O que sofre Hogwarts por J. K. Rowling

 O que sofre Hogwarts por J. K. Rowling

À lista de jogos proibidos foram acrescentados Hogwarts Legacy e qualquer outro jogo de Harry Potter. (Direitos reservados)

Os artistas criam arte por diferentes motivos. Uns por puro prazer, alguns para tentarem exorcizar demónios e frustrações, outros para criarem um legado e ficarem imensamente ricos.

A ambição nem sempre traz os resultados esperados. E ninguém saberá, de verdade, o que motivou J. K. Rowling a escrever os livros de Harry Potter, mas é inegável que ela criou um mundo onde milhões de pessoas se perderam e que, por extensão, fazem dela uma figura pública. O universo de Harry Potter tem um impacto gigante na cultura moderna qualquer millennial sabe qual seria a sua casa em Hogwarts –, por isso, não é de estranhar que um vídeojogo baseado nessa escola de magia seja alvo de atenção mediática.

Embora existam vários jogos contextualizados nesse universo, Hogwarts Legacy é o mais ambicioso. Lançado em fevereiro de 2022, permite aos jogadores entrarem na pele de um estudante da famosa escola, terem duelos mágicos, explorarem corredores e os arredores com um grau de liberdade fantástico. Para os fãs de Harry Potter, é uma oportunidade para entrarem num mundo que os cativa desde crianças. Contudo, mesmo antes de ter sido lançado, o jogo já estava debaixo de críticas, com muita gente a recusar jogá-lo. O motivo para esta reação não tem nada a ver com o jogo em si, que recebeu, no geral, análises positivas, mas, sim, com a criadora desse universo.

Comentários controversos de J. K. Rowling, autora da saga Harry Potter, geraram duras críticas dos fãs e de atores envolvidos com projetos do Universo Bruxo. (omelete.com.br)

Esta nuvem negra de críticas que paira sobre o universo de Harry Potter deve-se a opiniões expressadas pela autora nas redes sociais, já que J. K. Rowling assumiu algumas posições transfóbicas, vistas por algumas pessoas como uma incitação à discriminação ou, até, à violência contra pessoas transgénero. A Internet ou, pelo menos, a falange mais progressista, clama por boicotes contra tudo o que é relacionado com a autora, incluindo este jogo.

Os fãs de Harry Potter ficam, então, entre a espada e a parede: ou desistem de desfrutar de expressões artísticas que apreciam desde a sua juventude ou dão lucro a alguém que toma posições com as quais estão em desacordo e que podem levar a atos violentos. Como solucionar esta tensão entre o artista e o prazer que uma pessoa retira da sua arte?

Falo hoje de J. K. Rowling e desta controvérsia, mas a questão de separar artistas e arte não é nova, existem exemplos que vão de Dalí a Mel Gibson. Contudo, é algo exacerbado pelas comunidades online. Antes, para “cancelar” alguém era preciso algum esforço: protestar à frente de um espetáculo, falar com desconhecidos para convencê-los de um ponto de vista. Na Internet, está tudo à distância de um clique e as boas intenções podem descarrilar rapidamente.

(Direitos reservados)

No caso de Hogwarts Legacy, tudo começa com o interesse em defender as comunidades transgénero, com pedidos para não comprar o jogo. Votar com a carteira, uma opção pessoal e justa. Depois, a agenda mediática ganha força e alguns críticos dão uma nota baixa ao jogo, devido às posições da autora, que nem deve ter tido um envolvimento direto no desenvolvimento. É aqui se começa a misturar as coisas. Neste caso, a arte sofre pelo criador, mas ainda estamos no “reino” da opinião pessoal.

Por fim, e infelizmente, chega o bullying, com os “defensores” a atacarem quem escolheu desfrutar do jogo. Exemplo disso foram os ataques a um youtuber que fazia um direto com a namorada, fã de Harry Potter, para mostrar o jogo. O canal foi invadido por comentários tão odiosos que tiveram de parar a sessão, com a rapariga em lágrimas. As mesmas pessoas que tentavam combater uma fonte de ódio acabaram por criar mais. Em que ficamos?

Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson participaram nos filmes da saga de Harry Potter. (britannica.com)

A resposta, quer ser queira quer não, vai sempre depender das nossas opiniões. Avaliamos as “transgressões” dos mediáticos de acordo com os nossos mapas mentais: se concordamos com eles ou não, que sentimos em relação ao que os artistas fizeram ou disseram que criou controvérsia, quão próximos estamos da questão. Não “cancelamos” um futebolista por conduzir alcoolizado, embora isso coloque em risco a vida de pessoas. Muitos católicos continuam a defender a Igreja perante acusações de pedofilia. E muitos fãs de Harry Potter continuarão a defender J. K. Rowling, como já tinham defendido no passado, quando as acusações eram de que os livros incitavam à bruxaria.

É importante que as pessoas atuem de acordo com as suas convicções pessoais e a Internet é ideal para apoiar esses movimentos. O problema é que, quando uma “ideia nobre” se converte em ataques viciosos que atingem pessoas que apenas querem desfrutar da arte e, se calhar, nem se lembram de quem é o artista.

.

09/03/2023

Siga-nos:
fb-share-icon

Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

Outros artigos

Share
Instagram