Os sinos da Lapa ecoam no Paraíso

 Os sinos da Lapa ecoam no Paraíso

Igreja de Nossa Senhora da Lapa, no Porto. (www.helloguideoporto.com)

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Na casa onde moro, na portuense Rua do Bonjardim, vejo a Igreja de Nossa Senhora da Lapa, onde a cidade guarda o coração que D. Pedro IV lhe doou, e ouço os sinos das duas torres dessa igreja, nos sons que atravessam a Rua do Paraíso.

A Rua do Paraíso, na cidade do Porto. (Foto de Gabriela Gonçalves / Correio do Porto)

A Rua do Paraíso é a rua que liga o Largo da Lapa à Rua do Bonjardim. Uma rua muito conhecida na cidade do Porto, por nela ter funcionado, durante muitos anos, uma esquadra da polícia – a sétima conhecida como a Esquadra do Paraíso, entretanto desactivada.

Antiga esquadra da PSP na Rua do Paraíso. (Foto de Artur Machado / Global Imagens)

Com a liberdade que a linguagem poética (bem como a popular) proporciona, há dias, comecei a escrever um poemeto cujos dois primeiros versos são, claramente, típicos de um “fake poem” (poema falso), ou, pelo menos, versos de meia-verdade: Os sinos da Lapa / ecoam no Paraíso.

Na verdade, os sinos da portuense Igreja da Lapa ecoam na portuense Rua do Paraíso, a tal que liga o Largo da Lapa à Rua do Bonjardim. Ecoarão ou não no Paraíso, se houver Paraíso, pelo que o poema carece de um terceiro verso: Os sinos da Lapa / ecoam no Paraíso. / Na Rua do Paraíso.

Parece um haiku, uma muito sintética forma poética japonesa também cultivada no Ocidente em versões que optam por tercetos em que o primeiro e o terceiro verso têm cinco sílabas cada e o segundo verso sete.

Parece um haiku, mas não é um haiku. É fácil ver que as sílabas dos dois primeiros versos estão quantitativamente correctas, mas a do terceiro verso não, pois apresenta-se com sete e não com cinco sílabas.

Claro que o conteúdo é, neste exemplo, tanto ou mais importante do que a forma; por ser importante que o terceiro verso esclareça que o Paraíso não é, na verdade, o Paraíso, lugar que pode até não existir. Mas, sim, a portuense Rua do Paraíso, a rua da velha sétima esquadra. O que obriga a um verso de sete sílabas poéticas.

“A little cuckoo across a hydrangea” (Haiga), por Yosa Buson. (pt.wikipedia.org)

Se a desinformação pode cair no requintado pano da poesia, que dizer nos papéis dos jornais, nas ondas das rádios, nas pantalhas das televisões ou nas nuvens que alimentam o mais volátil ciberespaço?

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

22/08/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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