O mais antigo genoma humano moderno

 O mais antigo genoma humano moderno

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A análise do ADN (ácido desoxirribonucleico) antigo dos Neandertais e dos primeiros seres humanos modernos demonstrou, recentemente, que os grupos provavelmente se entrecruzaram, algures no Próximo Oriente, depois de os seres humanos modernos terem deixado África, há cerca de 50 mil anos.

Cientistas identificam genoma mais antigo dos humanos modernos. (Créditos fotográficos: Martin Frouz)

Como resultado, todas as pessoas fora de África transportam cerca de 2% a 3% de ADN Neanderthal. Nos genomas humanos modernos, esses segmentos de ADN Neanderthal tornaram-se cada vez mais curtos ao longo do tempo e a sua duração pode ser usada para estimar quando um indivíduo viveu. Dados arqueológicos, publicados no ano passado, sugerem ainda que os humanos modernos já estavam presentes no sudeste da Europa há 47-43 mil anos, mas, devido à escassez de fósseis humanos bastante completos e à falta de DNA genómico, há pouca compreensão de quem foram estes primeiros colonos humanos – ou sobre as suas relações com grupos humanos antigos e actuais.

aLocais da caverna Koněprusy, onde os restos humanos de Zlatý kůň foram encontrados, e de outros fósseis com idade de, pelo menos, 40.000 anos que forneceram dados de todo o genoma (Ust’-Ishim, Oase 1 e Tianyuan) ou mtDNA (Fumane 2 e Bacho Kiro).
bReconstrução virtual baseada em microtomografia computadorizada do crânio de Zlatý kůň em vista frontal e lateral. O mapa em a foi criado com QGIS47 usando dados vetoriais Natural Earth48.

Num novo estudo, publicado em 7 de Abril de 2021, na revista Nature Ecology & Evolution, uma equipa internacional de investigadores relata o que é, provavelmente, o mais antigo genoma humano moderno sequenciado até então. Descoberta pela primeira vez, na Chéquia (ou República Checa), a mulher da espécie Homo sapiens, conhecida pelos investigadores como Zlatý kůň (“cavalo dourado”, em Checo), exibia extensões mais longas de ADN Neandertal do que o indivíduo Ust’-Ishim, de há 45 mil anos, encontrado na Sibéria, que era o mais antigo genoma humano moderno conhecido, ainda recentemente. A análise genética sugere que ela, Zlatý kůň, fazia parte de uma população que se formou antes das populações que deram origem à divisão entre europeus e asiáticos dos dias de hoje.

Um estudo antropológico recente, baseado na forma do crânio de Zlatý kůň, mostrou semelhanças com pessoas que viviam na Europa antes do Último Máximo Glacial – há, pelo menos, 30 mil anos – mas a datação por radiocarbono tinha produzido resultados contraditórios, alguns indicando que o crânio teria só 15 mil anos. Só quando Jaroslav Brůžek, da Faculdade de Ciências de Praga, e Petr Velemínský, do Museu Nacional de Praga, colaboraram com os laboratórios de genética do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana é que foi possível esclarecer as contradições entre os vários tipos de datação.

Jaroslav Brůžek, da Faculdade de Ciências de Praga. (© Martin Pinkas)
Cosimo Posth é professor na Universidade de
Tübingen, na Alemanha. (www.shh.mpg.de)

“Encontrámos provas de contaminação de ADN de vaca no osso analisado, o que sugere que uma cola à base de matéria proveniente dos bovinos utilizada no passado para consolidar o crânio estava a produzir datas radiocarbónicas mais recentes do que a verdadeira idade do fóssil”, diz Cosimo Posth, co-líder (e co-autor) do estudo, num comunicado do Instituto Max Planck. Posth foi anteriormente líder do grupo de investigação do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana e é actualmente professor de Arqueo e Paleogénese na Universidade de Tübingen, na Alemanha.

Contudo, foi o ADN Neanderthal que levou a equipa às suas principais conclusões sobre a idade do fóssil. Zlatý kůň continha, aproximadamente, a mesma quantidade de ADN Neanderthal no seu genoma que Ust Ishim ou outros humanos modernos fora de África, mas os segmentos com ascendência Neanderthal eram, em média, muito mais longos.

Kay Prüfer, investigador do CARTA – Center for
Academic Research and Training in Anthropogeny.
(carta.anthropogeny.org)

“Os resultados da nossa análise de ADN mostram que a Zlatý kůň viveu mais perto no tempo do evento de mistura com os Neandertais”, explica Kay Prüfer, co-autor do estudo, no comunicado já citado.

Os cientistas conseguiram estimar que a Zlatý kůň viveu aproximadamente dois mil anos após o cruzamento com Neandertais dos seus antepassados. Com base nestas descobertas, a equipa argumenta que Zlatý kůň representa o genoma humano mais antigo sequenciado até hoje.

“É bastante intrigante que os primeiros humanos modernos na Europa não tenham tido sucesso! Tal como com Ust’-Ishim e o crânio europeu até agora mais antigo do Oase 1, Zlatý kůň não mostra qualquer continuidade genética com os humanos modernos que viveram na Europa há 40 mil anos”, comenta Johannes Krause, autor principal do estudo e director do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva.

Johannes Krause é director do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva. (Créditos fotográficos: Sven Doering / Agentur Focus)

Uma explicação possível para a descontinuidade é a erupção vulcânica Ignimbrite Campaniana ocorrida há cerca de 39 mil anos, que afectou gravemente o clima no hemisfério norte e pode ter reduzido as hipóteses de sobrevivência dos Neandertais e dos primeiros seres humanos modernos em grandes partes da Europa da Idade do Gelo.

(www.coladaweb.com)

À medida que os avanços na sequenciação de DNA humano antigo revelam mais sobre a história da nossa espécie, os futuros estudos genéticos de outros indivíduos europeus primitivos ajudarão a reconstruir a história e o declínio dos primeiros humanos modernos a expandir-se para fora de África e para a Eurásia antes da formação das populações não africanas dos tempos modernos.

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

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12/09/2022

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António Piedade

Bioquímico e comunicador de Ciência. Publicou centenas de artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de diversos livros de divulgação de Ciência, entre os quais se destacam “Íris Científica” (Mar da Palavra, 2005 – Plano Nacional de Leitura), ”Caminhos de Ciência”, com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011) e “Diálogos com Ciência” (Trinta Por Uma Linha, 2019 – Plano Nacional de Leitura), também prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, a exemplo do já muito popular “Ciência às Seis”, no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra. Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.

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