O teu reino por um prato de lentilhas
Sentado na minha “Bancada” olho para Oliveira do Hospital (a capital do queijo da serra) e recordo os belos dias que ali passei, em diversas ocasiões, em férias e em trabalho, na companhia de José Carlos Alexandrino, na altura presidente da Câmara e agora presidente da Assembleia Municipal e deputado. E relembro a paz, o sossego, a tranquilidade ambiental e a casa da engenheira Alzira, um belíssimo refúgio para a escrita e para pensar a vida, com caminho directo para uma queijaria particular, onde a alma se perdia nos sabores inigualáveis da confecção aprimorada do melhor queijo do Mundo.
É bom recordar os valores, os sabores e os calores de Verão de Oliveira do Hospital, agora no mapa das notícias por causa de um tal “Reino do Pineal”, comandado por um autoproclamado guru, não sei se mestre do hinduísmo, mas, certamente, líder poligâmico de uma seita que recebe membros contra o pagamento em euros, e que inventou leis que conduzem a uma espécie de abstracção da razão, numa quinta pertencente a um jogador de futebol (que actua no estrangeiro), localizada em território português, com passaporte (!), hino (!) e bandeira (!) a condizer com as intenções da sua formação.
“Reino” inventado no planeta Terra, plano para o guru-chefe, certamente do formato de tão avançado cérebro, pertencente ao ex-chefe de cozinha britânico que se autoproclamou mentor dos incautos atraídos por tal forma de vida.
Tudo isto seria grave, se não houvesse, ainda, a gravidade maior da morte de uma criança, sem cuidados médicos, que, depois, terá sido incinerada arbitrariamente, regendo-se por leis e orientações privadas, não reconhecidas pelo Estado português. E há mais crianças na seita, sem registo, sem assistência, sem acompanhamento, sem escolaridade, que serão, num futuro próximo, a negação da vida em sociedade, presas a um cordão umbilical de duvidoso nascimento.
Daí que eu proponha rapidamente a troca do “Reino do Pineal” por um prato de lentilhas (alimento bastante para tal personagem), a fim de se proceder à limpeza material e espiritual daquele local, de modo que a vida retome a normalidade convencional. E o prato de lentilhas, produto da terra plana, seria colocado na bagagem do guru, para o alimentar na sua viagem daqui para fora, o mais depressa possível.
Quanto ao reino, sem rei (nem roque), prefiro viver com a minha glândula pineal, comum ao cérebro dos vertebrados, que está localizada no epitálamo e que funciona como um detector de luz. Daí que alguns a definam como o terceiro olho ou, como dizia Descartes, a principal sede da alma. Ao menos essa faz com que eu pertença a este Mundo, regendo-me pelas leis portuguesas, orientando-me pelas suas regras constitucionais e, sem abdicar de pensar pela minha própria cabeça, me possibilite viver a vida, respeitando os que vivem a meu lado, no mesmo tipo de sociedade.
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07/08/2023