O Peru e os desafios de “Abya Yala”

 O Peru e os desafios de “Abya Yala”

(Créditos fotográficos: Angela Ponce / Reuters)

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Desde a prisão do presidente Pedro Castillo, logo após a sua tentativa de fechar o Congresso, que as manifestações populares de protesto não param no Peru. E a violência tem sido a resposta dos órgãos de segurança do país, comandados pela presidente Dina Boluarte, a vice que assumiu o cargo depois da prisão de Castillo.

Atual presidente do Peru, Dina Boluarte. (Créditos fotográficos: Handout / EPA)

Já são 36 dias de manifestações em todo o país. Na semana passada, a polícia matou 18 pessoas na cidade de Juliaca (região de Puno) e feriu 78 num enfrentamento com manifestantes. Até agora, são mais de 50 mortos no processo, bem como 518 feridos, além de um número ainda não sabido de desaparecidos. No dia 12 de janeiro, milhares de pessoas foram às ruas em Juliaca, para a despedida dos mortos; e o governo decretou uma proibição de três dias nas manifestações.

Os protestos em todo o país exigem eleições presidenciais imediatas, bem como a criação de uma Assembleia Constituinte, com a dissolução imediata do Congresso atual.

Pedro Castillo e Keiko Fujimori (poder360.com.br)

O presidente Castillo venceu a candidata da direita – filha de Alberto Fujimori1 – numa eleição livre e aberta, mas, logo nos primeiros meses, enfrentou problemas no Congresso, visto que os congressistas procuravam inviabilizar cada nome apontado como ministro. Castillo acabou cedendo e, na tentativa de manter a governabilidade, foi trocando o gabinete de governo a cada nova crítica. Em seguida, passou a enfrentar as tentativas de impedimento do seu mandato baseadas num vago conceito de “incapacidade moral”.

Para os movimentos sociais que estão na rua realizando marchas, trancamento de estradas e manifestações, são os congressistas que devem ser varridos do país, já que parecem não ter qualquer preocupação com os destinos do Peru. Tudo se tem resumido a uma “queda de braço” com o presidente, porque não aceitam a derrota nas urnas.

A decisão de fechar o Congresso, tomada por Castillo de maneira atabalhoada, sem a “costura” de acordos políticos, acabou por acelerar o processo de impedimento – três já haviam sido tentados sem sucesso – e, no mesmo dia em que deu a ordem de fechar a casa legislativa, o presidente foi deposto, numa sessão de emergência, e seguidamente preso. A prisão desencadeou protestos em todo o país e, desde aí, a violência policial tem sido feroz.

Protestos no Peru com mortos e muitos feridos. (Créditos fotográficos: Getty Images – g1.globo.com)

Para os que arriscam as suas vidas nos protestos, a única forma de colocar o Peru no rumo é a imediata dissolução do Congresso, com a criação de uma Assembleia Constituinte, capaz de dar conta das demandas que ficaram apenas no papel, já que Castillo não conseguiu governar, tendo de preocupar-se mais com a ofensiva do Congresso.

Os peruanos também querem novas eleições, pois tampouco confiam em Castillo, que se mostrou débil na condução do governo, e muito menos confiam na atual presidente. Não encontram razão para que não sejam convocadas as eleições e não estão dispostos a parar. Mesmo com o massacre realizado em Juliaca, a intenção dos movimentos que estão mobilizados é continuar atuando, até que as demandas sejam atendidas.

Têm sido tempos difíceis na América Latina, nossa Abya Yala2. Mesmo com a ascensão de governos de matiz mais progressista, a impossibilidade ou a incapacidade de realizar mudanças estruturais que verdadeiramente mudem a realidade da maioria, acaba sendo combustível para que a direita – sempre alerta – desarticule e provoque instabilidade, visando assumir o comando. A crítica radical ao sistema capitalista, que deveria ser instrumento da esquerda, passa a ser feita pela direita e são esses políticos que aparecem como os salvadores da pátria, bramindo bandeiras como o combate à corrupção, da qual são useiros e vezeiros.

Mapa da América Hispânica. O conceito de “Pátria
Grande” defende a unificação das nações hispano-
americanas ou latino-americanas no mesmo Estado.
(pt.wikipedia.org)

Por outro lado, apesar da irrupção das massas populares em protestos e rebeliões, não tem sido possível a construção de alternativas revolucionárias capazes de atacar com eficácia a lógica de dependência e de subdesenvolvimento imposta ao continente latino-americano, desde a fracassada tentativa da Pátria Grande3. Cuba segue sendo uma estrela solitária e a Venezuela segue aos tropeços, acossada e atacada a cada momento. O Brasil, agora com Lula da Silva, engrossa o desfio. Diante da ação sistemática da extrema-direita, precisa de decidir se vai abrir mão da radicalidade ou não. A História ensina que tentar compor com a burguesia nunca dá em algo bom. Seguimos, sem pernas, mas caminhando.

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(*) Com a participação do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

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Notas da Redacção:

1 – Alberto Fujimori foi presidente do Peru, entre 28 de julho de 1990 e 22 de novembro de 2000.

2 – “Abya Yala”, na língua do povo Kuna, significa “Terra madura”, “Terra viva” ou “Terra em florescimento”, sendo também sinónimo de América.

3 –“Pátria Grande” é um conceito político que se refere, em princípio, à federalização dos estados da América hispânica, constituindo uma só unidade política ou Estado.

16/01/2023

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Elaine Tavares

Jornalista e educadora popular. Editora da «Revista Pobres e Nojentas», com Miriam Santini de Abreu. Integra o coletivo editorial da «Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos». Coordenadora de Comunicação no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (no Brasil).

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