Obesidade e erosão
Quando o Partido Socialista (PS) ganhou, folgadamente, as eleições legislativas de janeiro de 2022, não houve um único comentador que recorresse às enfadonhas teorias sobre a erosão do poder, segundo as quais, quem está no governo sofre o “inevitável” desgaste. Pudera, o PS governava ininterruptamente desde novembro de 2015, portanto, há seis anos e dois meses. Como se compreende então que, agora, ao fim de tão pouco tempo, a erosão precoce ocorra com tanta intensidade?
Para responder a esta perplexidade, recorro a um conceito da “família da saúde”, que é o de “obesidade”: a força política que alcança a maioria absoluta “senta-se” no poder que acha seu, deixa de “fazer exercício” na negociação de programas e de medidas e torna-se extremamente vulnerável às suas contradições internas e à voracidade das suas numerosas clientelas.
Mas, voltando um pouco atrás, importa perceber que, nas anteriores legislaturas, o PS era o único partido no governo, mas, verdadeiramente, não governava sozinho, vendo-se obrigado a consultas frequentes com os partidos, à sua esquerda, com quem tinha firmado acordos. Esta saudável ginástica era necessária para demonstrar a superior qualidade da governação socialista que corrigia as políticas anteriores da direita, traduzindo-se em muitas medidas favoráveis aos sectores mais carenciados da população.
Nas legislativas de 2019, não houve erosão, pelo contrário, esse inovador “arco de governação” viu a sua maioria alargar-se de 122 para 139 deputados.
Nas legislativas de janeiro de 2022, após a rutura provocada pela não aprovação do Orçamento de Estado, aritmeticamente o mesmo conjunto tem 131 deputados, mas já não é um conjunto: a obesidade instalou-se e o PS pode, enfim, governar “a partir de casa”. Sobre as causas desta alteração, disse-se já quase tudo. Os efeitos estão à vista. Procuremos, então, raciocinar para o futuro.
O futuro dirá se a “geringonça” foi um breve intervalo lúcido na triste colaboração do PS com as políticas da direita ou se, pelo contrário, há forças dentro do Partido Socialista para retomar o entendimento à esquerda.
O tempo escasseia. Grandes conquistas sociais como o Serviço Nacional de Saúde e a educação pública estão presas por arames, carentes de atrair milhares de profissionais, de resolver problemas de instalações, de recuperar a estima dos cidadãos e de refazer uma cultura de serviço público universal. Nas florestas está quase tudo por fazer e a escassez de água atinge, duramente, boa parte do País. Outros dramas sociais sempre adiados, como o da habitação, exigem grande investimento público e a determinação com que foi enfrentada a renovação da ferrovia.
Por outro lado, a direita fareja essas oportunidades de investimento e não é por acaso que cerca, justamente, o Ministério das Infraestruturas. Quer ser ela a fazer os cadernos de encargos e a escolher os adjudicatários.
Os próximos meses serão determinantes. Ou o Partido Socialista consegue regressar ao trabalho e à atividade física, suster as hostes e as clientelas e retomar a dinâmica de governação com clareza de propósitos, ou então o País regressará, penosamente, à situação de que saiu em 2015. O que se passar em Espanha vai ter influência, mas é sobretudo aqui, em torno das questões e das políticas concretas, que se jogará o nosso futuro imediato.
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Nota do Director:
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01/06/2023