Os mesmos velhos caminhos da América “Baixa”

 Os mesmos velhos caminhos da América “Baixa”

Peruanos em luta contra a deposição de Pedro Castillo. (Créditos fotográficos: Manu Vargas)

Os tempos que configuram essa segunda década do século XXI são de assombro. Depois da escalada de um matizado “progressismo”, que começou no final dos anos 1990, toda a região latino-americana começa a viver nova onda de dominação do pensamento conservador e da ultradireita.

No Brasil, a população votou em Jair Bolsonaro para gerir o país em quatro anos de absoluta destruição dos direitos dos trabalhadores, bem como do emprego, da indústria nacional e do ambiente. E, ainda que nas últimas eleições a maioria tenha escolhido Lula da Silva, houve uma expressiva marca de votos para o protofascista, uma gente que segue atuando de maneira veloz e eficaz no sentido de disputar as mentes, mantendo viva a chama do conservadorismo.

Nayib Armando Bukele Ortez (latinoamerica21.com)

Na América Central, aprofunda-se, cada vez mais, o desejo de ver uma “mão dura” governando. E isso aparece concretamente no caso do governo de Naybe Armando Bukele, em El Salvador, que decidiu encarcerar meio mundo e governar como um imperador. Tem 90% de aprovação da população que nunca na sua vida tinha visto alguém atuar contra as maras (gangues). E ainda que se fale em acordos entre as maras e Bukele, o que se vê, na aparência, é uma multidão de criminosos que impunham o terror sendo presos e sumindo das comunidades. Um alívio para a violência que tem levado milhares de pessoas a migrar, dia após dia. O que isso vai dar no futuro parece não importar, porque o impacto na vida cotidiana é grande.

No Paraguai, quando todas as pesquisas anunciavam um empate técnico entre o candidato do Partido Colorado – cria de Horacio Cartes – e Pedro Efraín Alegre, que representaria uma aliança mais à esquerda, o que se viu foi uma vitória estrondosa de Santi Peña (Santiago Peña Palacios), mantendo no poder um partido que, salvo um pequeno hiato (com Fernando Lugo), governa o país há 70 anos.

Paio Cubas, conhecido como o “Bolsonaro paraguaio”.
(Créditos fotográficos: Reprodução/Facebook – bbc.com)

Nem todas as denúncias de corrupção, nem a retirada do apoio dos Estados Unidos da América a Cartes fez com que a esquerda pudesse lograr uma vitória. Isso porque quem surgiu como “saída” foi um candidato ultradireitista, Payo Cubas, conhecido como o “Bolsonaro paraguaio”, com propostas de pena de morte e “mão dura” contra tudo e todos, que abocanhou impressionantes 23% dos votos.

Santiago Peña, candidato do Partido Colorado é o novo Presidente
do Paraguai. (Créditos fotográficos: Raul Martinez / EPA –
Observador)

Na Argentina, que celebrou a vitória de uma coalizão de centro-esquerda contra Mauricio Macri, as coisas não estão indo bem. Novos contratos fechados com o Fundo Monetário Internacional (FMI), aumento do desemprego e crise financeira tem colocado a população com “as barbas de molho”. Uma viragem à direita de novo não está descartada. No México, os ataques a Andrés López Obrador se aprofundam e por aí vai.

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador. (Créditos fotográficos: EPA – jn.pt)

O que o cenário parece apontar é que as coalizões “progressistas” que têm assumido governos não conseguem sair da armadilha liberal. Por conta disso, também se mostram incapazes de resolver problemas que são estruturais. O caso de El Salvador é paradigmático. Passou por duas gestões de governos oriundos das lutas de libertação, mas que não avançaram na relação com a violência, com a miséria, com o desemprego. Bukele deu solução pela via autoritária. A população, em geral, prefere políticos que tenham propostas claras, que respondam à maioria em problemas que impactam a maioria. As propostas que envolvam grupos específicos tendem a ser vistas como privilégios ou insuficientes. O que, de fato, muitas vezes são.

Outra falha bastante comum é a incapacidade de comunicar com a maioria. Os grandes temas seguem sendo decididos em espaços fechados, ou no legislativo, sem um debate público amplo. A população não é chamada para conhecer a ação dos governos e muitos menos para decidir sobre as questões. Exemplos positivos como a organização pela base em Cuba ou as ações comunicativas do presidente Hugo Chávez, na Venezuela, não são consideradas. O resultado é que a maioria acaba sendo inoculada pelo vírus da desinformação que circula pelas redes sociais. São tantas e tão velozes as mentiras e a desinformação, e não encontram barreira eficaz.

O Brasil acaba de viver um momento assim quando o governo decidiu passar, sem amplo debate, um projeto de regulação das grandes empresas de dados e informação. A mentirada gerada pela oposição ultraliberal se espalhou como pólvora e, na dúvida sobre o conteúdo total do projeto, muita gente que não é da direita acabou se colocando contra também. Esse é um tema que precisa de muito debate e as pessoas precisam de ficar certas de que isso será bom para a maioria. Não é assim que aparece. A direita fala em censura e o governo não consegue ser claro.

Gabriel Borić Font (esquerdaonline.com.br)

No Chile, o governo de Gabriel Borić Font, colocado como “progressista”, tem aplicado velhas receitas que a população não vê com bons olhos, como é o caso da militarização da região da Araucanía. E, agora, os chilenos escolherão uma nova assembleia constituinte, provavelmente muito menos à esquerda do que a que nasceu das grandes manifestações e que foi derrotada quando a população disse não ao projeto construído. Resta saber se a lição foi aprendida e se as propostas que nascerão desta nova constituinte realmente buscam mudanças significativas para a maioria dos chilenos.

Via de regra, o que se vê nos governos ditos progressistas é um descompasso entre o que apregoam e o que, de fato, fazem. Pululam propostas de caráter pequeno-burguês, de melhoria do capital, de conciliação de classe. As saídas seguem sendo pela via liberal e não apresentam respostas para os dramas estruturais de cada nação. Nestes tempos de redes sociais, de alienação estonteante e de inteligências artificiais, faz falta uma esquerda revolucionária que seja clara nas propostas e que seja capaz de carregar o povo todo, não para humanizar o que não tem como ser humanizado – o capitalismo –, mas para constituir uma nova sociedade de verdade. A resposta a essa crítica tem sido a mesma: se busca transformação precisa de enfrentar o império. Ou seja, insiste-se na receita de fazer omelete sem quebrar os ovos. E, ainda que a conciliação sempre acabe mal, é nela que se amparam.

Enfim, andamos longe da mudança, mas caminhamos.

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15/05/2023

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Elaine Tavares

Jornalista e educadora popular. Editora da «Revista Pobres e Nojentas», com Miriam Santini de Abreu. Integra o coletivo editorial da «Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos». Coordenadora de Comunicação no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (no Brasil).

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