“Olha o robô!”

(Créditos fotográficos: Brian McGowan – Unsplash)
Um dos principais motores do desenvolvimento tecnológico foi, é, e continuará a ser a guerra. Ao longo de toda a história da Humanidade, sempre se procuraram ferramentas e soluções que constituíssem uma vantagem do ponto de vista bélico. De simples paus e pedras, passou-se, sucessivamente, a lanças, espadas, arcos e flechas, catapultas, armaduras, carros de combate, pistolas e espingardas, canhões, armas automáticas, máquinas voadoras, bombas, mísseis, e tantas outras invenções. Todas exigiram muito engenho e representaram enorme avanço tecnológico, possibilitando a quem as desenvolveu ou utilizou decisivas vantagens táticas e estratégicas, que estiveram na base da criação dos grandes impérios que todos conhecemos e muitos admiram.
É claro que todo esse desenvolvimento teve um lado positivo, pois muitas dessas tecnologias foram adaptadas para fins civis e permitiram, em muitos casos, o desenvolvimento da sociedade, em geral. Por exemplo, muitas das soluções utilizadas em veículos terrestres ou aéreos tiveram origem em tecnologias originalmente pensadas para material bélico. Outro exemplo é o da criptografia. As soluções criptográficas desenvolvidas e exploradas na Segunda Guerra Mundial estão na base da atual criptografia. Sem criptografia, o nosso mundo não poderia funcionar, já que deixariam de ser possíveis todos os serviços e aplicações que utilizam a Internet. A própria Internet ficaria rapidamente inoperacional.
Mas, se é certo que as motivações bélicas suscitam muitos desenvolvimentos tecnológicos, o inverso também se verifica. São frequentes os casos em que tecnologias desenvolvidas para fins meramente civis, com as melhores das intenções, têm aplicação direta ou indireta na guerra. De facto, o que possibilita esta dualidade é a própria natureza humana, que é, quer gostemos quer não, centrada no desejo de vencer, de subjugar e de eliminar. Basta olhar para a História para perceber isso.

Hoje, dispomos de um leque de tecnologias altamente sofisticadas com aplicação direta na guerra, do qual se destacam as comunicações, a robótica e a inteligência artificial. Se, isoladamente, o potencial destas tecnologias já é enorme, ele é, no entanto, muitíssimo maior quando as combinamos. Há muito que se investigam e desenvolvem soluções para a utilização de robôs na guerra, mas, se os dotarmos de capacidade de comunicação entre si e, também, com centros de controlo, e lhes conferirmos inteligência (artificial) para poderem tomar decisões autonomamente, teremos todos os ingredientes para construir terríveis guerreiros. É o que tem vindo a ser feito por um número crescente de empresas ligadas ao setor militar nos países tecnologicamente mais avançados.
A ideia de utilizar robôs na guerra é, à partida, muito atrativa para os militares, pois estes equipamentos podem realizar ações que seriam muito perigosas para soldados humanos. Os robôs não morrem nem têm instinto de preservação, nem de sobrevivência, pelo que podem executar ações de desminagem, ações de exploração de zonas sob controlo do inimigo, ou ações “suicidas”, em todo o tipo de condições adversas e com elevada precisão. O problema é que essas capacidades, úteis para poupar vidas, também podem ser utilizadas para eliminar vidas humanas, o que levanta imensas questões éticas e legais.

Com inteligência artificial, um robô poderá tomar, autonomamente, uma grande variedade de decisões com impacto em vidas humanas, como, por exemplo, decidir ferir ou matar este ou aquele soldado inimigo; ou decidir atacar determinado alvo civil porque isso lhe possibilitará alcançar determinado objetivo militar com mais facilidade, sem qualquer tipo de sentimento de culpa, de arrependimento ou de autocensura. Além disso, recorrendo a técnicas avançadas de robótica, podem executar todas estas ações com uma precisão muitíssimo maior do que qualquer soldado humano. Infelizmente, não falo aqui de ficção científica, mas sim de soluções que já hoje existem e que estão a ser testadas e afinadas neste preciso momento.
Uma vez estabilizada a aplicação de robôs inteligentes na guerra, o passo seguinte será inevitável: a sua utilização para policiamento em grandes cidades, especialmente em zonas ditas problemáticas. É um cenário até aqui restrito ao mundo do cinema e da literatura de ficção, mas que está muito mais perto de se tornar no nosso pesadelo do que o que pensamos. Nessa altura, ninguém mais oferecerá às suas crianças pequenos robôs de brincadeira, dizendo-lhes “Olha o robô!”, pois ninguém, em seu juízo perfeito, gostará que os seus filhos brinquem com as máquinas que os irão subjugar.
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13/11/2023