O voo do girassol

 O voo do girassol

Ilustração: Sandra Serra

O girassol começou a sua viagem, inclinando-se com a sua grande corola na dianteira e o seu extenso caule deitado, voando no firmamento. Parecia um cometa. O espetáculo de uma grande flor amarela, recortada no céu azul, a todos espantava. Por onde passava suscitava a curiosidade e surpresa de quantos a viam.

Com a sua corola numa grande agitação, nada escapava ao seu olhar curioso, tentando contemplar tudo em redor. Os telhados das pequenas casas e dos grandes prédios, o movimento dos carros e comboios, os aviões riscando o céu, o gado pastando nos campos, as copas das árvores bordando a paisagem, o rio serpenteando por entre os montes, os lagos espelhando o azul do céu, os pássaros esvoaçando em seu redor, tudo prendia a sua atenção. Até o mar e os barcos o girassol avistou, nesse seu voo de descoberta.

A certa altura, ouviu uma espécie de sussurro junto da sua corola. A grande flor não conseguia ver o que se passava, mas depressa percebeu que levava consigo uma estranha companhia.

– Desculpa girassol, sou uma joaninha e não resisti a vir contigo! Sabes como é, uma joaninha é tão pequena que se esconde em qualquer lugar!

E a joaninha avançou com um pouco mais de coragem para a frente de uma das suas pétalas. O girassol ainda resmungou, mas a verdade é que lhe soube bem a companhia de outro ser, mesmo sendo uma minúscula joaninha! Leve como é a joaninha, não lhe custava quase nada levá-la consigo.

A dado momento, uma águia que voava, armada em rainha das alturas, resolveu meter-se com o girassol e avançou para ele em voo picado para o expulsar do céu.

– Quem és tu, estranho viajante que invadiste o território dos pássaros? –interrogou ela, furiosa.

O girassol mal teve tempo de se explicar e o que a seguir aconteceu foi um autêntico combate no céu. Aos ziguezagues, a grande flor tenta escapar da investida da ave, que se aproxima cada vez mais. Eis senão quando, a joaninha salta para o olho da águia e ZÁS! – faz com que esta se desoriente e, aflita, perca o controlo da situação, atarantada e surpreendida pela coragem e destreza do pequeno inseto. Então, o girassol aproveita a fraqueza da ave e experimenta um voo rasante sob ela. Neste momento, a joaninha salta para a sua corola e os dois fogem da águia que, continuando meio estonteada, ainda ameaçou: – Isto não fica assim! Hei de apanhar-vos!

Na fuga daquela criatura tão maldisposta, a flor quase chocou com um prédio enorme. Foi por um triz. Cansada e ofegante, encostou-se por instantes a uma das janelas. Foi então que, ao olhar para o interior, deparou com uma menina que, desviando os olhos do seu livro, olhou surpreendida para a grande flor. Aproximou-se da janela e perguntou: – Girassol, girassol, mas tu voas? Como consegues voar? Nunca vi uma flor no céu!

– Na verdade, tenho apenas algumas horas para voar e não posso perder tempo, tenho muito para ver e conhecer! – respondeu o girassol. – No fim do dia, pela noitinha, tenho de regressar ao meu jardim. – continuou ele a explicar a sua aventura.

– Deixa-me tirar-te uma fotografia! – pediu a menina, encantada com a beleza da flor. O girassol, divertido, fez uma pose engraçada e a menina fotografou-o.

Entretanto, lembrou-se de que aquela maravilhosa flor voadora podia fazer algo muito especial. – Amigo girassol, quero pedir-te que visites um menino que vive no 5.º esquerdo do prédio. Está doente, não pode sair de casa e ficará muito feliz se vir uma flor tão bela como tu à sua janela! – disse a menina.

O girassol tinha bom coração e decidiu atender ao seu pedido. Subiu e espreitou pela janela do 5.º esquerdo. No quarto, estava um menino deitado na cama, brincando com uma consola de jogos. O menino ficou espantado com aquele visitante inesperado e convidou a grande flor a entrar. O girassol entrou pela janela e, com delicadeza, sentou-se na sua cama. O menino tocou nas pétalas e nas folhas do girassol, passou a mão pelo seu miolo castanho e sentiu o cheiro da terra vindo das suas raízes.

Depois, a joaninha voou para a palma da sua mão e ele sorriu com as cócegas que esta lhe fez. O pequeno bicho ensaiou mais umas piruetas e voltou a pousar numa das pétalas da flor. Perante o olhar surpreendido da criança, o girassol contou a sua história, explicando que naquele dia, por magia, estava a cumprir o seu sonho de voar e de conhecer o mundo. Então, encantado com aquele feliz encontro, o menino abraçou o girassol e disse-lhe: – Obrigado, grande flor! O meu dia ficou muito mais alegre e colorido com a tua presença! Há um lago aqui perto onde poderás mergulhar as tuas raízes para te refrescares. E, se algum dia voltares a ter o poder mágico de voar, vem ver-me!

– Não sei se algum dia poderei voltar a voar. Se tal acontecer, fica prometido! Adeus e fica bom, bem depressa! Quem sabe, não poderás visitar-me no meu jardim! – disse o girassol, despedindo-se.

………………….

(*) In “As Flores Também Sonham”

19/09/2022

Siga-nos:
fb-share-icon

Celeste Almeida Gonçalves

É professora e escritora de obras para a infância e juventude, desenvolve vasta atividade de mediação de leitura em escolas e bibliotecas e dinamiza variados projetos, no âmbito da leitura e da escrita criativa.

Outros artigos

Share
Instagram