Os sinos da Lapa ecoam no Paraíso
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Na casa onde moro, na portuense Rua do Bonjardim, vejo a Igreja de Nossa Senhora da Lapa, onde a cidade guarda o coração que D. Pedro IV lhe doou, e ouço os sinos das duas torres dessa igreja, nos sons que atravessam a Rua do Paraíso.
A Rua do Paraíso é a rua que liga o Largo da Lapa à Rua do Bonjardim. Uma rua muito conhecida na cidade do Porto, por nela ter funcionado, durante muitos anos, uma esquadra da polícia – a sétima conhecida como a Esquadra do Paraíso, entretanto desactivada.
Com a liberdade que a linguagem poética (bem como a popular) proporciona, há dias, comecei a escrever um poemeto cujos dois primeiros versos são, claramente, típicos de um “fake poem” (poema falso), ou, pelo menos, versos de meia-verdade: Os sinos da Lapa / ecoam no Paraíso.
Na verdade, os sinos da portuense Igreja da Lapa ecoam na portuense Rua do Paraíso, a tal que liga o Largo da Lapa à Rua do Bonjardim. Ecoarão ou não no Paraíso, se houver Paraíso, pelo que o poema carece de um terceiro verso: Os sinos da Lapa / ecoam no Paraíso. / Na Rua do Paraíso.
Parece um haiku, uma muito sintética forma poética japonesa também cultivada no Ocidente em versões que optam por tercetos em que o primeiro e o terceiro verso têm cinco sílabas cada e o segundo verso sete.
Parece um haiku, mas não é um haiku. É fácil ver que as sílabas dos dois primeiros versos estão quantitativamente correctas, mas a do terceiro verso não, pois apresenta-se com sete e não com cinco sílabas.
Claro que o conteúdo é, neste exemplo, tanto ou mais importante do que a forma; por ser importante que o terceiro verso esclareça que o Paraíso não é, na verdade, o Paraíso, lugar que pode até não existir. Mas, sim, a portuense Rua do Paraíso, a rua da velha sétima esquadra. O que obriga a um verso de sete sílabas poéticas.
Se a desinformação pode cair no requintado pano da poesia, que dizer nos papéis dos jornais, nas ondas das rádios, nas pantalhas das televisões ou nas nuvens que alimentam o mais volátil ciberespaço?
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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.
22/08/2022