra a Rússia.
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Do lado de “cá”, a Ucrânia protagonizou o Dia da Europa.
No “coração da democracia europeia”, como disse o líder dos populares europeus, Manfred Weber ao dar as boas-vindas ao chanceler Olaf Scholz, no Parlamento Europeu (PE), em Estrasburgo; na capital da resistência à invasão russa; e na capital onde se confunde a vitória sobre o nazismo com a tentativa de anexação de um país vizinho, Moscovo, no dia em que se comemora a Europa ou a vitória sobre a Alemanha nazi, houve um tema comum: a Ucrânia.
A Rússia começou por celebrar o Dia da Vitória, de madrugada, com duas salvas que totalizaram 25 disparos para a Ucrânia, de navios posicionados no mar Negro e de aviões bombardeiros oriundos do mar Cáspio. Segundo Kiev, foram intercetados 23 mísseis de cruzeiro, tendo os destroços causado só danos materiais. Quinze deles dirigiam-se para a capital.
A presidente da Comissão Europeia, que se dirigiu, pela quinta vez, à Ucrânia desde a invasão de 24 de fevereiro de 2022, fez questão de marcar o Dia da Europa, de forma simbólica, junto de quem ambiciona a integração europeia para ontem. “O dia 9 de maio é para celebrar a paz e a unidade na Europa, para recordar as lições da nossa História e para nos comprometermos a deixar um futuro melhor para as próximas gerações. Por isso, é muito apropriado estar aqui, em Kiev, para comemorar e celebrar o 9 de maio”, disse Ursula von der Leyen, que saudou a decisão do governo ucraniano de passar a comemorar a data como Dia da Europa.
A presidente da Comissão Europeia, além do discurso de solidariedade, mostrou apoio à criação de um tribunal para os crimes de agressão russos na Ucrânia e debateu vários temas. Mostrou limites da solidariedade europeia dos vizinhos – a exportação dos cereais e de outros produtos agrícolas da Ucrânia: cinco países impuseram proibições ou restrições aos produtos ucranianos (isentos de taxas aduaneiras). “Todas as restrições às nossas exportações são completamente inaceitáveis neste momento. Só reforçam as capacidades do agressor”, afirmou Zelensky, qualificando as medidas de “cruéis”.
Ursula von der Leyen reconheceu estar face a uma “situação difícil” e anunciou a criação de uma plataforma de coordenação para que o trânsito de cereais se realize sem problemas: “Enquanto estamos aqui, num país atacado sem sentido, alguns poderão pensar que é impossível, improvável ou demasiado remoto falar de uma Ucrânia livre e em paz na União Europeia [UE]. Mas a Europa destina-se a tornar possível o impossível. E o mesmo acontece com a Ucrânia.”
A líder do executivo Europeu disse que a UE está a trabalhar em três níveis sobre a entrega de munições: stocks dos estados-membros entregues ou a caminho em troca de mil milhões de euros; igual valor para se adquirir munições de 155 e 152 milímetros; e um estímulo para aumentar a produção e acelerar a entrega.
No mesmo dia, o Parlamento Europeu (PE) aprovou a proposta da Comissão para utilizar 500 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a fim de investir na indústria de munições. O presidente ucraniano agradeceu a iniciativa, mas pediu celeridade.
Sobre as sanções, cujo 11.º pacote é dedicado ao combate à evasão, o PE augurou que “os produtos de tecnologia avançada ou as peças de aeronaves que vão para países terceiros através da Rússia deixarão de ir parar às mãos do Kremlin”. Para tal está prevista a criação de um instrumento para sancionar as empresas intermediárias.
Quanto ao processo de adesão, a Ucrânia que tem, desde junho de 2022, o estatuto de país candidato, está a trabalhar incansável e intensamente nos sete dossiês em que tem de concluir reformas. Em junho, será transmitida uma atualização aos Estados-membros; e, em outubro, será entregue ao Conselho Europeu um relatório, como lembrou a presidente da Comissão. Mas Zelensky, impaciente, afirmou: “Chegou o momento de se tomar uma decisão positiva sobre a abertura de negociações para a adesão da Ucrânia à UE.”
Em Estrasburgo, o social-democrata Olaf Scholz defendeu, perante os eurodeputados, uma UE “alargada, reformada e aberta ao futuro”, o que inclui as portas abertas à Ucrânia, à Geórgia e aos chamados Balcãs Ocidentais – um contraste com o que se passava a 2200 quilómetros, em Moscovo, onde “Putin pôs a desfilar os seus soldados, tanques e mísseis”.
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E a UE, enquanto celebra e proclama a paz, vai alimentando a guerra; enquanto pretende o bem-estar dos eurocidadãos, continua a decretar sanções à Rússia, as quais, por ricochete, criam enormes dificuldades aos povos europeus, emagrecem as carteiras das famílias e tornam a Europa dependente de outras economias, mais predadoras.
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15/05/2023