Ondas gigantes e o canhão submarino da Nazaré

 Ondas gigantes e o canhão submarino da Nazaré

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Já se imaginou a surfar uma onda com 30 metros na costa portuguesa?

As maiores ondas oceânicas, em altura, ao longo de toda a costa portuguesa verificam-se, de forma mais majestosa e frequentemente, na região definida pela Praia do Norte, na vila da Nazaré. Importa dizer que a física das ondas é matéria complexa, pela influência de inúmeros factores como sejam, entre outros, a temperatura e salinidade das águas à superfície e no fundo marinho, amplitudes das marés, correntes marítimas, riqueza e diversidade da biomassa (algas, plâncton, etc.) que reduz a tensão superficial da água, o contexto geológico e oceanográfico. Neste último caso, o imponente Canhão Submarino da Nazaré, um dos maiores do Mundo, desempenha um papel decisivo na circulação regional das massas de água e sedimentos e, logo, influencia a formação de ondas.

O investigador Luís Quaresma dos Santos, autor da tese “Observação De Ondas Internas Não-Lineares Geradas Sobre o Canhão Submarino Da Nazaré” (2006, Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), caracteriza assim o gigantesco acidente geográfico submarino: “De entre uma dezena de canhões existentes na margem continental portuguesa, o da Nazaré é sem dúvida o mais imponente. Para além de ser um dos maiores do mundo, ele rasga por completo a plataforma continental, perpendicularmente à costa, e estende-se por mais de 220 km. A Norte do canhão a plataforma é estreita (40-50 km) e plana, com um declive médio da ordem de 0,3 %. A Sul do canhão a plataforma torna-se ainda mais estreita e menos profunda, apresentando-se confinada pelo Cabo Carvoeiro (Peniche) e as Ilhas das Berlengas”.

Devido à configuração do Canhão, “observa-se a propagação de uma maré interna de grande amplitude ao longo do seu domínio interno, assim como uma redução da amplitude da maré junto da costa da Nazaré”, descreve aquele investigador.

Este trabalho pioneiro acerca do canhão, caracterizou, pela primeira vez, a propagação de ondas internas solitárias não-lineares (C-NIW) sobre a plataforma continental média, a norte do canhão submarino da Nazaré. O próprio canhão parece desempenhar um papel condutor destas ondas, que se “distinguem das restantes por uma amplitude superior (alcançando os 30 m) e pela indução de pulsos de corrente com maior intensidade junto ao fundo (0,1-0,2 m/s)”.

As ondas, designadas por solitões, “são observadas em grupo ou trens de onda. No Canhão da Nazaré, os trens C-NIW são constituídos por duas a três ondas, com períodos de cinco a 10 minutos e amplitudes de 10 a 30 metros. Ocorrem, predominantemente, “entre o fim da Primavera e o início do Outono, acompanhando o aparecimento de um termoclina sazonal”, pelo que esta altura do ano é propícia à formação das ondas de grande amplitude e período, um grande potencial a esta zona costeira para a prática da modalidade de tow-in surfing em ondas gigantes.

O surfista solta o cabo, na Praia do Norte (Nazaré). (Créditos fotográficos: Luís Ascenso –en.wikipedia.org)

E foi neste contexto ondulatório que o surfista havaiano Garret McNamara conseguiu entrar para o Guiness Book of Records, ao surfar uma onda com cerca de 30 metros de altura, na zona da costa conhecida como Norte do Canhão, no dia 1 de Novembro de 2011.

Desde então, as ondas gigantes que se formam no Canhão da Nazaré passaram a ser alvo de atracção mundial e o sonho de muitos surfistas.

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(*) Este artigo foi escrito no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

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20/02/2023

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António Piedade

Bioquímico e comunicador de Ciência. Publicou centenas de artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de diversos livros de divulgação de Ciência, entre os quais se destacam “Íris Científica” (Mar da Palavra, 2005 – Plano Nacional de Leitura), ”Caminhos de Ciência”, com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011) e “Diálogos com Ciência” (Trinta Por Uma Linha, 2019 – Plano Nacional de Leitura), também prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, a exemplo do já muito popular “Ciência às Seis”, no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra. Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.

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