O regresso ao escritório

 O regresso ao escritório

Já passou tanto tempo que nem me lembro como me sentia na hora de voltar à escola depois das férias de verão. Imagino que com algum nervosismo, um pouco de ansiedade, mas também muita vontade de estar com amigos. Apesar de a memória me falhar, a volta às aulas foi a comparação possível que o meu cérebro encontrou no dia em que tive de voltar ao escritório.

Após dois anos a trabalhar desde casa, o regresso trouxe sentimentos contraditórios. Por um lado, estava a fazer o caminho que tinha feito durante anos, na direção do mesmo edifício de sempre. Normal e rotineiro. Sim, de máscara posta e com um questionário de saúde interno preenchido, mas, no fundo, seguindo uma avenida que trilhara durante anos. Por outro lado, muitas coisas mudaram nos últimos anos, as rotinas mentais que colocavam o ato de trabalhar num local específico desapareceram. Como seria trabalhar num escritório outra vez?

Trabalhar desde casa trouxe os seus problemas. É complicado separar a esfera laboral da pessoal, quando elas coabitam no mesmo espaço. Mesmo quando se desliga o computador, o cérebro nem sempre entende que é hora de mudar o chip. Algumas reuniões arrastam-se até mais tarde, a tentação de dar uma vista de olhos no correio eletrónico cresce. Apesar disso, nem tudo é mau. Há mais flexibilidade, não existe a necessidade de ter uma rotina rígida e, para quem tem carro ou tem de apanhar transportes públicos, o stress da viagem desaparece. Foi um ambiente que também ajudou a trazer uma certa – e necessária – informalidade ao mundo laboral. Para alguém que nunca quis trabalhar desde casa, fiquei convencido.

O que é que se perdeu nesta nova realidade? Após dezenas de horas de reuniões à frente de um ecrã, posso garantir que comunicar fica complicado, em particular com quem nem liga a câmara. Estar fisicamente com as pessoas é uma experiência diferente, “falar” por escrito tem limitações e, no geral, surgem muitas mais barreiras ao entendimento. Existem conversas e temas que aparecem de forma casual num escritório, algo que nunca se passará em casa. Sinto falta também da linha que separa casa e trabalho, deixar para trás preocupações de maneira física e metafórica. E é aqui que falha a minha comparação com a volta às aulas. Nessa época, beneficiávamos de três meses sem escola. Neste mundo moderno, o trabalho nunca parou.

É por esta dualidade que o regresso ao escritório se torna uma questão filosófica. Vem aí uma revolução laboral com liberdade geográfica total? Sim e até se poderia argumentar que já estávamos nesse ponto e que os confinamentos só aceleraram o processo. Vai ser o melhor para todos? Claro que não, mesmo sem falar de pessoas com trabalhos que não podem ser feitos remotamente. Os seres humanos precisam de fazer parte de comunidades e o ambiente laboral também ajuda em muitas necessidades sociais. Existe ainda um impacto económico menos óbvio: nas cidades, os restaurantes que viviam da hora do almoço de escritórios perdem movimento, enquanto, fora dos meios urbanos, os trabalhadores digitais podem fazer subir os preços para quem não beneficia de salários tão altos.

Créditos: Note Tharun (Unsplash)

No momento em que pensava nestas coisas, cheguei ao escritório. Um colega estava à porta a fumar e levantou a mão para dizer “Olá!” Foi mesmo como voltar à escola e pareceu-me que pouco tempo tinha passado desde que estivemos juntos no edifício. Hábitos e rotinas voltam depressa, mas fico curioso por descobrir o que aprendemos com estas experiências – e como é o que o mundo se vai reorganizar à volta disso.

06/06/2022

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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