O peso de uma coroa

 O peso de uma coroa

(MDR – BBC)

Como Portugal é uma república há mais de 100 anos, não nos preocupamos muito com a nobreza, embora tenhamos exemplos próximos. Em Espanha, a monarquia é bastante tímida, até se tenta esconder depois de tantos escândalos de Juan Carlos II. Por comparação, no Reino Unido, a antiga rainha representou um porto seguro para a população, durante décadas. Por isso, mesmo sem tradição monárquica, foi impossível não ficar curioso com a coroação de Carlos (tanto tempo príncipe, agora Terceiro). Estaríamos perante alguma mudança real? Nem por isso, pelo menos na cerimónia.

(Créditos fotográficos: Ottr Dan – Unsplash)

O peso da História notou-se em cada elemento da coroação, tanto nas vestimentas e joias como na idade das pessoas envolvidas. Aos 74 anos, Carlos III também não dava muitas mostras de alegria. Aliás, até tinha um ar parecido ao que eu faria se tivesse de trabalhar ao fim de semana. Assumo que, uma vez que a cerimónia é tão especial, seja normal que o coroado tenha de manter uma postura e ar sérios. Apesar disso, se um de nós chegasse a um posto ou cargo pelo qual esperou toda a vida, teria, pelo menos, um brilho no olhar. Não foi o que me pareceu, ao vê-lo na televisão, mas não consigo adivinhar o que lhe estaria a passar pela cabeça. Afinal, a coroa pesa à volta de dois quilos, conquanto o peso dos 15 paísesque vêm com ela seja incalculável.

Carlos recebeu a, então, primeira-ministra britânica, Liz Truss.
(lecturas.com)

Ser rei é assumir a responsabilidade de ser o compasso moral de todos os cidadãos. No caso de uma monarquia constitucional, é também ter de “aguentar” os políticos eleitos, quer se goste quer não. Embora o poder político do rei seja limitado, as suas ações podem contribuir para apoiar ou para fragilizar um governo. Por exemplo, ainda na pré-coroação, Carlos recebeu Liz Truss, primeira-ministra na época, com um “meu Deus, outra vez por aqui?” Truss não se aguentou muito no cargo. O rei aqui continua, como a mãe antes e o filho que o sucederá, com, só no Reino Unido, 67 milhões de almas ao seu cuidado.

Enquanto Isabel II definiu o reinado com a sua figura discreta, Carlos não teve a mesma possibilidade. Desde o seu badalado primeiro casamento, seguido pelo divórcio e morte da princesa Diana, viveu uma vida debaixo dos holofotes. Para os filhos foi ainda pior e lidam com isso de maneiras opostas: o mais velho como herdeiro perfeito; o mais novo na figura do rebelde que se tenta escapar da linhagem nos Estados Unidos da América, continuando a fazer dinheiro apenas por ser quem é. Na coroação, um foi pajem de honra. O outro teve de se sentar na terceira fila.

Família real britânica. (Créditos fotográficos: Samir Hussein / Getty Images)

Dramas que pouco importam, mas que os media adoram. Existem profissionais que dedicam a sua vida a analisar, a comentar e a opinar sobre os nobres. Revistas — a Hola! em Inglaterra chama-se Hello! também — existem para mostrar estas figuras públicas e as suas vidas. Ajudam a contribuir para o mito e para a aura de esplendor, o que cria uma interdependência pouco saudável entre os meios de comunicação e a nobreza.

Claro que a vida de um rei não é apenas responsabilidades e focos mediáticos, há muitas coisas boas para aproveitar. Castelos, obras de arte, joias, benefícios fiscais e propriedades gigantes, certamente, atenuam alguns dos dramas da vida real. Não é fácil saber quão ricos são de verdade, mas o The Guardian estima que Carlos valha, ao menos, 1,8 mil milhões de libras. Apesar disso, a família real recebe 86 milhões de libras do governo, em cada ano. Entre repúblicas e monarquias, cada um poupa como pode.

(cnnportugal.iol.pt)

O peso de uma coroa vai além do ouro e das joias que se veem. Com ela, vem a responsabilidade – embora com poder limitado – e, acima de tudo, a perda da vida privada. Apenas o novo rei poderá dizer o que lhe passava pela cabeça durante a coroação. Era a cara séria parte da etiqueta da cerimónia ou uma careta perante o dever de assumir uma posição que o coloca ainda mais no centro do Mundo, com uma idade que pede tranquilidade? Por agora, parece que tudo continua na mesma, em típico modo inglês de “keep calm and carry on.” Anacrónica ou não, a monarquia ainda move as massas, mas fica a questão de se terá a flexibilidade para evoluir, de modo a fazer face às necessidades da sociedade moderna.

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05/06/2023

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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