Os três Pablos

 Os três Pablos

Pablo Neruda, Pablo Picasso e Pablo Casals. (Direitos reservados)

Pablo Neruda, Pablo Picasso e Pablo Casals morreram, os três, no ano de 1973. Assim, passam cinquenta anos sobre o desaparecimento destes três grandes artistas hispano-americanos.

.

Pablo Neruda

Conheci  pessoalmente Pablo Neruda e, como já referi noutro artigo, era uma presença constante na nossa juventude, enquanto poeta e militante comunista. Pablo Neruda foi senador e perseguido pelo presidente Gabriel González Videla (entre 1946 e 1952), tendo sido forçado a exilar-se na Europa, depois de ter atravessado a cordilheira dos Andes. Foi cônsul em Espanha e, graças à sua gestão consular, se deve a partida de um barco de refugiados republicanos espanhóis para o Chile, uma aventura que poderia ser, perfeitamente, um belo argumento cinematográfico com um título como “Winnipeg”!

Pablo Neruda (Créditos fotográficos: © 2023 | Powered by Astra WordPress Theme –fundacionneruda.org)

De acordo com Terumi Villalba, no texto ensaístico “A relação entre Pablo Neruda e Espanha”, Edmundo Olivares é categórico quando declara que “Neruda se hará poeta combatiente en la España que vio morir a Federico García Lorca”1, após recordar que, em Maio de 1934, quando o poeta chegou a Barcelona para assumir um cargo consular, começava uma relação afectiva especialmente positiva, não só com os poetas da Geração de 27, mas com o ambiente em geral.

.

Pablo Picasso

Há pouco tempo, passou na RTVE (televisão espanhola) uma belíssima reportagem sobre Picasso e a sua vasta obra. Pablo Picasso viveu e podemos dizer que experimentou variadas formas de expressões artísticas, desde o teatro ao bailado. Picasso escreveu três peças de teatro: “Les Quatre Petites Filles”, “L’Enterrement du Comte D’Orgaz” e, a mais importante e famosa, “O desejo agarrado pelo rabo, a sua primeira aventura literária, concebida justamente no início de 1941.

O pintor espanhol Pablo Picasso reinterpretou obras pictóricas de Velasquez e é, sem dúvida, o maior representante do cubismo na pintura do século XX. (legalbytes.com)

A sua colaboração plástica com os músicos para o bailado, com a companhia Ballets Russes, de Serguei Diaghilev, começou em 1916-1917, com a criação de Parade(em 1917), com música de Erik Satie e argumento (sobre um tema) de Jean Cocteau, o escritor, artista, cineasta, fascinado por Picasso, que o apresentou ao responsável da companhia.

Figurino do bailado “Parade”. (Direitos reservados)

Retomando um artigo do jornal Observador (de 27 de Junho de 2018, com base num texto divulgado pela agência noticiosa Lusa) – intitulado “Exposição ‘Picasso e a Dança’ desvenda obras do pintor em Paris” –, lemos que a chefe do departamento editorial da National Opera, Ines Piovesan, responsável por uma exposição em Paris sobre a obra de Picasso, recorda que “Picasso acompanhou os Ballets Russes nas digressões, o que lhe permitiu fazer esboços” dos espectáculos.

O mesmo artigo do Observador informa que, além “das relações de trabalho, Picasso manteve laços duradouros de amizade” com Diaghilev e a sua companhia, como tinha explicado, à agência France Presse, o curador Bérenge Hainaut, destacando igualmente o relacionamento do artista com a bailarina Olga Khokhlova, com quem se casou, em 1918.

A leitura do citado artigo permite-nos lembrar que Picasso concebeu cenários e figurinos para várias coreografias dos Ballets Russes, entre 1917 e 1924, possibilitando a quatro delas estabelecer quatro grandes áreas no percurso da exposição: “Parade” (1917), “O chapéu de três bicos” (1919), sobre música de Manuel de Falla, “Pulcinella” (1920), a partir de Stravinsky, e “Mercure” (1924), também com música de Erik Satie.

O dita peça jornalística do Observador (baseada na Lusa) salienta que, até 1962, “Picasso trabalhou em cerca de uma dezena de bailados, em colaboração com Claude Debussy, Léonide Massine, Vaslav Nijinsky, além de Cocteau, Satie ou Igor Stravinsky”.

“Guernica”, uma das obras mais conhecidas do pintor espanhol. (Créditos fotográficos: Lev Radin / Pacific Press / picture alliance – dw.com)

O pintor espanhol Pablo Picasso reinterpretou obras pictóricas de Velasquez e é, sem dúvida, o maior representante do cubismo na pintura do século XX. É de destacar o seu quadro “Guernica” (de 1937) que se tornou símbolo da violência da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), documentando (ou evocando) o bombardeamento, em Abril de 1937, da cidade basca de Guernica, localizada na província de Biscaia, no País Basco. 

Pablo Picasso (Direitos reservados)

Recentemente, a RTP2 convidou o artista Pedro Cabrita Reis para a realização de separadores de produção (ou de emissão) que se inspiraram nos desenhos rápidos e gestuais pintados por Picasso em vidros. Com o trabalho desenvolvido em torno dos aludidos separadores de emissão [ver aqui], a RTP2 foi distinguida na categoria de Design, “best bumper or station-IDs”, graças ao projecto inovador e impressivo do artista plástico Cabrita Reis, em coordenação com as equipas criativas da RTP, destacando-se as áreas das autopromoções e do grafismo.

