O jogo da vida

Hospital de Santa Maria, em Lisboa. (Créditos fotográficos: Arquivo Global Imagens – jn.pt)
Sentado na minha bancada, mesmo em pedra fria, sem ter direito a uma cadeira que me deixe mais confortável, vou assistindo ao jogo da vida que passa a correr pelos meus olhos, com a velocidade do tempo.
Vejo aquilo que gosto de ver e vejo muito do que não gosto, porque nisto da “raça” humana, a confusão é muito grande e não existe um padrão que se cumpra num pré-estabelecimento de direito e de razão.
Anda-se muito ao sabor do que se pode fazer, em prejuízo do que se deve fazer, empolando a cunha como questão necessária e natural entre pessoas que conhecem outras pessoas que, por sua vez, se dão bem com o poder instituído ou com outras pessoas que podem lá chegar com alguma facilidade.
Pelos meus olhos passa a história das duas gémeas brasileiras, naturalizadas portuguesas num breve espaço de tempo, por obra e graça de quem se interessou por elas, duas meninas que nasceram doentes e que vão crescer doentes, para seu infortúnio, cometendo aos pais o direito e o dever maior de cuidar delas com desvelo.
Nada a dizer, senão lamentar.
E foi por essa razão (o tratamento urgente) que chegaram a Portugal, a fim de lhes ser ministrado o medicamento mais caro do Mundo (quatro milhões de euros na toma dupla), acompanhado por cadeiras de rodas especiais que, dizem, foram quatro, não se sabendo muito bem o motivo da duplicação.

Tudo seria legítimo se fosse legitimado pela normalidade da acção, não permitindo que igual tratamento tivesse sido rejeitado a outras crianças sofrendo do mesmo mal e não se servindo de amigos portugueses para tornar possível a ajuda.
E por aqui se desenvolve a questão que deixa de ser um acto nobre de auxílio médico, para ser um feio acto de activação de uma poderosa intervenção externa.
Por isso, sentado na bancada de pedra fria apercebo-me da cunha, do pedido, da influência, da artimanha e da fraude.
Quem o fez e qual a razão que levou à autorização, quase instantânea, do tratamento e à entrega das cadeiras de rodas em duplicado aos pais das crianças?
Médico, director, ministro/a, Presidente da República, pai ou filho? Quem?
Temos o direito de saber a verdade. Temos o direito de ser informados. Temos o direito de conhecer os meandros do segredo. Temos o direito.
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Nota da Redacção:
No final da tarde de hoje (segunda-feira, 4 de Dezembro de 2023), o Presidente da República (PR) prestou declarações aos jornalistas sobre a intervenção no caso das gémeas luso-brasileiras e acerca do seu tratamento no Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte).
O PR procurou esclarecer os factos que apurou sobre a sua participação no processo de tratamento das duas meninas gémeas de uma família amiga do seu filho. No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa explica que o seu envolvimento se limita a pedir um esclarecimento das situações a especialista, através do chefe da Casa Civil, após ter recebido email do seu filho sobre o processo.
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Nota do Director:
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04/12/2023