O terramoto na Turquia e na Síria fez soar o alarme para o debate
Na verdade, o sismo de grande magnitude e de grande profundidade que assolou a Turquia e a Síria, na segunda semana de fevereiro, vitimou mais de 40 mil pessoas e deu a azo a centenas de milhares de feridos, o que mobilizou uma enorme onda de solidariedade, a nível do socorro e da reconstrução dos aglomerados populacionais. Resta saber se o governo sírio acolhe, de facto, a sugestão do cessar-fogo, na guerra que parece infindável, para facilitar as operações de socorro.
Paralelamente, o sismo questiona os poderes públicos, os cientistas e os cidadãos sobre a capacidade de resposta a eventuais nos sismos, sobretudo nas zonas de risco sísmico mundiais.
Como Portugal e, em especial, a região de Lisboa integra uma zona de risco sísmico, a questão tem de concitar o debate, até porque lembra o grande terramoto de 1755.
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, invocando a sua condição de engenheiro civil e a experiência de trabalho na área, assegurou que a cidade, em relação a eventual sismo como o que aconteceu, a 6 de fevereiro, na Turquia e na Síria, está extremamente preparada depois dos anos de 1980, não nos bairros mais antigos, mas muito preparada “em termos de engenharia e de construção”, inclusive com um sistema de alarme de tsunami.
Disse-o em resposta a um munícipe, numa reunião descentralizada para audição de munícipes, que interpelava o autarca sobre o que está a ser feito para precaver a ocorrência de um sismo, nomeadamente quanto à sensibilização da população, à realização de simulacros e à definição de medidas de preparação, inclusivamente o que fazer e para onde se dirigir em caso de sismo.
Carlos Moedas apontou que Lisboa tem o ReSist, programa municipal de resiliência do parque edificado privado e municipal e infraestruturas urbanas municipais, para “reforçar toda a proteção sísmica dos edifícios”, incluindo “o mapeamento de todos os edifícios que não estão ainda reforçados”. E realçou a importância do ReSist, que tem ligações à Comissão Europeia e que conta com “muito dinheiro” dos fundos europeus.
Porém, a Associação de Proteção Civil (APROSOC) veio desmentir Carlos Moedas, sustentando que a sua asserção é “falsa e ilusória”, podendo criar falsa sensação de segurança onde ela não existe, sendo, eventualmente, passível de enquadramento criminal”. Ao invés, o Presidente da República, em declarações aos jornalistas à margem da cerimónia de entrega do Prémio Bial de Medicina Clínica, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, disse acompanhar a Ordem dos Engenheiros quanto a não fazer sentido o alarmismo de uma visão pessimista sobre os efeitos de eventual sismo nas zonas sísmicas no país, devendo ouvir-se os especialistas.
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Entretanto, a TSF e o Diário de Notícias (DN) ouviram, a 10 de fevereiro, Filipe Medeiros Rosas, professor e geólogo, para quem o alarmismo e o medo são maus conselheiros, visto que Portugal, estando em zona de risco sísmico, não tem um risco igual ao da Anatólia ou ao da Califórnia. E, porque o facto de a falha estar no mar ajuda, acredita que, tão cedo, não haverá um abalo como o de 1755, embora apele à fiscalização de construção e ao treino de emergência.
A 1 de novembro de 1755, dia de frio e de sol, às 9h30 da manhã, em sete minutos, segundo uns relatos, ou 15, segundo outros, Lisboa colapsou, sacudida por um terramoto de nove pontos na Escala de Richter (vai até 10). Estima-se que mais de 50 mil pessoas tenham morrido, 35 igrejas, 55 palácios e cerca de 10 mil casas terão acabado em escombros.
O sismo de 6 de fevereiro não surpreendeu o geólogo, pois, segundo os sismologistas, naquela área (falha da Anatólia Leste, uma das que acomodam o movimento lateral do bloco da Turquia e da Anatólia para oeste, em relação ao Mar Egeu), não havia uma magnitude tão elevada desde 1970. Os sismos ocorrem sobre uma falha e, quanto mais tempo decorrer entre um sismo e outro, maior será a quantidade de energia que tende a libertar-se. “Houve vários sismos, há sismicidade bem monitorizada”, mas não sismos com magnitude maior do que seis ou sete.
