O vidro

 O vidro

(Créditos fotográficos: Multi Painel – segredosdomundo.r7.com)

O vidro (do latim vitrum) é uma substância rígida, amorfa, dura, frágil (quebradiça) e impermeável que, por aquecimento, vai amolecendo cada vez mais até se tornar líquida.

Tido por uma descoberta de entre as mais importantes da História da Humanidade, o vidro obtém-se por fusão, a temperaturas superiores a 1200 ºC, sobretudo, de areia quartzosa (essencialmente, sílica: SiO2) juntamente com outros aditivos, entre os quais, carbonato de sódio (Na2CO3) e carbonato de cálcio (CaCO3).

(greensavers.sapo.pt)

De acordo com a lenda, de mero valor histórico, citada pelo historiador e naturalista romano Plínio, o Velho (23-79), há uns cinco mil anos, um grupo de mercadores fenícios desembarcou numa praia do rio Belus, na Síria. Aí acenderam o lume para confeccionarem o que comer e, para apoiarem as panelas, utilizaram alguns blocos de carbonato de sódio, da carga que transportavam no seu navio. Conta a lenda que, por efeito do calor do lume, a mistura deste sal com a areia siliciosa da praia fundiu, originando uma pasta rubra e viscosa que, uma vez fria, tinha a rigidez de uma pedra a que se deu o nome de vidro. O conhecimento que temos da temperatura de fusão da areia, nestas condições, desmente esta imaginativa explicação.

(seminarioteologia.wordpress.com)

Não sabemos, com rigor, o período da História e em que civilização foi descoberto o vidro. Todavia, sabemos que, na Antiguidade, os Egípcios, os Fenícios, os Assírios, os Gregos e os Romanos já produziam e utilizavam objectos de vidro. Assim, esta conquista tecnológica do génio humano pode ter ocorrido em tempos e entre comunidades diferentes. Sabemos ainda que o mesmo Plínio atribuía aos Fenícios a sua descoberta acidental.

Intefe II, faraó da XI Dinastia.  (pt.wikipedia.org)

Escavações arqueológicas nas proximidades de Bagdad descobriram um cilindro de vidro azul entre achados de há 2700 a.C. e, no Egipto, foi referenciado um fragmento de vidro, igualmente azul, onde está escrito o nome de Antefe II (ou Intefe II), faraó da XI Dinastia, que reinou por volta de 2000 a.C.1

Os escravos vidreiros egípcios, ao tempo da XVIII Dinastia, entre 1550 e 1295 a.C., já produziam uma pasta de vidro maleável, com a qual faziam contas de vidro e adornos pessoais. Algumas destas peças foram encontradas em perfeito estado de conservação, no sarcófago de Tutancámon, crendo-se que foi este povo o primeiro a utilizar o vidro na manufactura de tigelas e de outros vasos.  

Máscara de Tutancámon. (Créditos fotográficos: Getty Images –
exame.com)

Na Mesopotâmia, na urna funerária do rei assírio Sargão II, que reinou entre 721- 705 a.C.2, foi encontrado um vaso de vidro.

Nas tábuas de argila do rei assírio Assurbanipal (668-626 a.C.), descobertas em Nínive, na margem oriental do rio Tigre, só recentemente decifradas, indicam-se modos de fabricação de vidro.

Na Grécia Antiga, nos tempos micénicos, aproximadamente entre 1600 e 1100 a.C., foram descobertos vasos de vidro produzidos com técnicas egípcias.

A dificuldade para conseguir altas temperaturas nos pequenos fornos então utilizados não permitiam atingir as temperaturas necessárias à fusão da pasta de vidro indispensável a outros progressos. O uso do fole aplicado ao forno, introduzido no Egipto, conseguiu aumentar o calor e, desse modo, tornar a massa vítrea mais trabalhável. A descoberta, no Médio Oriente, da “cana” (o tubo de soprar) e da técnica do sopro na produção de vidro oco, como garrafas, potes, copos, frascos e outros, quando Roma já estendia o seu domínio sobre esta região, pode ser vista como uma revolução na História do vidro.

Objectos de vidro romano foram recuperados em todo o Império Romano em contextos domésticos, industriais e funerários. (hisour.com)

Os Romanos contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da produção do vidro, tendo sido os primeiros a criar vidraças e usá-las nas janelas. Entre esta produção merece destaque o conhecido mosaico colorido executado com tesselas de vidro. Com a queda do Império Romano, assistiu-se ao declínio da manufatura do vidro, embora se tivessem preservado a tecnologia e o estilo no mosaico.

Na Europa medieval, os vitrais começaram a florescer nas catedrais e grandes igrejas. Formados por fragmentos de vidraça pintada ou de vidro colorido, figuram cenas e desenhos de grande pormenor, merecendo destaque os das catedrais góticas francesas e inglesa dos séculos XII e XIV. Explicava-se que o efeito da luz do sol, ao atravessá-los, conferia uma maior imponência e espiritualidade ao ambiente, efeito reforçado pelas imagens aí retratadas, maioritariamente de cenas religiosas. Em complemento das pinturas e de outras imagens ilustrativas do catolicismo, os vitrais serviram como recurso didáctico na formação religiosa de uma população iletrada.

Vitral: Notre-Dame de la Belle Verrière, em Chartres, na França. (umviajante.com.br)

Séculos de experiência nesta “arte” fizeram da Itália o principal centro de produção vidreira da Europa, sendo de destacar, a partir do século XIII, os vidros e os mestres vidreiros de Murano (pequena ilha próxima de Veneza).

Durante o Renascimento, esta localidade desempenhou o papel de principal centro produtor de vidros artísticos, mantendo essa posição até ao século XVII, irradiando para toda a Europa. Em França, Nevers ficou referenciada como a cidade onde, no século XVII, se atingiu o mais elevado nível no artesanato do vidro artístico, posição também assumida, mais tarde, durante o período Barroco, pelas cidades de Praga, de Nuremberga e de Potsdam.

Louis Comfort Tiffany, o grande “designer” que teve a Natureza como sua musa. (fahrenheitmagazine.com)

Em começos do século XX, acompanhando o movimento artístico conhecido por Arte Nova, o design na indústria e no artesanato do vidro impôs-se através da obra do americano Louis Tiffany (1848-1933) e dos franceses Émile Gallé (1846-1904) e René Lalique (1860-1945).

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Notas da Redacção:

1 – Como se refere na Wikipédia, Intefe II terá reinado por quase 50 anos, de 2112 até 2 063 a.C.

2 – Sargão II, segundo nos diz a Infopédia, foi rei da Assíria entre 721 e 705 a. C. Na tradição local, ele foi um usurpador do poder, embora seguisse a obra começada pelo seu antecessor Tiglat-pileser III.

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08/01/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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