.

Pablo Casals

Primeira página do manuscrito de Anna Magdalena Bach da Suíte para Violoncelo (solo) n.º 1 em Sol Maior BWV 1007.
E fotografia do violoncelista Pablo Casals. (Direitos reservados)

Pablo Casals (Pau Casals, em Catalão) foi um violoncelista inimitável. Foi um virtuoso músico e maestro catalão. As suas interpretações de Bach são notáveis, além de ser ainda compositor. Lembro-me de uma versão em vinil que ouvi repetidas vezes em casa do meu amigo Franquelin Lopes, no Funchal,  da Suite n.º 1 para Cello. Nessa edição, uma versão extraordinária, podia ouvir-se o arco sobre o instrumento e o arfar, a respiração do executante.2

Pablo Casals foi um virtuoso músico e maestro catalão. (duffyarchive.com)

Afirma-se que a tocava todos os dias. Foi um acérrimo oponente do franquismo e do regime nazi, morreu em Porto Rico, aos 96 anos de idade, no exílio, e foi aí sepultado no Cemitério Nacional. Não viveu para ver o fim do regime franquista, mas foi postumamente homenageado pelo Estado espanhol, já em democracia.

O Festival Pablo Casals. (france-voyage.com)

Em 1950, é criado, pelo famoso violoncelista, o festival que acolhe solistas de renome mundial em Prades, nos Pirenéus Orientais, para celebrar o bicentenário da morte de Johann Sebastian Bach. Todos os anos, entre o final de Julho e meados de Agosto, mais de 10 mil amantes da música e curiosos reúnem-se para ouvir os concertos programados, nos mais belos monumentos religiosos, como a Abadia de São Miguel de Cuixá (abadia beneditina situada ao pé do Canigou, na comuna de Codalet, no sudoeste da França), o priorado de Marcevol (na comuna de Arboussols) ou a abadia de Saint-Martin du Canigou. A cidade converteu-se na capital mundial da música. Até então, não existia nada parecido, tornando-se no festival para música de câmara mais antigo do Mundo, constituindo um íman para aqueles que acreditavam que havia um imperativo moral na música. O festival terminava sempre com “A Canção dos Pássaros”, que, para Casals, representava a Catalunha. Era, para si, uma evocação da tragédia vivida pelo seu país.

Quando se fala de paz, aparece naturalmente a palavra “Paz / Pau / Pablo”.

Antes de a Comunidade Europeia optar, oficialmente, pelo “Hino da  Alegria”3, já Pablo Casals, no seu concerto na Organização das Nações Unidas (ONU), tinha proposto que essa obra fosse tocada em todas as cidades do Mundo como hino da paz.

O grande violoncelista, maestro e compositor Pablo Casals foi pela primeira vez a Marlboro, em 1960. Amplamente considerado o principal violoncelista do século XX, ele fugiu da Espanha de Franco para Prades, nos Pirenéus do sul da França, e jurou não tocar nem reger em nenhum país que tivesse reconhecido o regime fascista de Franco. (marlboromusic.org)

Como compositor, destaca-se o seu oratório “El Pesebre” (“O Presépio”). Pelo seu valor e interesse cultural recomendo o visionamento destes dois programas no YouTube:

Há várias décadas, Pau (Pablo) Casals iniciava os seus concertos “El cant dels ocells” (especialmente, durante os seus anos de exílio, desde o fim da Guerra Civil Espanhola), tocando esta peça em todas as partes do planeta. Também naquele concerto que deu na Casa Branca, perante o presidente John Fitzgerald Kennedy, ou quando o interpretou na Assembleia das Nações Unidas, a 24 de Outubro de 1971, aproveitando o facto da estreia do “Hino das Nações” (conhecido como o “Hino da Paz”), música composta pelo próprio Casals e com letra do poeta britânico W. H. Auden.

“El cant dels ocells” é uma peça musical de profundo estilo melancólico. Não é uma composição original de Casals, mas sim uma adaptação que o músico fez de uma antiga canção de Natal (vilancico – vilancete), de autor desconhecido e que gira em torno do acolhimento dado pelos pássaros, através de seus cantos, ao recém-nascido Messias.

.

Notas:

1 – Olivares, Edmundo. Pablo Neruda, cónsul de Chile en la España en guerra. Disponível em: http://www.uchile.cl/facultades/filosofia/publicaciones/pares/neruda.htm

2 – As Seis Suítes para Violoncelo Solo, por Johann Sebastian Bach, são das composições a solo mais frequentemente tocadas e reconhecidas para violoncelo. Foram, provavelmente, compostas durante o período de 1717-1723, quando Bach serviu como Kapellmeister em Köthen. Como regista a Wikipédia, foi em Köthen que as sonatas para violino e cravo e para viola da gamba e cravo, e as para violino e violoncelo solos consolidaram as suas feições mais ou menos definitivas. 

3 – O “Hino da Alegria” ou “Ode à Alegria” é um poema escrito por Friedrich Schiller, em 1785, e tocado no quarto movimento da 9.ª sinfonia de Ludwig van Beethoven.

.

11/05/2023

Siga-nos:
fb-share-icon

Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

Outros artigos

Share
Instagram