Os sismos tectónicos resultam do acumular de tensões provocadas por movimentos tectónicos. Os movimentos tectónicos podem implicar três tipos de forças (compressivas, distensivas e de cisalhamento).
O mesmo académico não resiste à definição científica: os sismos (que não resultam das alterações climáticas) são a manifestação súbita de energia elástica: o material rompe-se de forma brusca e liberta a energia na forma de ondas sísmicas. É o comportamento elástico, que se carateriza pela aplicação da força a determinado corpo. A partir de certo limite, há rutura e libertação súbita de energia. Portanto, do ponto de vista mecânico, isto é o que carateriza o comportamento elástico. Como contraponto a este, há o comportamento viscoso, quando um corpo sofre deformação permanente, por se exercer força sobre ele; e, se esta cessar, fica registada na distorção do corpo.
Ora, um dos aspetos essenciais que condicionam o tipo de resposta mecânica, elástica ou viscosa, é evidentemente a temperatura a que o material se encontra.
ATerra tem uma temperatura muito maior no seu interior do que à superfície, mas o interior não está fundido ou líquido, exceto o seu núcleo externo. A camada mais exterior, mais fria, tem um comportamento elástico e está subdividida num conjunto de pedaços, as placas tectónicas.
Estes bocados da camada crocante e estaladiça da Terra movem-se uns em direção aos outros e, na fronteira entre as placas, ocorrem os sismos, em resultado da acomodação deste movimento, à escala do tempo geológico, tempo enorme que toma por unidade um milhão de anos. Portanto, à escala desse tempo, o movimento das placas é contínuo, mas, à escala antropogénica, o que sucede é que o comportamento das placas é elástico e, quando duas chocam ou deslizam uma em relação à outra, acumula-se energia. Depois da acumulação da tensão elástica que resulta desse contacto, gera-se uma falha – e a já existente propaga-se mais –, rompe-se um novo sítio, suscitando uma libertação de energia mecânica na forma de ondas sísmicas. A onda propaga-se através desse pulsar com diferentes geometrias e, em função disso, as ondas classificam-se de modos diferentes. E isso gera, à superfície, a destruição e propagação dessa energia, que gera, por sua vez, o efeito destrutivo que, em sismos de grande magnitude, tem réplicas, que podem durar semanas.
Fala-se das falhas do Marquês de Pombal, da Ferradura ou da Anatólia Leste, mas havendo uma área de rutura preferencial, temos o sistema de falhas. Assim, o risco sísmico não pode ser apreciado considerando, isoladamente, uma falha. No sismo da Turquia temos a placa arábica que choca com a euro-asiática a norte, mas, entalada entre as duas, está a Turquia, ou o bloco da Anatólia, a ser espremido e a deslocar-se para o Mar Egeu. Esse movimento deslizante que acomoda o escape lateral do bloco da Anatólia coexiste com outro, de choque frontal entre a placa arábica e a euro-asiática. Por isso, é expectável que tenhamos duas famílias de falhas: umas são as falhas do desligamento e as outras são as que acomodam a compressão. Se uma destas falhas estiver a cortar a outra e se uma rompe, a outra que estava perto de romper fica mais próxima de quebrar. Portanto, a ideia que as pessoas têm de que, a seguir a um sismo, há um período de latência, em geral, está correta, mas depende do desenho da distribuição das falhas no local, pois um sismo numa falha pode antecipar novo sismo numa outra falha.
O caráter tão letal do sismo da Anatólia tem a ver com a sua profundidade. Com efeito, a falha atinge um domínio continental e a profundidade é crostal, ou seja, a crosta terrestre tem ali uma espessura média de 35 quilómetros e o sismo ocorreu a cerca de 18 quilómetros de profundidade.
