O império dos dados
Vivemos num mundo com hiperabundância de dados, recolhidos de múltiplas formas – manuais ou automáticas – que nos chegam através de todo o tipo de canais suportados pela omnipresente Internet. Paralelamente, o nosso desejo inato de saber mais compele-nos a procurar todo o tipo de informação, que nos inunda ao ponto de deixarmos de ser capazes de a processar e entender, fazendo com que essa informação desça à categoria de dados amontoados, sem nexo e com utilidade nula. Por vezes, alguns dados sobressaem, momentaneamente, e são alvo de uma breve análise ou reflexão, necessariamente superficial, prontamente esquecida. Tal como numa enxurrada, somos levados daqui para ali, sem controlo sobre o nosso destino, golpeados por este ou aquele destroço informativo do qual não fomos capazes de nos esquivar. Qual a forma de encontrar um caminho com sentido e sair desta avalanche? A resposta é mais simples do que parece: o que dá sentido ao caótico mundo de dados e informação em que vivemos são as ideias.
Mais do que num mundo de dados, deveríamos viver num mundo de ideias. Um mundo de dados é um mundo desinteressante e monótono. Um mundo de ideias é um mundo estimulante, com nexo, com propósito. De facto, a história da Humanidade é, essencialmente, uma história de ideias, boas ou más, benéficas ou prejudiciais, libertadoras ou redutoras, cujo impacto moldou a vida de multidões, sociedades, países ou mesmo do mundo.
As ideias têm um potencial extraordinário: servem para inspirar e mobilizar. Com uma ideia simples, frequentemente exposta através de uma curta frase, algumas pessoas conseguem inspirar milhões, fazendo com que um ideal inicialmente defendido por poucos se transforme num objetivo perseguido por muitos. Esse simples objetivo pode mobilizar comunidades inteiras, levando-as a trabalhar durante anos ou décadas para alcançá-lo. As ideias são, assim, os verdadeiros agentes de mudança e de progresso, unindo vontades e movendo o mundo.
De facto, todos nós conhecemos ideias que mudaram o mundo, em variadíssimas áreas. É impossível falar de todas elas e, por isso, neste breve texto, referiremos apenas alguns exemplos, a título ilustrativo: as primeiras ferramentas, desenvolvidas há dois milhões de anos, o controlo do fogo, a roda, a agricultura, a democracia, o número zero, o heliocentrismo, a descoberta da gravidade, a teoria da evolução das espécies, a eletricidade, a igualdade de género, a relação entre massa e energia, os computadores, os direitos humanos. Todas elas mudaram o curso da História.
Que diferença em relação à superficialidade dos dados! Hoje parece que o ‘progresso’ é sinónimo de montanhas de dados, números e estatísticas, gráficos coloridos mostrados em diapositivos pejados de informação. Ninguém defende ideias pois a razão é sempre demonstrada pelos dados, inquestionáveis, omnipotentes, quase ditatoriais. Felizmente, há uma certeza: a de que o Tempo, primeiro aliado da História, encarregar-se-á de por fim ao império dos dados, fazendo com que prevaleçam apenas as ideias.
15/06/2021