O jornalismo é um bem de primeira necessidade pelo qual ninguém quer pagar
Não é fácil ser jornalista. As horas são más (digam adeus às sextas-feiras à noite ou aos fins de semana descansados) e os salários piores ainda. Fora algumas “estrelas”, o trabalho é pouco reconhecido e não valorizado. Apesar disso, é uma profissão que atrai muita gente, porque, no fundo, todos queremos ser os primeiros a saber o que se passa pelo Mundo, estar a par dos rumores e antecipar novidades. O jornalismo permite estar no centro da ação sem ser um dos protagonistas. Mesmo mal pago, é a promessa de uma vida mais interessante. O problema é que esta atividade – que tenta ser nobre, mas está limitada pelo capital – vive uma crise imensa. O jornalismo é um bem de primeira necessidade pelo qual ninguém quer pagar.
Por que motivo é de primeira necessidade? Porque a democracia não existe sem uma sociedade bem informada. Os cidadãos precisam de saber como o seu país é gerido – o jornalismo serve, sobretudo, para expor o que vai mal na sociedade – e, depois, votar em função disso. Até num sistema menos democrático, a comunicação e a propaganda são essenciais para controlar o público. Vivemos de narrativas que os meios de comunicação ajudam a construir. Um jornalismo independente contribui para criar uma história comum, uma janela para um mundo mais distante que se torna parte do nosso imediato. Não estávamos lá (nos Estados Unidos da América) no 11 de setembro, nem na guerra na Ucrânia, nem no momento da demissão de um primeiro-ministro, mas estas histórias entram na nossa casa e tornam-se mais reais. Sem comunicação social, seria mais complicado ver e entender o Mundo.
Num mundo perfeito, o jornalismo é um ideal puro. Sem interesses escondidos, os jornalistas perseguiriam a verdade, partilhando as suas descobertas com o público. Este é o mundo dos jornalistas de Watergate, que não permitem que ricos e poderosos estejam acima da lei. O “quarto poder” responsabilizaria quem está no poder sem temer consequências. Seria uma sociedade onde abriríamos um jornal e saberíamos que o que se veria na página seria uma representação justa da realidade. O problema é que a vida não é tão simples. O jornalismo é um ideal perseguido por pessoas normais, em que todos têm contas para pagar, começando pelos próprios órgãos de comunicação social.
Todas as empresas existem para dar lucro e as de comunicação não são diferentes. É um conflito ideológico: para ser bom, o jornalismo tem de ser independente, mas, sem dinheiro, não pode existir. Vivemos, pois, com uma mistura de interesses que tentam controlar os fluxos de comunicação e que deixam os jornalistas numa posição duvidosa. Devem eles perseguir o que é, na verdade, importante –, mas que causa problemas aos interesses dominantes –, ou evitar alguns temas, porque podem criar problemas nas receitas comerciais ou publicitárias? Qual é o critério para dar destaque (ou não) a determinadas pessoas e acontecimentos? Os interesses comerciais acabam por colocar em dúvida o “contrato” entre o jornalista e os leitores, os radiouvintes e os telespetadores…
Não que os leitores possam atirar a primeira pedra, já que ninguém parece querer pagar por informação e notícias. Queremos um jornalismo independente, mas investigação e qualidade custam tempo e dinheiro. Na hora de pagar, assobiamos para o lado e queixamo-nos de paywalls. Somos poucos os que compramos jornais, o que ajudou a criar a dependência entre os órgãos de comunicação e a publicidade ou outros rendimentos mais além das vendas. A par disso, num mundo que vive de títulos e de pouco conteúdo, o público demonstra pouco interesse em ler peças jornalísticas longas. O jornalismo fica entre a espada e a parede. Um bem de primeira necessidade que as pessoas assumem como um dado adquirido e do qual só notarão a falta quando for tarde demais.
Os problemas vividos no Grupo Global Media – salários em atraso, ameaças de despedimentos – são o sinal mais recente da precariedade da profissão. Uma greve geral do setor não é apenas inusitada, mas peca por tardia. Quando estudei Jornalismo, acreditava piamente que a comunicação social não devia ser política. Anos depois, vejo-me obrigado a rever a minha posição. A classe jornalística tem de fazer-se ouvir ou continuarão os seus profissionais a serem ignorados. No dia a dia, a imparcialidade tem de continuar – senão deixa de ser jornalismo –, mas, para sair desta crise, é necessário criar consciência de que o bom jornalismo faz falta. A grande questão é se ainda vamos a tempo de salvá-lo.
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08/02/2024