No atinente a Portugal, o geólogo adverte que o território é zona de risco sísmico, mas o risco não é igual ao da Anatólia ou ao da Califórnia. Contudo, tem a capacidade de gerar sismos de grande magnitude como o de 1969, que teve a magnitude de 7,9 – mais elevada do que o da Turquia. Mesmo o de 1755, não sendo possível medir a magnitude dos sismos, ao tempo, teve magnitude estimada de 8,8. E a magnitude traduz a quantidade de energia libertada no hipocentro, isto é, associada à rutura no plano de falha, enquanto a intensidade é a medida de destruição de um sismo. Ou seja, um sismo de menor magnitude pode ter uma intensidade maior, como na Turquia, por ser mais superficial e numa zona continental. Mas pode haver cá sismos de grande magnitude, aliás, já houve em 1969 (eu lembro disso: o seminário, que era novo, sofreu varias fendas).
Em Portugal, o risco sísmico não é o mesmo. Na verdade, os sismos são a acomodação do movimento entre as placas tectónicas. Se as placas se mexem rapidamente, a atividade sísmica é mais recorrente e, se se moverem lentamente, os sismos são menos recorrentes, mas podem ter uma magnitude mais elevada. Por exemplo, na Anatólia as placas movem-se a uma velocidade de 1,5 a 2 centímetros por ano. Por isso, a placa arábica move-se para norte à velocidade a que nos crescem as unhas e o cabelo. Na falha de Santo André, na Califórnia, a velocidade é ainda maior, cerca de cinco centímetros por ano. A velocidade, na Turquia, é cerca de cinco vezes maior e, na Califórnia, cerca de dez vezes maior do que a velocidade a que se mexem as placas junto de Portugal, onde existe uma falha muito importante, a Falha da Glória, que une o ponto triplo dos Açores a Gibraltar e é uma falha de deslizamento direito. Portanto, a placa euro-asiática e a placa africana, chamada núbia, movem-se, deslizando uma em relação à outra, a uma velocidade muito mais lenta, em média quatro milímetros por ano – um dos aspetos a ter em conta ao avaliar o risco sísmico. Como as placas se mexem mais lentamente, os sismos são menos recorrentes, mas a magnitude pode ser igualmente elevada. A outra diferença é que, no nosso território, as principais fontes sismogénicas e tsunamigénicas não atravessam o território. Temos algumas falhas que atravessam o território, mas que não têm o potencial de perigo sismogénico das grandes falhas que existem no offshore do sudoeste ibérico.
Portanto, o perigo está no mar e não debaixo dos nossos pés, mas chega cá de algum modo.
E o geólogo aponta o progresso científico logrado nos últimos anos, o que resultou, por exemplo, numa cartografia detalhadíssima do fundo do mar. Por outro lado, fez-se um esforço enorme no sentido da preparação das infraestruturas e das autoridades que acorrem nestas situações, sendo pertinente a organização dos meios que existem na sociedade e a tomada de decisões com base no conhecimento científico e técnico. Daqui decorre que, para lá da fiscalização premente à construção de novos edifícios, urge a fiscalização dos edifícios antigos, tanto públicos como privados. O problema não reside na fala de lei, mas no seu cumprimento e na fiscalização.
É claro que há a construção clandestina e mesmo a implantada em lugares impróprios, problema que deve ser encarado de frente.
Por fim, é de realçar que a população deve preparar-se, não para o advento de eventual sismo (não é crível que se avizinhe um terramoto como o de 1755), mas para a realidade de estarmos em zona sísmica. Deve-se, portanto, aprofundar o conhecimento, tomar as decisões consentâneas e fazer simulacros nas diversas comunidades, dando indicações precisas com vista à autoproteção das pessoas e à sua disciplinação perante as situações de desastre ou de catástrofe, sem alarmismo e sem negligência do governo, das autoridades e dos cidadãos. Informar, prevenir, sem alarmar!
20/02/2023